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Cuidar dos stakeholders, sim. Mas quais?

A ideia de que uma empresa pode agradar a todos os públicos afetados por ela é irreal, diz o pesquisador americano Jay Barney. Por isso, afirma, é preciso criar uma nova teoria dos stakeholders

A ideia de que uma empresa pode agradar a todos os públicos afetados por ela é irreal, diz o pesquisador americano Jay Barney. Por isso, afirma, é preciso criar uma nova teoria dos stakeholders

 

David A. Cohen

 

Jay Barney é um pesquisador prolífico. Tanto que às vezes se desculpa por não estar a par de alguns avanços nos estudos sobre organizações: “Eu me ocupo tanto escrevendo que não consigo ler muito”, disse numa sala do Insper, no último dia 13 de maio, em uma palestra acadêmica na hora do almoço.

Amplamente conhecido por seus trabalhos sobre vantagem competitiva (e como as empresas podem sustentá-las com práticas e habilidades difíceis de copiar), Jay citou três classes de artigos com as quais trabalhou recentemente:

⇒a) Inteligência artificial. Justamente porque vai revolucionar tudo, a IA dificilmente será um fator de vantagem competitiva para as empresas. Seria algo como a eletricidade ou os computadores — tão essencial que todas as companhias usam.

⇒b) A hora de testar ideias. As companhias costumam experimentar ideias de negócios quando há incerteza sobre o valor da ideia e quando o experimento tem boa chance de trazer informações sobre este valor e seus custos de implementação. Porém, diz seu artigo, se uma firma se fia nisso para decidir se ou quando experimentará ideias, frequentemente o fará na hora errada e do modo errado. As companhias, disse ele, devem levar em conta o “efeito Heisenberg”: o fato de que o próprio ato de experimentar uma ideia muda o seu valor. O efeito, que pode positivo ou negativo, se refere à teoria da incerteza do físico Werner Heisenberg, segundo a qual o mero ato de observar altera a posição de uma partícula subatômica.

O modelo criado por Jay e seus dois colegas na pesquisa (o artigo pode ser encontrado aqui) conclui que um experimento pode não trazer nenhuma informação e ser custoso, e ainda assim valer a pena para uma  empresa; ou, ao contrário, não custar nada e trazer muitas informações, mas ser deletério para a firma.

Um artigo relacionado a este trata de experimentos persuasivos, em que os testes de novas ideias não apenas revelam informações, mas melhoram algumas ideias que não eram tão boas.

Um terceiro, ainda na mesma linha, trata de “ideias emaranhadas”: às vezes faz sentido para uma firma se engajar no teste de uma ideia não porque ela possa trazer algum benefício, mas porque ajuda a decidir sobre o valor de uma segunda ideia.

⇒c) Uma nova teoria dos stakeholders. Como se sabe, a velha tese de que as empresas devem prestar conta apenas aos seus acionistas (cabendo à sociedade estabelecer os parâmetros legais dentro dos quais ela deve agir) vem sendo fortemente combatida há vários anos, em prol da visão de que elas precisam levar em conta todos os públicos afetados por sua existência (os stakeholders). A vitória deste novo conceito parece ter sido completada há cinco anos, quando a Business Roundtable, uma associação de empresários e executivos das principais companhias americanas, redefiniu o que considera ser o propósito de uma empresa (ela deve ser gerida para “benefício de todos os seus stakeholders”).

O problema, alerta Jay, é que a definição de stakeholders é ampla demais e igualitária demais.

“A atual teoria de stakeholders tem poucas limitações”, afirmou durante sua palestra. “Ela declara que todos os afetados pelas ações da empresa são considerados; que todos os seus interesses devem ser levados em consideração; que pensar nos stakeholders durante o processo de decisão sempre leva a resultados melhores; e que as firmas sempre, ou quase sempre, vão conseguir sanar conflitos de interesses entre os diversos stakeholders.”

Faz sentido ser assim tão inclusivo, segundo Jay, porque esta era uma tese que brigava com uma noção arraigada dos propósitos da empresa. “A questão é que as pessoas acreditam que as coisas de fato funcionam assim.”

Sem limitações, o conteúdo parece abranger tudo, mas o custo disso é não significar nada. “Não há como gerar hipóteses para ser testadas nem implicações práticas a extrair”, diz Jay. Não é surpresa, portanto, que nenhuma das 181 companhias que adotaram a nova postura da Business Roundtable mudou sua estratégia. A declaração teve efeito zero.

Para avançar no debate, é preciso introduzir algumas limitações, diz um grupo de estudiosos do qual Jay faz parte. Eis algumas das considerações que eles tecem:

⇒ o impacto de cada stakeholder sobre a capacidade da firma de gerar receita é variável e, portanto, as responsabilidades da empresa também devem variar; segue daí que uma das missões primárias do executivo-chefe é decidir a quais stakeholders se deve prestar mais atenção.

⇒ incluir os stakeholders no processo de decisão pode melhorar, mas também pode piorar a qualidade das decisões — em especial quando os stakeholders têm interesses conflitantes. Funcionários podem querer investimentos na folha de salários ou nos treinamentos, fornecedores podem querer maior mecanização, ambientalistas podem querer uma fábrica mais longe da cidade e por aí vai. Os interesses nem precisam ser opostos uns aos outros, basta que não sejam correlacionados: “você pode querer maximizar a sua riqueza e um outro acionista pode querer minimizar a probabilidade de prejudicar o meio ambiente”, exemplifica. “Esses interesses não são mutuamente exclusivos, mas eles não estão sempre alinhados, é o que basta.”

⇒ as empresas usualmente podem encontrar modos de resolver conflitos entre os stakeholders — mas não sempre.

 

Um sinal de compromisso

O estudo deste último quesito resultou em um artigo escrito com três colegas, cujo título é “Signaling Stakeholder-Oriented Corporate Purpose” (Sinalizando o propósito corporativo orientado para stakeholders). O principal recado é que, para sinalizar seu compromisso com os interesses de um stakeholder, uma firma deve às vezes exercer atividades que vão contra os interesses dos acionistas.

O modelo simplificado de relação entre uma empresa e seus stakeholders é um círculo virtuoso, em que os recursos dos stakeholders (trabalho, matéria prima, licença para atuar num determinado local etc.) são cedidos à empresa; em combinação com outros recursos, a empresa cria valor econômico, que se transforma em riqueza; e parte desta riqueza vai para os stakeholders.

O círculo virtuoso, no entanto, depende de os stakeholders acreditarem que a empresa irá lhes recompensar no futuro. Sem essa confiança, não há negócio.

Há algumas maneiras pelas quais a empresa pode driblar a natural desconfiança: um contrato formal, o desenvolvimento de uma relação informal; a construção de uma reputação de boa conduta; ou, finalmente, trazer aqueles recursos para dentro de suas fronteiras (o que se chama de uma integração vertical).

“Nós não dizemos que essas soluções estão erradas”, afirma Jay. “Tudo o que nós falamos no artigo é que elas nem sempre funcionam.” Por quê?

Contratos formais são difíceis de especificar, e difíceis de implementar.

Relações informais demoram para ser estabelecidas.

A reputação está sempre sujeita à dúvida: a empresa é sempre boa ou simplesmente ainda não deparou com uma oportunidade lucrativa o suficiente para deixar os stakeholders na mão?

Integração vertical pode, muitas vezes, apenas importar os conflitos para dentro da empresa.

Quando essas soluções não funcionam, o que fazer?

É aí que entra a sinalização. E a única forma de convencer os stakeholders de que a empresa está realmente comprometida com seus valores, sejam eles quais forem, é se ela se engajar, de vez em quando, em atividades que lhe tragam perdas econômicas — seja um prejuízo imediato, seja uma expectativa de lucro menor.

“Isso pode não se tornar realidade no futuro, mas no momento da ação a crença deve ser que ela vai trazer alguma espécie de prejuízo”, diz Jay. “Não há como convencer um stakeholder de que você compartilha de suas convicções se a sua ação também beneficia os acionistas.”

A primeira implicação disso é que, ao contrário do que diz a teoria tradicional sobre stakeholders — de que sempre é possível conciliar interesses entre os diversos stakeholders —, a sinalização eficiente de que uma companhia está comprometida com um grupo de stakeholders só ocorre se houver prejuízo aos interesses de outro grupo (normalmente, o dos acionistas).

Não é muito diferente do que acontece na vida cotidiana. Se você um dia dá carona para um colega de trabalho que mora ao lado da sua casa, ele não tem muita informação sobre quão valiosa é a amizade dele; mas se a casa dele fica na direção oposta à sua, aí sim, ele tem evidência do seu zelo.

Curiosamente, um argumento normalmente usado para defender que as empresas atentem aos seus stakeholders — de que isso diminui os riscos ao negócio e, portanto, é uma boa estratégia de longo prazo — tem um efeito negativo para a sinalização. “Se o executivo-chefe disser que está tomando uma decisão porque ela faz sentido econômico, perde a força do sinal”, afirma Jay. “Essa é a ironia.”


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