Antes de se decidir pela carreira de economista e docente, o coordenador do Centro de Regulação e Democracia do Insper tocou viola no Grupo de Teatro do Ornitorrinco
No dia 1º de agosto de 1991, o Grupo de Teatro do Ornitorrinco, liderado pelo diretor Cacá Rosset, estreou a peça Sonho de uma noite de verão, de William Shakespeare, no Delacorte Theatre, um espaço localizado no Central Park, em Nova York. Embora a peça fosse inteiramente em português, a montagem atraiu a atenção da mídia local. Dezenas de jornalistas de diversos veículos se acotovelaram no teatro para registrar o que, na época, foi um verdadeiro escândalo: a cena de nudez da atriz Christiane Tricerri, no papel da rainha Titânia, e do séquito de fadas que a acompanhavam.
“Cacá Rosset sempre foi muito bom de marketing. Ele dizia: There’s no such thing as bad publicity (Não existe publicidade negativa)”, conta Paulo Furquim de Azevedo, professor titular do Insper, onde coordena o Centro de Regulação e Democracia (CRD). Na memorável apresentação no Central Park, Furquim participava do Ornitorrinco como um dos músicos do quarteto de cordas — ele tocava viola. A irreverente montagem da obra de Shakespeare fez muito sucesso. “Em Nova York, 22 mil pessoas foram assistir à peça no Central Park. Saiu matéria na CBS, na Fox News, no New York Times. O Cacá virou um astro”, recorda-se.
Fundado em 1978 por Cacá Rosset, Maria Alice Vergueiro e Luiz Roberto Galizia, o Grupo de Teatro do Ornitorrinco ficou conhecido por suas produções inovadoras e provocativas. Uma das características marcantes da trupe era a habilidade em fundir diferentes elementos artísticos em suas produções, incluindo a utilização de música ao vivo, coreografias elaboradas, cenários não convencionais e figurinos inventivos. Versátil, o Ornitorrinco encenou desde textos clássicos (como O doente imaginário, de Molière) até obras de vanguarda (como Mahagonny Songspiel, de Bertolt Brecht e Kurt Weill, e Ubu, de Alfred Jarry).
Furquim aprendeu a apreciar música desde criança, por influência da família. “A música sempre teve um papel importante na minha vida. Minha mãe fazia dupla com sua irmã e elas chegaram a gravar um disco”, conta. “Meu pai tinha uma mente muito aberta em termos musicais. Ele gostava de uma variedade de estilos, desde a dupla Tião Carreiro e Pardinho, que eram mestres da viola caipira, até músicas árabes e clássicos como Stravinsky.”
Quando estava no 2º grau, Furquim começou a estudar violão de maneira autodidata, como muitos jovens faziam na época. Ao iniciar o curso de graduação em Administração na Fundação Getulio Vargas, em 1983, começou também a levar a música mais a sério. “Prestei um concurso para a Escola Municipal de Música, onde não era necessário tocar nenhum instrumento, apenas fazer um teste de ouvido. Felizmente, meu ouvido era bom e acabei passando.” Sua intenção inicial era estudar violino, mas acabou sendo aconselhado a optar pela viola — por ser um instrumento maior e mais adequado ao seu tamanho.
Depois, Furquim acabou entrando no Coral do Estado, o que lhe proporcionou uma fonte de renda extra. Nessa época, em 1988, ele começou a fazer o mestrado em Economia na Universidade de São Paulo. “Diferentemente dos meus amigos, que davam aulas em faculdades para complementar suas bolsas de estudo no mestrado, eu ganhava dinheiro tocando em casamentos e outros eventos.”
E como Furquim foi parar no Ornitorrinco? Por indicação de um conhecido que tocava viola no grupo. “Era um sujeito talentoso, que tocava tanto música erudita quanto popular, mas não tinha muita paciência em tocar a mesma coisa todas as noites, o que é comum em apresentações teatrais”, conta Furquim. Em uma ocasião, esse amigo tinha um compromisso e pediu a Furquim que o substituísse numa apresentação da peça O doente imaginário. “Eu ensaiei e toquei no lugar dele. Certamente, eu não era tão talentoso como ele, mas não era complicado e achei divertido”, diz Furquim, que passou a substituir seu amigo sempre que era chamado. Depois de um tempo, esse seu amigo acabou saindo do Ornitorrinco. “Dadas as circunstâncias, foi quase natural me convidarem a participar do grupo de forma permanente.”
Furquim ficou três anos no Ornitorrinco. Só com Sonho de uma noite de verão, foram cerca de 500 apresentações em várias cidades no Brasil — como em Curitiba, onde tocou na inauguração da Ópera do Arame, em 1992. A vida artística pode parecer glamurosa para alguns, mas também exige sacrifício. Em 1993, por exemplo, Furquim sofreu a perda de um irmão. “Lembro-me de que peguei o carro e me dirigi a outra cidade, onde estava ocorrendo o velório do meu irmão. Lá encontrei meus pais e compartilhei momentos de luto. Na manhã seguinte, com poucas horas de sono, retornei para tocar em um espetáculo”, diz Furquim. “Nesse meio prevalece a cultura de que, independentemente das dificuldades pessoais, o show precisa continuar.”
Nessa época, Furquim tinha dois currículos paralelos: um de músico, outro de economista. “Como músico, eu me identificava como Paulo Furquim. Como economista, eu era Paulo F. Azevedo. Tirando a data de nascimento, eram dois currículos distintos.”
No final de 1993, Furquim acabou optando definitivamente pela carreira de economista. Ele foi aprovado em um concurso para docente na Universidade Federal de São Carlos e se mudou para o interior paulista. “Eu sempre levei muito a sério a minha carreira como músico, até me ver diante de uma encruzilhada. Mas o que me fez decidir mesmo foi que passei a gostar cada vez mais de economia”, diz Furquim, que nos anos seguintes foi visiting scholar na Universidade da Califórnia em Berkeley, em 1994, conselheiro do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), de 2006 a 2009, e visiting professor no Massachusetts Institute of Technology (MIT), em 2012. No Insper, está desde 2015.
Sua relação com a música hoje é de diletante. “Gosto de tocar em casa e com alguns amigos. E comecei a ficar um pouco mais amplo em termos de instrumentos. Aqui do meu lado há um cavaquinho, um violão, um bandolim, uma viola, um violino…”, enumera Furquim, falando de sua casa. Seu gosto musical é eclético. “Escuto de tudo. Vou de Bach a Led Zeppelin, passando por Cartola e Nelson Cavaquinho, até músicas da Mongólia e do Gabão.”