No dia 3 de setembro, o Insper recebeu o americano Kent Beck, uma das figuras mais influentes na história das metodologias ágeis e engenharia de software. Ele fez uma participação na aula de Projeto Ágil do Curso de Ciência da Computação, a convite da professora Graziela Tonin. Criador de abordagens como a Programação Extrema (XP) e o Test-Driven Development (TDD), Beck é uma figura-chave na transformação do desenvolvimento de software ao redor do mundo. Além de ser um dos 17 signatários originais do Manifesto Ágil, assinado em 2001, é um palestrante renomado e autor de diversos livros que exploram novas formas de colaboração e eficiência no desenvolvimento de software.
Formado pela Universidade do Estado do Oregon, onde obteve bacharelado e mestrado em Ciências da Computação, Beck sempre defendeu que o desenvolvimento de software vai muito além de código bem escrito. Em sua palestra no Insper, ele abordou a importância de eliminar o medo nas equipes de desenvolvimento, conceito que está no cerne do TDDXP. Beck acredita que um produto da cultura do medo são times programadores que trabalham sob tensão, tendem a ser hesitantes, pouco comunicativos e avessos a críticas construtivas. Ao adotar práticas como o TDD, ele argumenta, é possível criar um ambiente em que os programadores se sintam mais seguros, melhorando não apenas a qualidade do código, mas também a comunicação e o trabalho em equipe.
Logo no início da palestra, Beck chamou a atenção para um ponto que marcou sua trajetória profissional: a percepção de que emoções são dados preciosos que devem ser interpretados e usados para tomar decisões. Ele contou que, ao longo da sua carreira, descobriu que o sucesso de um projeto não depende apenas de habilidades técnicas, mas também da capacidade de lidar com emoções e relacionamentos. “Emoções são informações”, disse Beck. “E são informações valiosas. Você precisa aprender a lê-las.”
Esse aspecto emocional, segundo Beck, é muitas vezes negligenciado no ambiente de desenvolvimento de software, onde prevalece uma visão reducionista, que tenta transformar o trabalho criativo em meras métricas e números. “Muitas pessoas querem reduzir o desenvolvimento de software a números. É algo que você pode gerenciar com uma planilha. Mas isso é ridículo”, afirmou Beck, ressaltando que as interações humanas são parte integrante do processo e não podem ser ignoradas.
Uma das experiências pessoais compartilhadas por Beck foi sua relação com a programação na juventude, quando ele acreditava que o domínio do computador era a chave para o sucesso. “Meu computador sempre me amava”, ele relembrou, explicando que, enquanto as interações com os adultos ao seu redor eram frustrantes, o computador lhe oferecia um espaço onde ele tinha total controle. Por anos, ele acreditou que dominar a máquina seria sinônimo de sucesso. Com o tempo, porém, Beck percebeu que programar bem era apenas parte da equação. “Eu poderia ser um programador ruim o suficiente para que meus projetos falhassem, mas nunca seria bom o suficiente para que meus projetos tivessem sucesso sem boas relações humanas”, observou.
Outro ponto abordado em sua palestra foi a importância da agilidade como um conceito que vai além das técnicas e ferramentas. Para Beck, a agilidade está intimamente ligada à forma como lidamos com nossas emoções e interagimos com as outras pessoas. Ele acredita que o sucesso de projetos ágeis está diretamente relacionado à capacidade dos desenvolvedores de colaborarem efetivamente, entenderem uns aos outros e ajustarem seus processos com base em feedback contínuo.
Ao discutir o impacto das inovações tecnológicas, Beck refletiu sobre o papel da inteligência artificial (IA) e como essa tecnologia está moldando o futuro da programação. Ele mencionou o Paradoxo de Jevons, que explica como o aumento da eficiência de uma tecnologia tende a gerar maior demanda por ela, em vez de reduzir sua utilização. “Há essa teoria de que a IA vai substituir todos os programadores. Mas, se olharmos para a história das inovações tecnológicas, quanto mais eficientes nos tornamos, mais demandas surgem. Na programação, a situação é similar: mesmo com o avanço da IA, os programadores continuarão sendo indispensáveis, especialmente em tarefas criativas e de resolução de problemas.
Beck também ofereceu conselhos práticos para os jovens desenvolvedores que assistiam à palestra, incentivando-os a serem ousados em suas experimentações. “Experimente ideias estúpidas”, sugeriu ele, explicando que as inovações mais valiosas frequentemente surgem de tentativas arriscadas que a maioria das pessoas evita. Segundo Beck, a inovação não vem de seguir padrões estabelecidos, mas de explorar novas possibilidades, mesmo que inicialmente pareçam inviáveis. “Se você tem ideias estúpidas e elas são baratas, experimente. Porque, se não for uma ideia estúpida, alguém já pensou nela.”
Outro ponto que Beck fez questão de enfatizar foi a necessidade de criar ambientes organizacionais que promovam a inovação e o aprendizado contínuo. Ele criticou as estruturas hierárquicas rígidas que impedem o feedback aberto e genuíno entre equipes e líderes, sugerindo que isso impede o desenvolvimento ágil. “O desenvolvimento ágil é sobre responder em tempo real, ajustando-se ao feedback que você recebe. Se a sua organização não apoia isso, então vocês não estão realmente fazendo ágil”, disse.
Por fim, Beck concluiu sua palestra com uma mensagem inspiradora, destacando a importância de encontrar um equilíbrio entre habilidades técnicas e relacionamentos interpessoais. “Você ainda tem que escrever código, e o código tem que funcionar. A habilidade técnica é valiosa. Mas o que limita o sucesso de um programador não é apenas sua habilidade técnica — é sua capacidade de interagir com outras pessoas, de entender e ser entendido.”