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A violência é a antítese da política, afirmam professores do Insper

Webinar com Milton Seligman, Carlos Melo e Fernando Schüler debateu a democracia brasileira à luz dos recentes incidentes envolvendo apoiadores de diferentes partidos

Webinar com Milton Seligman, Carlos Melo e Fernando Schüler debateu a democracia brasileira à luz dos recentes incidentes envolvendo apoiadores de diferentes partidos

 

Tiago Cordeiro

 

No primeiro semestre de 2021, o Observatório de Violência Política e Eleitoral da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) identificou 161 casos de violência política. No mesmo período de 2022, foram 214, um crescimento de 32%. O mais comum é acontecer ameaças e agressões, refletindo disputas partidárias locais.

De acordo com o levantamento, o Amapá é o único estado que não registrou nenhum incidente no período. São Paulo liderou com 28 casos, seguido por Rio de Janeiro, com 24, e Bahia, com 22. Os casos envolveram militantes de 23 partidos, a maioria homens com 40 a 49 anos. Apenas nos últimos três meses, foram registrados no país 19 homicídios com motivação política.

É de se esperar um ambiente de maior mobilização política em anos eleitorais. Mas é preciso que limites sejam respeitados. Que limites são esses? Quem os determina? Quem fiscaliza e garante o cumprimento das normas? Os últimos acontecimentos acendem um alerta?

Foi para buscar respostas para essas questões que o Centro de Gestão e Políticas Públicas do Insper promoveu um seminário virtual no último dia 18 de julho, com os professores Carlos Melo e Fernando Schüler e mediação do professor Milton Seligman. O conteúdo integral do debate está disponível online.

 

Falsos profetas

Milton Seligman observou que, neste ano eleitoral, os partidos políticos disputam o governo federal e as administrações estaduais por meio do voto num ambiente de grande polarização. “A polarização e a radicalização não são um problema em si. Nunca foi um problema na história brasileira. O problema é que a polarização está sendo acompanhada de episódios de violência, o que não faz parte da nossa recente tradição democrática. Essa é uma grande preocupação”, disse Seligman. “É importante considerar se quem fiscaliza e garante o cumprimento das normas é parte do problema ou da solução.”

Os três professores enfatizaram que a violência é o oposto da política. “A política foi inventada para que as pessoas não precisassem partir para as vias de fato”, disse Carlos Melo, que é cientista político e professor em tempo integral do Insper desde 1999. “Partir para a recusa da existência do outro é uma atitude antipolítica. Infelizmente, isso tem acontecido, não só no Brasil, como no mundo todo, e tem criado vários problemas. Precisamos resgatar os fundamentos da política, que é a arte do diálogo, a arte da negociação, a arte do possível.”

Melo lembrou que, num passado recente no Brasil, houve uma disputa acirrada entre o PT e o PSDB, mas sempre dentro dos princípios básicos da política. “Éramos felizes e não sabíamos”, disse. “Não me surpreende que Geraldo Alckmin e Luiz Inácio Lula da Silva, que tiveram uma disputa muito candente na eleição de 2006, estejam juntos hoje.”

Para Melo, o mundo vive uma fase semelhante à da transição do século 19 para o 20, que levou à Primeira Guerra Mundial e abriu caminho para o surgimento de “falsos profetas”. “Vemos surgir no mundo pessoas que vocalizam a instabilidade e o mal-estar, sem apontar soluções. No máximo, defendem a nostalgia do passado, tão bem traduzida pelo ‘make America great again’, do ex-presidente Donald Trump.”

As instituições deveriam conter o ódio e o ressentimento atuais, mas não estão conseguindo cumprir seu papel. Em parte, porque os políticos legisladores desapareceram. “Não se usa mais a expressão ‘baixo clero’ no Brasil porque não existe mais um ‘alto clero’”, afirmou Melo. “O grande tribuno, capaz de pensar em questões mais amplas da sociedade, sucumbiu à barganha.”

 

Único caminho

Milton Seligman observou que as redes sociais dificultam a interação e o diálogo. “Você acaba por se comunicar apenas com sua bolha, o que elimina a possibilidade de aprender com outros pontos de vista”, disse.

Por sua vez, Fernando Schüler, doutor em Filosofia e mestre em Ciências Políticas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com pós-doutorado pela Universidade de Columbia, pontuou que as estruturas sociais de mediação perderam espaço, com grandes prejuízos para o debate democrático. “Há 30 anos, a democracia liberal era mediada por associações, sindicatos, mídia profissional. Havia uma instância de mediação entre a visão de um cidadão e o público”, lembrou.

Segundo Schüler, com a revolução tecnológica que estamos vivendo, esse filtro se perdeu. “O custo de fazer política caiu. Agora você tem milhões de pessoas diretamente postulando suas ideias. São pessoas que subitamente ganharam o poder de se expressar e de organizar.” O problema é o despreparo, a perda da ideia da função social da política. “A ética da responsabilidade, a virtude da política, saber que o que eu digo e faço tem consequências. Todos esses conceitos desapareceram”, disse Schüler.

O caminho, apontam os professores, é resgatar a política e sua capacidade de mediação. “A política é o único caminho para nos salvar da violência”, resumiu Carlos Melo.


REVEJA O DEBATE:

Política e Violência no Brasil

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