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Como o Nobel de Física abre caminhos para a computação quântica

Os laureados de 2022 mostram que é possível controlar o emaranhamento das partículas da matéria mesmo sem conhecer uma explicação sobre o seu funcionamento, diz o professor Luciano Silva

Os laureados de 2022 mostram que é possível controlar o emaranhamento das partículas da matéria mesmo sem conhecer uma explicação sobre o seu funcionamento, diz o professor Luciano Silva

 

Leandro Steiw

 

Os três cientistas recentemente anunciados como vencedores do Prêmio Nobel de Física de 2022 demonstraram que a tecnologia avança em direção à física quântica. O americano John Clauser, o francês Alain Aspect e o austríaco Anton Zeilinger não apresentaram uma nova explicação a respeito da interação das partículas subatômicas, que há mais de um século desafia os físicos teóricos. Mas os experimentos realizados por eles nos últimos 50 anos provam que o emaranhamento quântico pode ser controlado e utilizado em computadores e serviços de comunicação.

Os estudos dos pesquisadores laureados pela Academia Real das Ciências da Suécia envolvem fótons emaranhados. “Os resultados abrem novos caminhos para tecnologias que são baseadas na física quântica e também criam possibilidades teóricas para esse campo de estudo”, diz Luciano Silva, professor da disciplina Introduction to Quantum Computing, ministrada em inglês e oferecida pelo Insper a alunos do Brasil e do exterior.

Cada partícula elementar da matéria tem uma antipartícula simétrica à qual está ligada num par. O elétron, por exemplo, está emaranhado a um pósitron. “Você pode colocar esse par de partículas num estado que não pode ser descrito em função de cada partícula separada, que é o chamado emaranhamento”, explica Silva. O equivalente em computação clássica, das máquinas que usamos no dia a dia, é o código binário, no qual uma informação é representada pelo bit 0 ou 1. Na computação quântica, um quantum bit representa duas informações, podendo ser 0 e 1 simultaneamente.

Segundo Silva, o emaranhamento é um estado tão estranho, mesmo para os padrões da mecânica quântica, que ainda não há uma teoria que explique como ele ocorre. “A grande contribuição desses três físicos foi mostrar que esse emaranhamento existe e que essa estranheza pode ser usada, independentemente de uma teoria definitiva”, diz o professor. Foi a justificativa da academia para conceder o prêmio a Clauser, Aspect e Zeilinger: “o pioneirismo na ciência da informação quântica”.

A insuficiência teórica é capaz de produzir conjecturas fascinantes. Uma delas é o Paradoxo ER=EPR, proposto em 2013 pelo físico Leonard Susskind, professor da Universidade Stanford, nos Estados Unidos. “É uma teoria muito bonita, que diz que para se formar um emaranhamento entre duas partículas, mesmo a distâncias infinitas, é necessário haver um buraco de minhoca entre elas”, afirma Silva.

Do ponto de vista cosmológico, os buracos de minhocas são túneis hipotéticos entre um buraco negro e seu extremo, o buraco branco, localizado em algum lugar distante do universo — uma figura explorada em filmes de ficção como Stargate (1994), Contato (1997) e Interestelar (2014). Sugeridos pelos físicos Albert Einstein e Nathan Rosen, em 1935, ficaram conhecidos por pontes ER, das iniciais dos sobrenomes. No mesmo ano, o também físico Boris Podolsky juntou-se aos dois no artigo sobre o emaranhamento das partículas, originando a expressão “par EPR”. Para Leonard Susskind, existe uma possibilidade matemática de que as partículas se conectem por meio de buracos de minhoca, portanto ER=EPR.

Por que essa teoria é interessante? “Porque a principal estranheza da formação do par EPR é que esses pares podem agir simultaneamente: havendo um elétron e um pósitron emaranhados, mesmo que a uma distância relativamente grande — digamos, infinita —, se você mexe um pouquinho no elétron, a antipartícula pósitron mexe-se na mesma frequência”, diz Silva. “O problema é que a única possibilidade de ter essa ação de uma partícula influenciando a outra é alguma coisa próxima da velocidade da luz, ou seja, cerca de 300 milhões de quilômetros por segundo. Em distâncias tendendo ao infinito, um buraco de minhoca aproximaria de uma forma geométrica esses dois lugares.”

 

Começo promissor

O emaranhamento quântico é a base da denominada internet quântica, uma rede de comunicação entre determinados pontos da web por meio de pares EPR. Atualmente, as informações entre o Brasil e a China, por exemplo, podem ser enviadas por cabos submarinos que ligam os continentes ou por canais de satélite. “Só que isso leva certo tempo, então, acontece um atraso de comunicação, mesmo quando se utiliza um meio sem fio”, afirma Silva. “Com pares EPR entre os continentes, a comunicação seria, teoricamente, instantânea.”

Como os três novos prêmios Nobel demonstraram, o domínio sobre esses pares é possível. E pesquisadores da Universidade de Tsinghua, na China, têm obtido sucesso na comunicação quântica segura direta, identificada como protocolo QSDC. Eles já transmitiram informação a uma distância de 102,2 quilômetros, um passo importante para a aplicação futura em comunicação por fibra.

As perspectivas desses experimentos com pares EPR são promissoras. Imagine uma agência de banco em São Paulo que precisa enviar uma informação instantânea e segura a outra agência em Pequim. “Mesmo que, no meio do caminho, um hacker capture esse dado, ele não poderia desemaranhar esse estado”, diz Silva. “Na mecânica quântica, conforme o teorema da não clonagem, o hacker não conseguiria fazer uma cópia desse estado emaranhado para realizar uma análise. E, mesmo que por alguma mágica conseguisse fazer isso, ele não quebraria esse estado em estados mais simples. Isso cria uma segurança bastante grande em termos de comunicação.”

Algoritmos de criptografia quântica, como o BB84 e o B92, são baseados em emaranhamento e considerados seguros. O algoritmo de Shor, inclusive, pode violar algumas criptografias clássicas, como a RSA, adotada comumente em transações na internet. “Porém não se conhece ainda até o momento, o que não significa que não existam, técnicas de hackers baseadas em criptografia quântica para quebrar esquemas quânticos”, afirma o professor.

Além da comunicação instantânea, segura e a longa distância, outra contribuição da tecnologia emergente são os algoritmos quânticos com maior velocidade de processamento. “É por isso que o Nobel deste ano foi muito merecido, porque Clauser, Aspect e Zeilinger mostraram que é possível usar o emaranhamento de partículas de forma controlada com implicações enormes em informação quântica e computação quântica”, diz Silva.

Para os estudantes da disciplina Introduction to Quantum Computing, as promessas da era quântica não são novidade. Nos cursos de Engenharia de Computação e Ciência da Computação, pratica-se com máquinas virtuais e reais de computação quântica. Uma das atividades, por exemplo, é construir algoritmos na máquina quântica da IBM, acessível por meio de navegadores da internet.


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