Essa foi uma das conclusões dos participantes do evento que discutiu no Insper os “Cenários Político, Econômico e do Agro Pós-Eleições”
Tiago Cordeiro
Com o início da transição entre gestões no governo federal e o redesenho do Congresso Nacional, é hora de avaliar com rigor o momento político e econômico, nacional e global. O contexto é desafiador. Algumas reformas permanecem urgentes, enquanto o Brasil se vê diante de uma grave crise fiscal, ao mesmo tempo que o mundo enfrenta a maior pressão inflacionária dos últimos 40 anos. Este cenário impacta o agronegócio, mas o setor deve manter sua relevância na formação do PIB, no comércio internacional e nas pautas que desafiam as nações desenvolvidas.
Essas foram as principais constatações apresentadas durante o seminário Cenários Político, Econômico e do Agro Pós-Eleições, uma realização do Insper Agro Global e do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri). Foi o quarto evento realizado em 2022 pela parceria. Os debates anteriores abordaram a geopolítica e o comércio internacional, as políticas públicas para o agro e a relação entre o agro e o meio ambiente.
Realizado em formato híbrido, o evento, que está disponível na íntegra no canal do Insper no YouTube, contou com a presença de Arnaldo Jardim, deputado federal e ex-secretário de Agricultura e Abastecimento de São Paulo; Fernando Schüler, cientista político e professor do Insper; Maílson da Nóbrega, economista e ex-ministro da Fazenda; Marcos Jank, coordenador do Insper Agro Global e do Núcleo Agro do Cebri; e Tânia Zanella, superintendente da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB). A moderação ficou a cargo de Suelen Farias e Ivan Wedekin, apresentadores do talk show “A Voz do Mercado”, do Portal Agrolink.
“O próximo quadriênio de governo será o mais desafiador desde o Plano Real. Há pouca coisa favorável, com um cenário internacional ruim para o Brasil e o risco de uma crise fiscal muito séria”, afirmou Maílson da Nóbrega. No cenário global, segundo o ex-ministro, o momento se caracteriza por mudanças importantes. “Há um questionamento sobre o quanto a cadeia mundial de suprimento precisa ser tão longa, com um pedaço na China ou na Índia. Essa cadeia foi rompida com a pandemia, o que gerou uma mudança no paradigma”, disse. “Agora teremos uma redução do ritmo de globalização, sobretudo depois do ressurgimento do risco político, com a guerra na Ucrânia e a ameaça de invasão de Taiwan”, lembrou Maílson. “Tudo isso vai nos legar um mundo menos eficiente, que significa preços mais altos, juros mais altos, dinamismo econômico menor. E isso afeta o Brasil, do ponto de vista de comércio exterior e de atração de investimentos.”
No campo doméstico, Maílson destacou dois desafios. O primeiro é o da produtividade. “O Brasil se tornou prisioneiro da armadilha do baixo crescimento. Estamos crescendo 1,5% a 2% ao ano e não vai passar disso nos próximos quatro anos, a não ser que a gente erre muito, cresça demais e depois despenque.” O segundo desafio é a crise fiscal, que Maílson considera a mais séria dos últimos tempos. “O mais grave no campo fiscal é a rigidez orçamentária e o fracasso do teto de gastos, um freio que deveria ter levado a sociedade a repensar e discutir suas prioridades. Mas não houve essa discussão e continuamos com o mesmo problema.”
Para Fernando Schüler, o Brasil precisa de reformas estruturais, ou “cortar na carne”, para dar sustentabilidade à regra do teto dos gastos. “Se não fizermos isso, ficaremos com a síndrome das PECs. O primeiro ato da transição é uma PEC para dar mais uma furada no teto dos gastos”, disse Schüler, referindo-se ao plano da equipe de transição de apresentar uma proposta de emenda constitucional que abra espaço na lei orçamentária para possibilitar o pagamento de um benefício de 600 reais do programa Auxílio Brasil em 2023.
“E ninguém tem muito do que reclamar, porque o governo passado fez isso, o governo que está entrando vai fazer e nós continuaremos com o mesmo problema. O medo é que o país entre de novo em expansão do gasto público, sem sustentabilidade”, disse o professor do Insper. “A solução que o sistema político oferece é a pior de todas, que é mais uma PEC, jogando o problema para aquele grupo que tem o menor lobby em Brasília — as futuras gerações, que não nasceram ainda.”
Já o deputado federal Arnaldo Jardim se mostrou otimista com o cenário político, enxergando uma tendência, no novo governo, de buscar caminhos de consenso. “Chega de gladiadores, é horas dos construtores. Passamos bem por esse processo dolorido que foram as eleições”, afirmou Jardim. Ele apontou avanços na Legislatura que está se encerrando. “Recentemente, o Congresso aprovou o pagamento dos serviços ambientais, o Fundo de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagro), uma nova lei de cooperativismo de crédito. São alguns exemplos de projetos nos quais conseguimos construir um grande consenso.”
Jardim avalia que um bom ponto de largada na nova Legislatura seria a aprovação da PEC 45, que busca simplificar o sistema tributário brasileiro. Sobre o contexto internacional, embora a alta dos juros tenda a causar uma migração dos capitais das economias emergentes para os países ricos, o parlamentar também se mostrou otimista. “O Brasil tem desafios, mas se der sinais de estabilidade institucional — e já deu —, o país pode ser atrativo para investimentos.”
Nesse cenário desafiador, o agronegócio permanece resiliente — e relevante, inclusive para as pautas que estão na agenda de curto e médio prazo das maiores economias do planeta. “O Brasil tem um agronegócio campeão, mineração líder, indústria complexa, um sistema financeiro sólido e bem capitalizado. Tem sete das dez maiores universidades da América Latina, sete unicórnios, empresas nacionais de classe mundial”, destacou Maílson.
Como lembrou Tânia Zanella, o agro é responsável por 27,6% do PIB, movimenta 2,4 trilhões de reais e emprega quase 18 milhões de pessoas. “O setor agropecuário precisa ter o protagonismo que merece. Por isso a OCB participa ativamente das comissões e câmaras temáticas que produzem as leis e as políticas públicas mais relevantes, como o Plano Agrícola e Pecuário”, disse Tânia. Segundo ela, 47% das políticas públicas que são implementadas no país nascem dentro desses fóruns. “É muito importante que a sociedade civil organizada esteja presente para discutir a pauta do setor nesses fóruns. E acredito que isso não vai mudar com o novo governo.”
As gestões anteriores do PT se caracterizaram por forte defesa da agricultura familiar. Para Tânia, não há conflito entre esse tipo de agricultura e o moderno agronegócio. “Hoje temos no país 1.200 cooperativas agrícolas, com mais de 1 milhão de cooperados, dos quais 71% são pequenos agricultores. Temos cooperativas como a Coamo, que fatura bilhões de reais e tem exportação significativa, e cuja maioria dos associados são agricultores de perfil familiar”, disse Tânia. “Com certeza, o cooperativismo pode e deve continuar como uma ferramenta de inclusão do pequeno agricultor no mercado.”
Por sua vez, Marcos Jank destacou o grande avanço do agronegócio brasileiro nos últimos anos, em função de fatores como a pandemia, a guerra na Ucrânia e problemas climáticos em muitos países. “O Brasil mostrou uma capacidade de resposta muito grande. Exportamos 100 bilhões de dólares em 2020, 120 bilhões no ano passado e vamos chegar a 145 bilhões neste ano. E essa demanda vai continuar firme nos próximos anos, com destaque para commodities tradicionais, como soja, milho e carne.”
Para Jank, um ponto de atenção é o risco do retorno de “ideias infelizes”. “A mais infeliz de todas seria taxar as exportações agrícolas para ajudar na questão fiscal. Temos o exemplo de um país vizinho que fez isso e destruiu a agricultura. Essa é uma pauta mundial. Depois da pandemia, mais de 25 países adotaram taxações e restrições às importações.” Mas Jank lembrou: “Os grandes avanços que a agricultura fez nos últimos 40 anos no Brasil foram exatamente quando o governo diminuiu suas intervenções. A volta da regulação e do controle do setor seria um desastre.”
Por outro lado, Jank avalia que o novo governo vai fazer um esforço para reduzir o desmatamento ilegal, como fez nas gestões anteriores do PT. “O mundo vilaniza o Brasil por causa de desmatamento, que é ilegal em 95% dos casos.” A COP27, a conferência do clima que acontece no Egito de 6 a 18 de novembro, deverá contar com a presença do presidente eleito e pode ser uma oportunidade para o país se reposicionar globalmente. “Temos uma chance de colocar o debate em outro nível. Podemos falar de clima não só pelo lado negativo do desmatamento, mas também pelo lado positivo dos mercados de carbono”, disse Jank. “Além da questão climática, somos líderes em outras duas pautas relevantes em termos globais: a segurança alimentar e a segurança energética, com o uso de fontes renováveis.”