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Aluno de Engenharia Mecatrônica relata seu projeto feito durante intercâmbio na Alemanha

O estudante Enrico Aloisi Nardi desenvolveu o Projeto Final de Engenharia sobre mobilidade, conectividade e segurança veicular

O estudante Enrico Aloisi Nardi desenvolveu o Projeto Final de Engenharia sobre mobilidade, conectividade e segurança veicular

 

Enrico Aloisi Nardi

 

Em outubro de 2021, durante meu primeiro semestre de intercâmbio na THI (Technische Hochschule Ingolstadt), na Alemanha, me candidatei a uma vaga de trabalho temporário no centro de pesquisa Carissma (Center of Automotive Research on Integrated Safety Systems and Measurement Area). No dia da entrevista para a vaga, os professores me perguntaram se eu não gostaria de escrever ali meu trabalho de conclusão de curso (TCC), pois seria mais interessante para eles ter um aluno realizando um trabalho de longo prazo dentro do laboratório. Foi assim que começou o primeiro Projeto Final de Engenharia (PFE) no Insper executado durante um intercâmbio.

 

Car2X: o que é e como funciona?

A tecnologia com a qual optei por trabalhar no meu PFE foi a Car2X, devido ao seu grande potencial para evitar acidentes de trânsito e salvar vidas. A Car2X é um conceito amplo que se refere à comunicação sem fio entre veículos e diversos outros pares (representados pelo X em seu nome). Exemplos desses pares são a infraestrutura de ruas e estradas (semáforos, pedágios, placas e elementos de sinalização, carros de apoio das concessionárias das estradas), pedestres ou ciclistas e seus smartphones, incluindo também outros veículos (carros, caminhões, ambulâncias e motos). Essa comunicação se dá por meio do 5G ou do protocolo 802.11p (uma versão da wifi que temos em nossas casas otimizada para o ambiente automotivo).

Independentemente do protocolo escolhido, as mensagens transmitidas são padronizadas por consórcios internacionais com base nas necessidades estabelecidas pelo mercado, definidas a partir de pesquisas elaboradas com empresas, universidades e membros da sociedade. Para ilustrar o funcionamento da tecnologia, trago aqui três exemplos:

  • Imagine que você esteja dirigindo na estrada em uma noite chuvosa ou com muita neblina. Seria difícil, tanto para você quanto para os sensores do seu veículo, ver outros carros nitidamente nessa situação. Com Car2X, entretanto, atributos como sua velocidade, as coordenadas da sua posição e sua aceleração estão sendo constantemente compartilhados com todos os equipamentos passíveis de receber informações por meio de um dos protocolos mencionados.
  • Imagine que você queira ultrapassar um caminhão na estrada, mas não sabe se é seguro realizar essa manobra por falta de visibilidade. No futuro, seu veículo será capaz de compartilhar a intenção de realizar a manobra e o caminhão à sua frente será capaz de transmitir para seu veículo informações a respeito do que os seus sensores estão identificando e dirá se é seguro ou não realizar a manobra.
  • Imagine um cruzamento inteligente capaz de monitorar todos os carros que circulam nas ruas que chegam nele. Nesse cenário, a fim de evitar colisões, congestionamentos e gastos desnecessários de combustível, o semáforo poderá instruir cada veículo sobre a velocidade que deve manter para garantir um bom fluxo do trânsito.

Note um problema em comum nesses casos: considerou-se que todos os veículos envolvidos possuem módulos de comunicação Car2X, o que ainda está longe de ser uma realidade. Entretanto, atualmente, os estudos levam em consideração diferentes “profundidades” de inserção da tecnologia.

 

Tecnologia Car2X
Exemplo de uso da tecnologia Car2X (Fonte: IPG Automotive)

 

Motivação da tecnologia

Na década de 1990, iniciou-se na Suécia um movimento chamado Vision Zero, que buscava reduzir a zero as fatalidades e lesões graves no trânsito. Esse movimento foi uma mudança no paradigma de como a segurança é vista no trânsito e no meio automotivo, uma vez que ele reestruturou a relação entre agências reguladoras, governos, indústrias e centros de pesquisa. Hoje em dia, ele está presente em todo o território europeu (e em algumas cidades americanas) e serve como base para o desenvolvimento de todas as tecnologias que tangenciam a segurança automotiva. (Mais sobre a iniciativa pode ser lido do site Vision Zero Network.)

Sendo o Vision Zero a base geral para o desenvolvimento de tecnologias voltadas para a segurança automotiva, ele era um dos panos de fundo para o trabalho de desenvolvimento de sistemas automotivos autônomos. Embora hoje as informações recebidas via Car2X apareçam como avisos no módulo de multimídia do veículo, no futuro essas mensagens serão recebidas e interpretadas pelos algoritmos de tomadas de decisão dos veículos para complementar as informações já obtidas pelos sensores existentes nos veículos, como câmeras, radares, LIDARs (Light detection and ranging) e sensores ultrassônicos.

 

Contribuição dentro do C-ISAFE

No laboratório onde desenvolvi meu trabalho dentro do Carissma, o Institute of Safety in Future Mobility (C-ISAFE), as pesquisas estavam voltadas principalmente às tecnologias de percepção ambiental e segurança integrada (que abrange elementos de segurança antes e durante uma colisão veicular), porém pouco se conhecia sobre Car2X. Dessa forma, minha contribuição com esse laboratório em específico foi levar o conhecimento sobre Car2X para os pesquisadores de lá, começar a trabalhar com simulações do tráfego de veículos na plataforma SUMO e elaborar um plano de trabalho para os alunos que eventualmente se dediquem ao tema no futuro.

 

Por que “tirar o motorista da jogada”?

Segundo um levantamento feito pelo Departamento de Estatística da Alemanha, 88% dos acidentes em estradas são causados por motoristas que tomam decisões equivocadas. Diante dessa estatística, retirar o motorista do cenário da mobilidade é uma decisão óbvia, porém sua execução é muito mais difícil do que parece.

Um estudo elaborado pelo 5GAA (consórcio de empresas, universidades e outras organizações dos setores automotivo, de tecnologia e de telecomunicações) indicou que podem ser salvas entre 29 mil e 59 mil vidas entre 2018 e 2040 na Europa para cenários de baixa e alta penetração da tecnologia de comunicação 5G no mercado (a projeção é de 20 mil a 39 mil vidas nas mesmas condições para a tecnologia de comunicação 802.11p). No que diz respeito às lesões graves evitadas, esses números ficam entre 275 mil e 660 mil para a tecnologia 5G e entre 180 mil e 360 mil para o 802.11p no mesmo intervalo de análise.

(Se você se interessou pelo tema e gostaria de conhecer um pouco mais a respeito, bons pontos de partida para pesquisa são o site do 5GAA e do C2C-CC.)

 

Perspectivas de implementação no Brasil

Até o momento da escrita deste texto, não foram encontradas menções oficiais (no site da Anatel, por exemplo) à implementação de sistemas Car2X no Brasil, ou então à exportação de carros capazes de se comunicar para o Brasil ou para outros países fora de onde ocorre o desenvolvimento dessas tecnologias (como China, Estados Unidos, Japão e Alemanha).

Em termos acadêmicos, existem algumas publicações no âmbito da comunicação interveicular, mas nenhuma menciona a implementação dos sistemas Car2X. De modo geral, a maior parte dessas publicações se debruça sobre o aspecto de redes da tecnologia, apresentando, por exemplo, uma revisão de todos os simuladores de redes interveiculares existentes (J. S. Weber, M. Neves, and T. Ferreto, “Vanet simulators: an updated review,” Journal of the Brazilian Computer Society, vol. 27, no. 8, 2021).

Pela minha análise, a falta de incentivo governamental no Brasil voltado à segurança veicular ou à criação de programas com metas claras (como é o caso do Vision Zero), aliada à falta de investimentos em infraestrutura de telecomunicação nas estradas, influencia diretamente o baixo interesse da comunidade e a disseminação dessas tecnologias. Outro exemplo de como a iniciativa governamental é capaz de impulsionar tal desenvolvimento é a inclusão do Car2X como um dos critérios de avaliação do EuroNCAP (programa europeu que pontua carros com base em critérios de segurança) a partir de 2025. Como não vemos esse tipo de iniciativa no Brasil, talvez demore até que as montadoras comecem a levar em consideração a inclusão desses sistemas em seus veículos no mercado brasileiro.

 

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