Insper sedia evento sobre pesquisa inédita da JOI Brasil, iniciativa do parceiro J-PAL LAC. O estudo teve como coautora a ex-aluna Ieda Matavelli
Tiago Cordeiro
Existem aproximadamente 16 milhões de pessoas vivendo em favelas no Brasil, de acordo com o Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) — o correspondente à população do estado do Rio de Janeiro. Há dados indicando que, ao procurar emprego em outros bairros, essas pessoas encontram dificuldade em conseguir vagas — o que cria um círculo vicioso que os desestimula a seguir em busca de novas oportunidades profissionais.
Uma pesquisa recente, divulgada em janeiro, se debruçou sobre esse tema. Uma coautora é a pesquisadora Ieda Matavelli, formada em Economia pelo Insper em 2016 e Ph.D. em Economia pela University of British Columbia. Ela faz parte da equipe do projeto financiado pela JOI Brasil, iniciativa do J-PAL LAC. O J-PAL LAC é o escritório para a América Latina e Caribe do Abdul Latif Jameel Poverty Action Lab, uma referência na luta contra a pobreza por meio do uso de evidências científicas na formulação de políticas públicas — e parceiro do Insper há quase três anos.
“Estudamos o mercado de trabalho em três favelas do Rio de Janeiro: Maré, Jacarezinho e Manguinhos. Nesses lugares, a questão territorial é também afetada pelas políticas de segurança pública, para além das suas intersecções com raça, classe e localização”, diz Matavelli.
“Por exemplo, mais de 75% das entrevistas citam a existência de operações policiais como um dos fatores pelos quais esperam que empresas possam discriminar”, prossegue. “As condições de moradia, a baixa penetração de serviços públicos e a iminência de conflitos armados são alguns dos fatores que geram um estigma associado à moradia nesses bairros, dificultando o acesso ao mercado de trabalho formal.”
As pessoas então internalizam esses fatores e antecipam uma potencial discriminação, o que pode desencorajá-las ainda mais de buscar oportunidades de trabalho fora da favela, analisa a pesquisadora. Esse aspecto representa um desafio adicional para as empresas que buscam aumentar a diversidade de seus quadros.
“Há muita mão de obra nas favelas que são igualmente competitivas em relação à mão de obra de fora. Então, é importante que empresas comprometidas com diversidade e inclusão busquem ativamente por potenciais profissionais dentro de favelas. Para mostrar o seu compromisso, empresas podem, por exemplo, divulgar o percentual de pessoas de grupos sub-representados contratados recentemente ou abrir vagas exclusivas para uma certa região.”
A pesquisa “Expected discrimination and job search” (Discriminação esperada e a procura por trabalho) foi o tema central de um evento realizado no dia 14 de março, no Insper. Além de Matavelli, participaram Kayo Moura, do LabJaca, um laboratório de dados e narrativas da favela do Jacarezinho; Nayara Bazzoli e Jonathan Sales, do Juventudes Potentes, uma aliança liderada pelo Instituto Aspen para promover a inclusão produtiva de jovens na cidade de São Paulo; e Érica Diniz Oliveira, economista-chefe da empresa de entregas de refeições iFood.
“O estudo possui duas conclusões principais”, detalha a pesquisadora Matavelli. “Primeiro, mostramos que remover a necessidade de colocar o endereço no momento de candidatura a uma vaga de emprego não altera taxas de candidatura nem de comparecimento à entrevista. Porém, ao olharmos para o recorte racial, encontramos que a remoção do endereço beneficia pessoas brancas, e não as negras, implicando maiores desigualdades raciais. Isso ocorre porque para brancas é mais fácil ‘passar’ como não moradores de favelas, enquanto as negras ainda esperam discriminação por raça.”
Em segundo lugar, ficou claro que informar que a empresa sabe somente o nome da pessoa e não seu endereço melhora seu desempenho na entrevista de emprego. “Porém, novamente, pessoas brancas têm uma melhora ainda maior que pessoas negras, de modo que tal política também possa aumentar desigualdades raciais. Dessa forma, nosso estudo mostra que políticas que removem uma fonte de discriminação (como endereço) podem ter resultados inesperados que aumentam desigualdades.”
“A colaboração do J-PAL e o Insper tem como pano de fundo a construção de estratégias que visem reduzir a pobreza, assegurando que o desenho de políticas públicas e programas sociais seja informado por evidência científica”, afirma Edivaldo Constantino, gerente da Iniciativa JOI Brasil, braço do J-PAL LAC com foco em temas de mercado de trabalho. “Viabilizar tal arranjo envolve a construção de espaços de diálogo entre gestores públicos, acadêmicos, financiadores e organizações multilaterais. Esse tipo de ação só se torna possível com bases sólidas e parcerias robustas como essa.”
Ao longo de três anos de parceria, já há resultados importantes para comemorar, ele aponta, ainda que lembre que existe um longo caminho a ser percorrido. Duas frentes de atuação conjunta, em especial, se destacam. “A primeira consiste no financiamento e execução de projetos de avaliação de impacto no país por meio de um processo acadêmico competitivo. Até o momento, concluímos quatro ciclos de financiamento de pesquisas, resultando em um portfólio de 17 estudos, dos quais 11 são pilotos ou avaliações completas.”
Já a segunda frente consiste na disseminação dos resultados das pesquisas para tomadores de decisão, de forma a contribuir para o crescimento da cultura de avaliação do país. “Esperamos que a nossa parceria continue a ter um papel-chave no debate público, servindo de espaço de troca entre academia, governo e sociedade.”