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Dá para avaliar o sucesso da inteligência artificial?

Em palestra no Insper, Aswath Damodaran, o mestre da disciplina de valuation, fala de bolhas, economias de escala, práticas de investimento… e da inteligência (humana) necessária nos julgamentos de valor

Em palestra no Insper, Aswath Damodaran, o mestre da disciplina de valuation, fala de bolhas, economias de escala, práticas de investimento… e da inteligência (humana) necessária nos julgamentos de valor

 

David A. Cohen

 

“Nós lemos demais, pensamos de menos.” Esse foi um dos principais recados do professor indo-americano Aswath Damodaran, em palestra proferida no auditório do Insper no dia 18 de abril. Talvez seja um conselho aplicável a tudo — afinal, mesmo para aproveitar bem o hábito de leitura é preciso refletir sobre o conteúdo lido —, mas ele se referia especificamente à sua principal área de atuação, a avaliação de empresas (comumente chamada pelo termo equivalente em inglês, valuation).

E por quê? “Valuation é uma arte, tal como cozinhar”, diz. “Você pode ler um monte de instruções em manuais e livros, assistir a vídeos e aulas, anotar o que observa de outra pessoa cozinhando… mas, enquanto não testar, experimentar, não vai saber fazer.”

Com uma pequena alfinetada no modelo de ensino popularizado pela Escola de Negócios de Harvard, Damodaran diz que nunca se fiou em estudos de caso. Não porque não valha a pena compreender a experiência alheia, e sim porque eles pertencem ao passado. “Por que estudar um caso antigo, do qual você já conhece as respostas, quando há dezenas de milhares de casos em andamento neste instante?”, argumenta.

É uma opinião parecida com um jargão das artes: “quem sabe faz ao vivo”. Foi assim que o próprio Damodaran se tornou o “decano da valuation”, título informal porém preciso para um dos mais destacados profissionais da área. Ele diz ter aprendido na prática principalmente porque, na época em que começou a estudar o assunto, a teoria era rala… como ainda o é hoje.

“O método tradicional de avaliar companhias é trazer para o valor presente as expectativas de lucro e descontar o risco”, diz ele. Claro, há diferentes maneiras de estimar o valor presente de um ganho futuro e há diferentes maneiras de calcular os riscos envolvidos no negócio, mas um curso inteiro cabe numa única equação.

Por isso, quando se dispôs a ensinar valuation, recebeu a resposta de que o conhecimento na área não era suficiente nem para ocupar uma palestra, quanto mais um curso. Na época ele estava começando a carreira, no cargo de professor assistente da Escola de Negócios Stern, da New York University, e concordou em ministrar cursos mais tradicionais. No lugar de seguir o currículo oficial, no entanto, ensinava avaliação de empresas.

“É um tema que foi ficando cada vez mais importante”, afirma Ricardo Rocha, professor de finanças e líder da trilha de finanças da pós-graduação lato sensu do Insper, que trouxe Damodaran para a escola em uma associação com a CFA Society Brazil (parte da instituição global que confere o título de Chartered Financial Analyst, especialista em finanças). “E ele foi certeiro. Sua principal ideia, que virou o livro The Dark Side of Valuation, é: quanto vale uma empresa que não gera lucro?”

O livro nasceu das aulas de um semestre, cujo tema era avaliar a então nascente companhia Amazon. “Até 1985, a grande maioria das empresas que abria capital tinha receita”, lembra Damodaran. “A partir da década de 1990, a maioria dos IPOs (ofertas públicas de capital) eram de empresas que não davam lucro.” O mundo dos negócios e dos investimentos tinha mudado.

 

A bolha da IA

Mudanças, ensina Damodaran, fazem parte do jogo. E o jogo, especialmente quando se trata do surgimento de novos grandes mercados, envolve a criação de bolhas financeiras. Elas não são um defeito do progresso, afirma o professor; são inerentes a ele.

Um grande mercado só aparece quando há muitos empreendedores exageradamente otimistas, e quando há investidores exageradamente otimistas. Ele dá um exemplo: se você somar as projeções de vendas de todos os fabricantes de carros elétricos, o resultado será muito maior do que é possível, considerando a população do planeta.

É isso o que está acontecendo agora com a inteligência artificial, o tema de sua palestra no Insper (AI’s winners, losers and wannabes: beyond buzz words!, ou “vencedores, perdedores e candidatos a ser alguém na IA: ultrapassando as palavras da moda”, disponível no YouTube).

Há apenas dois anos, o tema teria chamado a atenção de pouquíssima gente, mas é hoje um assunto inescapável — um poderoso sinal de bolha. Então, em meio a uma bolha, como fazer a avaliação de uma empresa?

Como dito no início, Damodaran recomenda pensar, “exercitar o músculo do raciocínio”. Trata-se de pensar nos aspectos que realmente importam para os resultados de uma empresa, dissecá-los… e chegar a um método de trabalho que seja seu, para encontrar melhores modos de trazer expectativas de lucro para o valor presente e de considerar os riscos que se aplicam ao negócio em questão.

Para isso é preciso ir além das palavras de ordem do momento. Um exemplo que Damodaran deu na palestra foi dos efeitos de rede e economias de escala. À primeira vista, pode-se achar que Netflix e Spotify tenham modelos parecidos, de assinatura de serviços. Mas, quando você assiste a uma série da Netflix, o conteúdo já foi integralmente pago por ela; no caso do Spotify, a cada vez que você ouve uma música nova da Beyoncé, a empresa tem que repassar a ela alguns trocados em royalties. “Isso torna o custo de conteúdo variável para o Spotify”, diz ele. “Ou seja, as economias de escala não vão afetar o Spotify do mesmo modo que impulsionam a Netflix.”

Se a questão toda é prática, se você precisa aprender a pensar por si mesmo… então de que valem os livros, cursos e mesmo uma palestra do decano da valuation?

A resposta é: eles podem trazer elementos para ajudar a formular o seu método de análise. Eis alguns do insights que ele abordou no auditório do Insper:

⇒ o valor intrínseco de uma empresa é, em essência, a sua capacidade de gerar receita ao longo do tempo. “Isso é um conceito velho como o mundo”, diz. “Ao vender seu negócio, um fabricante de vidros na Veneza medieval fazia a conta de quanto a empresa renderia nos próximos anos.”

⇒ como sempre, o diabo está nos detalhes. “Todos os anos eu faço uma avaliação da Tesla, e todos os anos há gente que discorda veementemente de mim — nas duas direções”, afirmou. “Tesla é uma dessas companhias que você pode considerar que não valem nada, que a coisa toda é um golpe de Elon Musk, ou você pode achar que vale trilhões de dólares.”

⇒ se é assim tão sujeito à subjetividade, como ter segurança na sua avaliação? Damodaran aconselha a confiar no seu método. A alternativa é se ater a empresas tradicionais, de mercados maduros… porém com baixo crescimento. “Não tenha medo de estimar só porque há risco. Se você não aceita a incerteza, vai acabar investindo apenas em Coca-Cola, Kraft, empresas com modelos de negócios antigos.”

⇒ Para navegar na incerteza, Damodaran propõe algumas salvaguardas, que podem ajudar a manter o foco nos aspectos que realmente importam na valuation:

a) Se alguma coisa, seja o que for, não afeta a expectativa de retornos futuros nem o risco para esses retornos, ela então não pode afetar a sua valuation;

b) Valuation requer que você faça estimativas de retornos futuros, não que você esteja certo sobre eles. Incerteza não é desculpa para não fazer estimativas.

c) Para um ativo ter valor, a expectativa de retorno tem que ser positiva em algum momento do período de existência do ativo (o que ele chama de proposição óbvia).

d) Quanto mais cedo um ativo gera retornos positivos, mais ele vale; mas ativos que geram retornos mais tarde podem compensar isso com mais crescimento e ganhos maiores no futuro (proposição que ele chama de “não se desespere”).

 

⇒ Em última análise, trata-se de entender como uma empresa faz ou fará dinheiro no futuro, se seu modelo de negócios tem sentido.

⇒ Não é preciso ter uma quantidade enorme de análises para avaliar uma companhia, segundo Damodaran. “Tudo de que eu preciso é uma análise de crescimento de receitas (que leva em conta o tamanho do mercado e a participação no mercado), uma análise das margens operacionais (o poder de estabelecer preço e cortar custos) e uma análise de reinvestimento (quanto investimento é necessário para gerar crescimento)”, afirma.

⇒ Sobre IA, Damodaran diz que uma questão fundamental é determinar se a mudança é incremental ou revolucionária. Computadores, a internet, smartphones e mídia social se mostraram mudanças revolucionárias; a inteligência artificial também parece ser, e o maior sinal disso é que ela afeta setores muito diversos da vida das pessoas.

⇒ Portanto, não basta pensar nas empresas com capacidade de transformar (ou promover rupturas); é preciso levar em conta também aquelas que sairão perdedoras nesse processo.

⇒ Finalmente, um lembrete de que, em termos de investimento, não há companhias boas ou ruins. É tudo uma questão de preço. “Eu compraria ações de qualquer companhia pelo preço correto, não importa o quão ruim ela seja; eu evitaria qualquer companhia pelo preço errado, não importa quão boa ela seja.” É preciso separar, afirma ele, grandes companhias de grandes investimentos.

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