Este é um dos assuntos que o Nobel de Economia Robert C. Merton tem estudado com mais profundidade e que detalhou em entrevista ao Insper
David A. Cohen
Quando se fala que um senhor de 80 anos está pensando em aposentadoria, ninguém se surpreende. A reação natural é achar que ele está é muito atrasado em suas considerações. Mas Robert C. Merton não está planejando parar de trabalhar. A aposentadoria a que ele se refere é a sua — tanto do ponto de vista individual quanto de todo o sistema previdenciário.
Em entrevista concedida ao Insper no último dia 4 de junho, quando foi a estrela da comemoração de 20 anos do programa de Mestrado Profissional em Economia, o prêmio Nobel de Economia de 1997 falou sobre como construir um bom sistema de pensões; a influência do pai, o brilhante sociólogo Robert K. Merton; os ganhos (e os riscos) das inovações financeiras; e as vantagens da profissão de economista financeiro. A seguir, os principais trechos:
O Brasil aprovou uma reforma previdenciária em 2019 e já se fala na necessidade de outra, daqui a poucos anos. Mas o sistema individualizado implantado no Chile, em que cada um é responsável por sua própria poupança, também enfrenta problemas. Com as pessoas vivendo mais e os gastos crescentes dos governos mundo afora, há solução para os sistemas de pensão?
Há solução, sim, acredito nisso absolutamente. O que você descreve para o Brasil acontece em todo lugar: eles fazem alguma correção e em pouco tempo precisam corrigir de novo — o que significa que há algo errado, os governos não deviam ter que fazer tantas correções em tão pouco tempo.
A resposta, na minha opinião, é que não há uma solução. Você tem que fazer muitas coisas juntas para construir um sistema de pensão seguro, sustentável e eficiente. Eu tenho seis elementos para isso:
⇒ 1. manter o sistema usual de segurança social em boa forma. Devemos tentar que ele funcione da melhor maneira que pudermos.
Mas também reconhecer que, por diversas razões, ele não é suficiente para, sozinho, cobrir as necessidades de aposentadoria.
Portanto, faça-o bem, mas faça-o funcionar de modo sustentável. Não tente fazer truques para que ele resolva todos os problemas.
⇒2. o segundo componente, às vezes chamado de pilar número 2, é criar um sistema individual, como o sistema chileno, como o 401k nos Estados Unidos, como o sistema de contribuições que acabou de ser implementado na China — eles estão fazendo um segundo sistema porque o enorme sistema de aposentadoria deles não vai ser capaz de dar conta de tudo.
Portanto, os dois juntos, em vez de um ou outro.
⇒3. Você precisa de um instrumento financeiro pelo qual os indivíduos podem comprar eles mesmos, para poupar, não parte de um sistema de aposentadoria, simplesmente para poupar para a aposentadoria. Em especial para o pessoal que não está no mercado formal.
Então, monte um bom esquema de poupança para que qualquer um possa usar.
O Brasil montou uma inovação assim, o RendA+, colocado no mercado há cerca de 15 meses. Embora ainda possa ser bastante melhorado, ele é exatamente o tipo de instrumento capaz de complementar — não substituir — o sistema de pensões. É um terceiro elemento.
⇒4. Uma vez que nós nos aposentemos, teremos um acúmulo de capital: nossa pensão, nossa poupança, nosso sistema individual, o que quer que seja, nós precisamos ter segurança de que as pessoas possam extrair o máximo de valor do capital acumulado. O instrumento prático que pode de fato tornar isso uma realidade é uma anuidade para o resto da vida, que as pessoas possam comprar. Elas vão receber uma mensalidade durante todo o tempo que precisarem, em troca de abrir mão do que tiverem quando não precisarem mais (morte). Me parece um bom negócio, dinheiro enquanto você precisa dele.
A outra é extração de patrimônio. Se a pessoa tem uma casa, por exemplo, pode capitalizar parte dela ou ela toda em troca de dinheiro extra para a aposentadoria.
⇒ 5. Só há três modos de melhorar a sua aposentadoria: poupar mais durante a vida, trabalhar por mais tempo ou tomar mais riscos. Todas as três têm seus lados ruins. Mas a segunda tem um problema extra. Muitas vezes se recomenda que as pessoas trabalhem mais, no entanto o mercado de trabalho as expulsa. Uma solução seria criar um banco de trabalhos nacional… mas não quaisquer trabalhos. Funções reais, moldadas para a capacidade dos mais velhos. Aproveitar o fato de que eles têm mais experiência, de que não estão tentando construir carreiras, de que talvez sejam mais tranquilos. Aproveite que eles não precisam de treinamento — que consome muito recurso dos empregadores.
Se esse banco for implementado, haverá dois efeitos:
=a) uma vez que exista a alternativa de trabalhar por mais tempo, as pessoas podem encaixar isso no seu planejamento.
b) você aumenta a quantidade de gente produtiva, que está trabalhando para si mesma, mas também para a sociedade, porque cria mais renda, exerce atividades que contribuem para o PIB, realiza trabalhos que precisam ser feitos.
⇒6. Finalmente, o último pilar é nos tornarmos um pouco mais inovadores em relação ao sistema previdenciário como um todo. Uma opção é considerar que os sistemas são também um recurso para outras necessidades além da aposentadoria. É preciso ter um pouco de cuidado em relação à implementação disso, para não ameaçar o sistema, mas se alguém passa por um período difícil deve ser capaz de equilibrar suas expectativas de aposentadoria, tirar um pouco da poupança para usar numa emergência.
Isso tem uma vantagem adicional. As pessoas costumam pensar muito antes de colocar seu dinheiro num recurso ao qual não terão acesso durante muitos anos. Aí acabam colocando nos planos de aposentadoria menos dinheiro do que poderiam. Se houver a possibilidade de retirar recursos em caso de necessidade, podem contribuir mais.
Esses seis pilares, bem executados, dariam conta do sistema de pensões. A boa implementação é crucial, porque uma boa ideia, mal executada, não serve para muita coisa. Mas uma boa ideia sempre pode ter sua execução melhorada. Uma má ideia, não há nada que você possa fazer.
Seu pai foi também um acadêmico brilhante, na sociologia, um campo vizinho ao da economia. Ele influenciou o seu trabalho? Como era a conversa entre os dois Robert Mertons?
Nós fomos os melhores amigos um do outro pelos últimos 40 anos da vida dele. Éramos muito próximos. Uma das coisas que eu aprendi com ele e usei no meu próprio trabalho foi a perspectiva funcional, um jeito de olhar para o sistema financeiro que permite fazer previsões sobre como suas instituições vão mudar, ou usar uma análise normativa em discussões sobre o que uma companhia deveria fazer. Meu pai sempre dizia que é muito melhor focar nas funções do que nas instituições que executam as funções; porque as instituições mudam, as funções não.
Outra ideia dele foi a de profecia autorrealizável, título de um artigo que ele escreveu. É a ideia fundamental por trás da corrida para retirar dinheiro do banco. Mesmo se o banco for solvente, se ele não tiver bastante liquidez a profecia pública faz com que o evento aconteça. O que eu acho mais intrigante é que cada pessoa pode ser racional e saber a verdade — que o banco é solvente —, e mesmo assim elas vão ficar na fila para tirar seu dinheiro, provocando a falência do banco.
Uma terceira coisa que eu usei foi a ideia dele de funções manifestas e funções latentes. Há uma razão óbvia e manifesta para algo, como um mercado para transações. Mas também pode haver uma função latente muito importante — que no caso dos mercados pode ser prover informações. Então, mesmo que você nunca vá fazer negócios no mercado, se você é por exemplo o CEO de uma companhia ainda olha para o mercado. Não por sua função manifesta, mas por sua muito importante função latente.
Qual é a importância das inovações financeiras para a economia real?
O primeiro ponto é que um sistema financeiro que funciona corretamente é essencial para o desenvolvimento econômico, crescimento e estabilidade.
O segundo ponto é que, se você olhar para as finanças, elas cumprem uma série de tarefas: pagamentos, sistemas, e por aí vai, todas importantes. Mas a maior parte dos recursos devotados às finanças são sobre risco.
É o elemento avassalador. É o que faz a mágica. Se as finanças fossem apenas um sistema de distribuição de recursos da sociedade, seria bacana e importante, mas não seria uma área tão inspiradora.
As pessoas que estudam finanças são animais diferentes do de outras partes da economia. Elas nunca pensam em termos de “qual o PIB do próximo trimestre”. Elas falam não o que esperam que aconteça, mas o que pode acontecer. O foco é no risco.
E isso faz uma grande diferença para a sociedade. Colocar o risco no lugar certo tem um grande efeito. Muitas vezes o risco é alto demais, então ninguém realiza o que é para ser feito. Mas se nós pudermos espalhar esse risco entre um grupo muito grande de pessoas, ninguém sofre com ele. Um exemplo clássico são as seguradoras: simplesmente vendendo milhões de apólices elas conseguem lidar com o risco de cada indivíduo.
Só pela distribuição do risco, sem mudar seu tamanho, você pode mudar o custo de capital para as companhias, e ao fazer isso a consequência é um aumento de investimentos. E, porque isso foi feito pela eliminação de uma ineficiência, o retorno esperado para os investidores não é alterado. É um pouco mágico.
Mas há uma visão bastante disseminada de que os atores do mercado financeiro, em não poucas vezes, fazem mais mal do que bem ao capitalismo e à sociedade. Como na crise de 2008, em que instrumentos financeiros complexos esconderam os riscos de transações e alimentaram uma bolha.
É importante enfatizar que infelizmente há gente ruim em qualquer profissão. Não quer dizer que devamos aceitar isso, mas é parte da realidade. Alguns são tolos, ou seja, não sabem que o que estão fazendo é ruim; outros são desonestos. Em qualquer caso, o impacto é o mesmo na sociedade. E porque o sistema financeiro não é só uma ligação entre duas pessoas fazendo uma transação, mas um ambiente comum para a economia inteira, quando você faz uma bobagem em alguma parte as repercussões não são só para as pessoas diretamente envolvidas, mas para o sistema como um todo.
Daí a importância de uma boa regulação — tanto a criação de leis quanto sua implementação. O sistema hoje é muito mais complexo do que antigamente. É uma boa complexidade, que nos abre muitas possibilidades.
Agora, a regulação sempre um passo atrás. E não é à toa. Como a maioria das inovações fracassa, não é prático construir a infraestrutura necessária para toda inovação que aparece. Você estaria gastando uma quantidade enorme de recursos.
Os reguladores têm, portanto, uma missão muito difícil, de equilibrar as ações. Não podem simplesmente impedir qualquer tentativa de inovar, mas também não podem deixar as mudanças correrem soltas demais.
As pessoas normalmente acreditam que a principal motivação para trabalhar em finanças é ficar rico. Esta visão está correta? Ou há também motivação social, propósito, diversão?
Parece que, empiricamente, as pessoas na profissão de finanças tendem a ter renda maior do que em muitas outras profissões. Isso é um fato. Então, se você quer ficar rico, possivelmente este é o melhor lugar para ir, se é só isso que lhe interessa.
Mas há outros elementos, não pecuniários, que podem entrar na equação. Primeiro, pense em resolver um problema como, digamos, aposentadoria. Eu tenho que olhar para daqui a 30, 40 anos, talvez mais, e entender como levar você para uma boa aposentadoria. Com muita incerteza na sua vida e no ambiente em geral. Ter um plano que otimize os seus ganhos e o leve a seus objetivos é um problema de enorme complexidade — matemática, econômica. E muito difícil de executar. Como escalar uma montanha, muita gente gosta do desafio.
Além disso: se você resolve o problema, seja para uma pessoa, seja para a comunidade, você melhora a situação dela. O que você faz importa. Se, além disso, você ainda é bem pago…
E mais uma coisa: esta é uma profissão global. Se as coisas não estão indo bem no lugar em que você está, você pode arrumar as malas e partir. Os princípios financeiros funcionam em qualquer lugar do mundo. São como a gravidade, 9,8 m/s2 em qualquer superfície do planeta, seja em Beijing, São Paulo, Frankfurt ou Nova York. Os princípios funcionam mesmo se as instituições forem totalmente diferentes e a cultura for totalmente diferente. Sempre há um lugar para fazer o seu trabalho. É por isso que eu vim para cá agora.