Com nove anos de existência, o projeto Mãe Coruja ajudou a reduzir a mortalidade infantil na capital pernambucana
Michele Loureiro
Compreender o impacto real de um programa social é um dos maiores desafios dos gestores públicos. A ideia de que as iniciativas são positivas para a população é incontestável, mas mensurar os avanços ajuda a celebrar resultados e, eventualmente, corrigir rotas. Por isso, duas alunas do Mestrado em Políticas Públicas do Insper, Verônica Ennes Bastos de Araújo e Thaís Azevedo dos Santos, decidiram analisar de perto o programa Mãe Coruja Recife — e verificaram que a política é eficaz.
O programa recifense tem como objetivo reduzir a mortalidade infantil e consiste no atendimento integralizado gestantes e crianças na primeira infância, até 6 anos. A aluna Verônica, pesquisadora do Insper em Lideranças Públicas e líder de projeto em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania, pela ONG Casa Flores, explica que o trabalho de análise faz parte da disciplina de Econometria e que a escolha pelo projeto foi motivada por uma análise anterior.
“O professor Ricardo Paes de Barros já tinha avaliado, em 2015, os resultados do programa Mãe Coruja Pernambucana, do qual Recife não fez parte por não ter índices de mortalidade tão elevados quanto outras cidades do estado. Esse foi um dos motivos que nos levaram a querer compreender os desdobramentos no município”, diz Verônica.
O resultado mostrou que, com base na análise das evidências, o programa teve um impacto positivo na redução da taxa de mortalidade infantil até um ano de idade. O estudo aponta que, com a intervenção do programa, a cidade conseguiu evitar mais de 3 mil mortes de crianças nessa faixa etária no período de 2014 a 2021.
Para entender as métricas usadas pelas alunas para avaliar o projeto, é necessário conhecer um pouco a iniciativa. Cláudia Soares, coordenadora municipal do programa Mãe Coruja Recife, conta que ele foi instituído em 2014, a partir da experiência do Mãe Coruja Pernambucana, em 2007. “Na época, o prefeito de Recife solicitou uma pesquisa para mapear os coeficientes de mortalidade infantil e descobrimos bairros com coeficiente de quase 25. Esses foram os locais prioritários para o início da ação”, diz Cláudia.
No início, o programa contava com cobertura em dez bairros da cidade, mas um novo estudo epidemiológico, realizado há seis anos, ajudou a redesenhar o modelo. Atualmente são vinte espaços, que fazem cobertura de 47 bairros, a metade do município. “Nosso cuidado é focado na primeira infância, mas já começa no acompanhamento da gestação. Vai do pré-natal, parto, puerpério até seis anos de idade”, afirma a coordenadora.
Segundo ela, a redução da mortalidade se dá por fatores como atenção à saúde, ajuda na formação do vínculo, mapeamento da rede de apoio, trabalho no protagonismo da mulher, qualificação profissional e geração de renda. “Acreditamos que não se muda indicador de saúde sem investir em renda, educação e sem trabalhar de forma transversal. Temos oito secretarias municipais envolvidas, com ofertas e obrigações em escalas diferentes”, diz Cláudia.
Um dos principais benefícios do programa é a distribuição de um kit para as mães que realizam ao menos sete consultas de pré-natal. “Elas recebem um conjunto de itens de higiene e enxoval e, muitas vezes, é o que aquela família tem para conseguir receber o bebê com um mínimo de dignidade”, afirma a coordenadora. Ao todo, o programa já atendeu 18 mil famílias, 14 mil crianças e distribuiu 14 mil kits.
Segundo Cláudia, apurar os resultados práticos do programa é gratificante. “Quando as alunas vieram falar com a gente, ficamos felizes, pois é importante fazer uma avaliação do impacto em relação ao coeficiente de mortalidade e as possibilidades que o programa traz para famílias. O resultado nos mostrou que a iniciativa faz diferença e que seguimos no caminho certo”, afirma. “Também estamos entusiasmados em saber que elas farão uma segunda fase de estudo, com critérios qualitativos, pois isso ajudará a definir novos investimentos e ajustes.”
Para realizar a avaliação de impacto do programa, as alunas utilizaram um histórico de dados de 17 anos e construíram um controle sintético para servir como contrafactual da unidade de observação — o município de Recife —, utilizando parâmetros de outros 94 municípios. A partir da análise dos dados secundários coletados pela base do DataSUS, da PNUD e do IBGE, foi feita a avaliação de impacto do programa sobre a taxa de mortalidade de crianças de até um ano de idade.
“A partir desse painel construído, a gente simulou uma combinação de municípios, utilizando determinados fatores, que refletiriam os padrões de Recife para criar um ‘Recife de mentira’ (controle sintético) e compreender o efeito da implementação da política pública. Observamos que Recife conseguiu se manter abaixo da taxa de mortalidade sintética esperada em todos os anos, exceto na epidemia de zika vírus. Assim, com base nessa metodologia, demonstramos que a política teve efeito na redução da mortalidade infantil na cidade”, explica Verônica.
A aluna Thaís, gerente de projetos e pesquisadora da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, dá mais detalhes sobre a pesquisa. “Não havia uma amostra de dados robusta de municípios que nos permitisse usar um método estatístico comparando grupo de controle e de tratamento da política. Então, tivemos que recorrer a um método estatístico que buscou simular o que teria acontecido com a mortalidade infantil se a cidade não implantasse o projeto. A relevância do estudo no âmbito acadêmico se dá por termos conseguido simular o impacto da política pública na taxa de mortalidade de Recife a partir do contrafactual que construímos, utilizando os dados disponíveis e um método econométrico”, afirma.
Além dos ganhos para a administração do programa Mãe Coruja Recife, Thaís afirma que o trabalho foi positivo para o desenvolvimento de sua carreira. “Sinto que houve um grande ganho em relação a nosso arcabouço teórico e prático. Aprendemos um método econométrico novo, que desconhecíamos antes, que é o controle sintético, e que pode ser bem útil para uso em avaliações de políticas públicas no futuro. Sem dúvida, o trabalho proporcionou novos conhecimentos e experiência prática para a análise de da implantação de políticas públicas em novas pesquisas”, finaliza.