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Direitos sexuais e reprodutivos das mulheres: um debate necessário

Painel no Insper abordou estratégias para superar obstáculos e garantir autonomia sobre o corpo feminino

Painel no Insper abordou estratégias para superar obstáculos e garantir autonomia sobre o corpo feminino

 

Bárbara Nór

 

Na luta pela igualdade de gênero, um dos maiores entraves segue sendo a conquista dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. No Brasil, o acesso a métodos contraceptivos e ao aborto seguro, mesmo quando previsto por lei, ainda é muito limitado, esbarrando em questões como preconceito, machismo e despreparo de profissionais — sobretudo para meninas e mulheres de classes populares. Pensando nisso, o Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper promoveu, em 8 de maio, o evento “Mulheres pelo direito de definir e existir: perspectivas sobre os direitos sexuais e reprodutivos”, com o objetivo de discutir e compartilhar estratégias e agendas da promoção desses direitos em periferias e favelas.

Com mediação de Fernanda Viana, coordenadora da Casa Preta da Maré e pesquisadora do Núcleo Mulheres e Territórios do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper, a conversa teve a participação de Andreza Dionísio, assistente social, mobilizadora comunitária e coordenadora da Frente de Direitos Sexuais e Reprodutivos da Casa das Mulheres da Maré; Denise Motta, secretária nacional de Enfrentamento à Violência contra Mulheres; Emanuelle Goes, doutora em Saúde Pública e pesquisadora de pós-doc na Cidacs/Fiocruz-Bahia, com experiência nos temas de gênero e raça, direitos reprodutivos e informação em saúde; e Karoline de Oliveira, educadora popular na Unas Heliópolis, especialista em prevenção combinada ao HIV e outras infecções sexualmente transmissíveis.

O evento reuniu a comunidade Insper e um expressivo número de participantes ligadas a movimentos sociais e organizações populares, além de ter contado com a participação de coletivos que apresentaram seus produtos e projetos relacionados aos direitos das mulheres, entre eles Ilera – Ancestralidade e Saúde, Ocupação 9 de Julho, Casa das Mulheres e Casa Preta da Maré, Unas – Heliópolis e Secretaria de Mulheres da União dos Movimentos de Moradia.

Ao longo do encontro, as participantes compartilharam suas experiências e perspectivas sobre o tema, destacando a necessidade de ações conjuntas por parte de diversos setores da sociedade, tanto públicos quanto privados. Também abordaram as dificuldades enfrentadas pelas mulheres, especialmente as de classes populares, no acesso a seus direitos sexuais e reprodutivos.

Comentando sua experiência na Redes da Maré, organização situada na favela mais populosa do Rio de Janeiro, Andreza Dionísio destacou como as demandas para trabalhar com o assunto acabam aparecendo no dia a dia. “Uma gerente da clínica da família, que é uma unidade básica de saúde da Maré, pediu para que pensássemos em algo, porque havia um número de gravidez indesejada muito alto”, disse. “Mulheres falavam que não queriam engravidar, mas engravidavam.”

Para lidar com situações como essa, Andreza destacou a importância de pensar tanto em respostas rápidas quanto de longo prazo. Um exemplo de ação de curto prazo seria garantir o acesso a anticoncepcionais — e à informação sobre como utilizá-los. Já no longo prazo, o caminho é trabalhar a educação e a autonomia das mulheres para fazer escolhas e tomar decisões informadas sobre sua saúde e reprodução. Para isso, o SUS se torna um importante ponto de contato de mulheres com essas informações.

Todavia, nesse trabalho de educação, no entanto, uma das maiores dificuldades ainda são de ordem cultural e religiosa, em especial quando se trata de temas como aborto, pontuou Andreza. “Um grande desafio é atuar diante do conservadorismo religioso”, afirmou. “Não podemos, às vezes, falar abertamente sobre alguns assuntos, ou falamos com muito receio, trocando nome.”.

Por essa razão, uma das principais ferramentas é a conscientização das mulheres desde cedo, como mostrou Karoline de Oliveira ao falar sobre seu trabalho em Heliópolis. “As nossas meninas estão crescendo inteiramente com a mesma trajetória — eu também cresci dessa forma —, em que não sabemos do nosso direito”, observou. “Então todos os projetos da Unas, de algum modo, têm essa vertente de trabalhar os direitos sexuais e reprodutivos de meninas e mulheres dentro da nossa comunidade.”

Contudo, para além das meninas, é preciso envolver também homens na luta para superar a desigualdade de gênero. Essa é a ideia por trás de iniciativas como o projeto “Minas e manos unidos desconstruindo o machismo”, que visam formar jovens e engajá-los na luta contra o machismo estrutural, por meio de debates, rodas de conversas e ações em projetos sociais, escolas e serviços públicos. Karoline sublinhou, ainda, sobre a diferença que faz ter jovens, como ela mesma, conversando com outros jovens a respeito desses temas como educadora sexual no Centro da Criança e Adolescente. “A gente não quer excluir os adultos e tudo mais, no entanto quer deixar a juventude falar com a juventude”, frisou. “A gente tem a questão da linguagem, de se sentir confortável.”

 

evento “Mulheres pelo direito de definir e existir: perspectivas sobre os direitos sexuais e reprodutivos”,
Evento reuniu representantes de diversos movimentos sociais e organizações populares

Histórico do debate da saúde reprodutiva

Em sua fala, Emanuelle Goes lembrou como, durante muito tempo, o debate em torno da saúde reprodutiva era focado na saúde materna infantil. “Essa mulher só era vista nesse momento da maternidade”, enfatizou. Assim, tanto políticas públicas quanto as pesquisas na academia focavam em iniciativas para reduzir a mortalidade infantil e manter as crianças saudáveis. “As mulheres terminam sendo incubadoras, e sua escolha, seus direitos, sua saúde para além da reprodutiva eram invisibilidades na política e invisibilizadas nos estudos.”

Apesar dos avanços das últimas décadas, acrescentou Emanuelle, há certos espaços em que a discussão ainda encontra pouca receptividade. Um exemplo é na própria medicina, na qual há pouco debate do que, de fato, significa discutir saúde reprodutiva levando em conta aspectos sociais e de direitos humanos, para além do modelo biomédico. “Dizem: ‘Esse assunto nós não estudamos porque são feministas’. Atribuem a discussão do assunto a uma coisa de ativista, sendo que estamos tratando de questões fundamentais para a vida das pessoas”, disse ela. “A gravidez na adolescência, a maior qualidade na adolescência são questões que estão na ordem do dia da sociedade, então não deve só mobilizar, nem deve ser só uma pauta de argumento feminista, de mulheres.”

A necessidade de colocar esse tema em pauta fica ainda mais evidente quando se nota que os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres estão sempre em disputa. Tanto no Brasil quanto em outros países, como os Estados Unidos, políticas conservadoras acabaram ganhando força nos últimos anos, levando a um certo retrocesso nas políticas públicas, comentou Denise Motta.

No Brasil, meninas que são estupradas, por exemplo, têm o acesso ao aborto dificultado e chegam a ser encaminhadas para psicólogos para que “repensem” a decisão. Por outro lado, mulheres em trabalho de parto, especialmente as mulheres pretas e pobres, sofrem violência obstétrica — um dos maiores problemas no Brasil.  “Se conseguimos avançar em 2004 numa política garantidora de direitos, hoje esses direitos estão em disputa o tempo todo”, afirmou Denise. “O tempo todo essa política, uma visão que garanta autonomia sobre o próprio corpo é questionada, desqualificada, distorcida.”

Segundo ela, ainda é muito difícil abordar o assunto inclusive em audiências públicas da Câmara. “Sofremos questionamento como se fôssemos extremamente equivocadas, como se não respeitássemos a vida. Pelo contrário, queremos garantir todo acesso às políticas públicas de saúde para exatamente garantir a saúde e vida das meninas e das mulheres.”

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