A política de defesa da concorrência na economia se beneficiaria se incorporasse resultados das chamadas ciências comportamentais em seus processos decisório e organizacional. Levar em conta vieses solidamente identificados, como o do consumidor de manter seus hábitos de compra além do que seria previsto nos modelos padrão, aumentaria a eficácia das ações antitruste, segundo o professor Paulo Furquim de Azevedo, do Insper.
A economia comportamental veio se desenvolvendo e se consolidando ao longo das últimas décadas por meio de uma convergência de achados e métodos entre os ramos experimentais da psicologia, de um lado, e da ciência econômica, do outro.
Oriundos do primeiro campo, os israelenses Daniel Kahneman e Amos Tversky deram passos fundamentas nessa direção com contribuições como a Teoria da Perspectiva (1979), em que detectam uma assimetria, não prevista até então na modelagem padrão utilizada pelos economistas, na maneira como as pessoas tomam decisões em situações de risco. Grosso modo, elas costumam atribuir maior peso a uma perda do que a um ganho de mesmo valor.
Dos departamentos de economia vieram pesquisadores como o americano Richard Thaler, que aprofundou o estudo das inconsistências — que ele chamou de anomalias numa série clássica de artigos — entre os pressupostos altamente racionalistas dos modelos econômicos e o modo como as pessoas se comportavam concretamente, frequentemente em experimentos. Kahneman, em 2002, e Thaler, em 2017, receberam o Nobel de Economia.
Para Furquim, o que justifica a incorporação de alguns resultados consolidados da economia comportamental nas políticas de defesa da concorrência é o fato de os modelos estabelecidos, calcados em paradigmas de plena racionalidade dos agentes, não darem conta de predizer como se comportam consumidores e empresas e, portanto, falharem em suas previsões. Frequentemente subestimam, por exemplo, o efeito de uma grande fusão sobre os preços.
O pesquisador do Insper ressalta a utilidade potencial de levar-se em conta o viés do status quo nas análises concorrenciais. Trata-se da tendência de consumidores e investidores de manter os seus hábitos de compra e poupança mesmo diante de estímulos objetivos para experimentar um concorrente.
Também a propensão à cooperação, observada em modelos da economia comportamental, tem implicações sobre a ocorrência de cartéis, podendo informar melhor investigações e ações voltadas a coibir essa prática.
Outro aspecto que Paulo Furquim sugere que seja observado pelas autoridades de defesa da concorrência é o poder de grandes conglomerados, com acesso a uma massa gigantesca de dados sobre consumidores e elevada capacidade de processá-los, de manipular os vieses cognitivos de sua clientela numa direção anticompetitiva.
As próprias organizações de defesa da concorrência se aperfeiçoariam, argumenta o pesquisador, se adotassem recomendações derivadas da economia comportamental, tais como separar as esferas de investigação e de julgamento e estruturar a relação com os setores administrados pelas agências de modo a restringir o escopo para arbitrariedades nas decisões.
Leia o estudo:
“Economia Comportamental e Antitruste: Deu Match?”