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Inovações para enfrentar as mudanças climáticas em territórios vulneráveis

Diante da emergência de questões ambientais, o Laboratório Arq.Futuro de Cidades reuniu especialistas em uma programação que abordou soluções sustentáveis para as comunidades e agenda ESG

Diante da emergência de questões ambientais, o Laboratório Arq.Futuro de Cidades reuniu especialistas em uma programação que abordou soluções sustentáveis para as comunidades e agenda ESG

Vista aérea da favela de Heliópolis, em São Paulo
Vista aérea da região de Heliópolis, em São Paulo

 

Leandro Steiw

 

A construção da cidade do futuro passa por soluções sustentáveis e capazes de reduzir o impacto das mudanças climáticas nas populações mais vulneráveis. Para discutir ideias e desafios, o Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper organizou dois painéis do festival Cidade do Futuro, realizados no dia de 15 março, no auditório do Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo. Ambos integraram o Fórum de Cidades Resilientes e Sustentáveis, um dos 60 eventos contemplados na programação, e tiveram depoimentos de organizações de território e representantes do setor privado.

Os painéis foram liderados por Mauricio Bouskela, coordenador do Núcleo Cidades Inteligentes e Big Data do Laboratório, e Carolina Magalhães, colaboradora do Arq.Futuro e que também fez a curadoria do fórum. O primeiro — “Inovações para adaptação climática em territórios vulneráveis” — foi moderado por Bouskela, com a participação de Sabrina Oliveira Santos, pesquisadora da União de Núcleos, Associações dos Moradores de Heliópolis e Região (UNAS), da professora Paulina Achurra, coordenadora acadêmica do Arq.Futuro, e de Myriam Tschiptschin, gerente de smart cities do Centro de Tecnologia de Edificações (CTE). Carolina moderou o segundo painel — “A agenda ESG e o desenvolvimento territorial” —, com a presença de Katia Mello, copresidente da consultoria em gestão social Diagonal, e Daniela Pavan, diretora de ESG do Instituto Center Norte.

Sabrina Santos é pesquisadora do Observatório De Olho na Quebrada, formado por moradores de 15 a 22 anos de idade de Heliópolis, que pesquisam e divulgam dados sobre os problemas e as potencialidades da favela. Ela falou sobre as duas frentes de trabalho desse coletivo. Uma é a geração de dados sobre os cidadãos de Heliópolis para ajudar na negociação de ações e serviços públicos com a prefeitura e suas secretarias. A outra é a recuperação das memórias locais. A intenção é que os dados gerados pelo observatório possam adequar o atendimento público de saúde, educação e assistência, entre outros, às reais necessidades da comunidade.

Alguns números levados por Sabrina revelam a discrepância. O Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicava uma população de 41.118 habitantes em Heliópolis, em uma área de 624.215 metros quadrados. A Secretaria Municipal de Saúde e a Subprefeitura do Ipiranga dimensionavam suas ações para populações de, respectivamente, 140.000 e 180.000 pessoas. O De Olho na Quebrada, entretanto, contabilizou 200.000 pessoas vivendo numa área de 1.000.000 de metros quadrados, considerando um território traçado pelos próprios moradores a partir de critérios históricos, sociais, afetivos e culturais.

O subdimensionamento aparente dos serviços públicos para a realidade de Heliópolis foi uma das motivações dos jovens do observatório. Desde então, eles conseguiram submeter ao poder público a demanda real da favela. Sabrina apresentou ainda alguns desafios impostos pelas mudanças climáticas, como as repetidas inundações e os extremos de frio e calor. Outra vez o trabalho do De Olho na Quebrada ajudou a mapear os pontos de alagamentos, complementar as informações dispersas nos órgãos públicos e influenciar melhorias no território.

 

Ilhas de calor

O projeto sobre extremos de frio e calor e conforto térmico é uma colaboração do De Olho na Quebrada com o Núcleo Mulheres e Territórios do Laboratório Arq.Futuro e o programa Women in Tech, do Hub de Inovação e Empreendedorismo Paulo Cunha do Insper. A professora Paulina Achurra contextualizou o conhecimento atual e comentou as lacunas ainda abertas. “As ondas de frio e calor acontecem cada vez com mais frequência e são mais exacerbadas nas cidades”, diz Paulina. “Normalmente, reportam-se as médias da cidade, mas as temperaturas não são homogêneas em todos os territórios. Elas variam com as características locais.”

Os efeitos desse fenômeno, conhecido como ilha de calor, crescem ou diminuem conforme a cobertura de asfalto das ruas, a cobertura vegetal das calçadas ou os materiais de construção das casas, por exemplo. A média de temperatura da cidade, portanto, camufla a informação dos extremos e prejudica as políticas públicas voltadas para as populações mais afetadas pelas mudanças climáticas. “Para saber como é essa distribuição e onde que estão os mais afetados, a nossa pesquisa está indo para a microescala nas cidades, ou seja, nas ruas e dentro das casas”, afirma Paulina.

Algumas das ideias sugeridas nas cidades passam pelo conceito de soluções baseadas na natureza. Na opinião de Paulina, muitas das propostas foram pensadas para localidades do Hemisfério Norte e funcionam bem naqueles contextos, no entanto não são aplicáveis nos territórios do Brasil. Uma delas é a chamada regra 3-30-300 – três árvores devem ser vistas da janela de cada casa, 30% de cobertura de copas de árvores em todos os bairros e 300 metros de distância máxima entre cada residência e uma área verde pública. “Essa não é uma solução que vai funcionar em comunidades nas quais mal existe uma calçada para plantar uma árvore”, alerta Paulina.

A professora explica: “Embora faltem soluções inovadoras que incluam o verde, elas devem ser plausíveis de aplicação nas nossas cidades. E esses são os desafios das cidades do sul global. As ruas dos Jardins, em São Paulo, talvez sejam mais parecidas com as ruas de Amsterdã, na Holanda, porém não às de Heliópolis. Por isso, estamos trabalhando com colaboradores da universidade TU Delft, da Holanda, que são referências em soluções baseadas na natureza para a arquitetura e o urbanismo. O que interessa a eles é esse desafio. Se não temos resposta, temos que criá-la”.

Fechando o primeiro painel, a arquiteta e urbanista Myriam Tschiptschin mostrou soluções baseadas na natureza que têm sido implantadas principalmente na Europa. Pouco ainda é feito no Brasil. Um dos exemplos é o Parque Orla Piratininga, uma área de 680.000 metros quadrados em Niterói, no Rio de Janeiro, com jardins filtrantes que retiram impurezas das águas pluviais. “É um projeto superbonito e bem pensado, contudo numa escala gigante, que precisa de um espaço físico raramente disponível nos territórios”, observa Paulina.

 

Um caminho polarizado

Mediadora do segundo painel, a urbanista Carolina Guimarães diz que a escolha dos convidados considerou a emergência do tema da sustentabilidade, pois as mudanças climáticas já são realidade e a resiliência torna-se indispensável para a humanidade se adaptar às crises que virão, sejam econômicas, ecológicas ou sanitárias – como a pandemia de covid-19. “Focamos muito em soluções de território e adaptação climática no primeiro painel e, no segundo, buscamos entender o papel do setor privado e as conexões entre o território e a agenda ESG”, afirma Carolina.

A agenda ESG se fortaleceu em 2018 quando o empresário Larry Fink, fundador do fundo de investimentos BlackRock, escreveu uma carta sobre o tema endereçada aos CEOs de empresas (a versão em português pode ser lida aqui). Entretanto o caminho não se tornou mais fácil, pois a polarização política e ideológica deste início de século também respingou na mensagem, segundo Carolina. O programa montado pelo Laboratório apresentou o papel das empresas e a responsabilidade cada vez maior do setor privado em relação a esses impactos socioambientais.

Professora do curso de pós-graduação em Urbanismo Social do Insper, a engenheira civil e sanitarista Katia Mello expôs alguns exemplos de incorporação do território na agenda ESG corporativa de indústrias da mineração. Particularmente, o setor extrativista tem impactos diretos em territórios, fáceis de mensurar e passíveis de mitigação. Katia defende que as empresas devem respeitar todas as pessoas que fazem o território, e as populações devem dialogar e participar do seu desenvolvimento. Ela acredita que as características da indústria de mineração exigem um olhar para além dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), conjunto de metas estabelecidas para 2030 pelas Nações Unidas.

Daniela Pavan contou a experiência do Instituto Center Norte no desenvolvimento urbano da zona norte de São Paulo, especificamente na Vila Guilherme, onde se concentram os negócios do grupo empresarial Center Norte. O instituto patrocina e organiza projetos de formação profissional e geração de renda da população do entorno do centro comercial. Empregando pessoas que moram na vizinhança, o Center Norte consegue identificar as necessidades da população, além de amenizar o problema de deslocamentos em uma capital da proporção de São Paulo — quase 20% dos paulistanos vivem na zona norte, segundo uma pesquisa da Fundação Seade e do governo do estado.

Para Carolina Guimarães, o relato de Daniela aponta algumas possibilidades de conectar as iniciativas das empresas às políticas setoriais locais. “Os depoimentos dos dois painéis mostraram como o território tem muita potência, que às vezes surge da ausência de ação do Estado, e como o setor privado tem responsabilidade e pode se articular com essas diferenças, reconhecendo as peculiaridades e as sabedorias dos territórios”, finalizou Carolina.

 

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