O potencial e os desafios para a inclusão de pessoas autistas no mercado de trabalho
Renata Frischer Vilenky*
No último dia 26 de agosto, celebramos mais um Alumni Day, e um dos painéis construído em conjunto pelos comitês de Tecnologia e Empreendedorismo, Saúde, Diversidade e Inclusão trouxe o tema do potencial dos profissionais com transtorno do espectro autista para o mercado de trabalho. Sabemos que os autistas, por sua capacidade de trabalhar em cima de fatos, tendem a ter uma performance mais alta que a média nas profissões que escolhem desempenhar. Contudo, para receber o profissional com autismo, é necessário entender as demandas de ambiente físico e cultural para tornar a convivência e a colaboração proveitosa para todos.
Para entender melhor esse cenário, trouxemos três convidados: Renan Peppe Bonavita, advogado, especializado em Direito Econômico, alumnus Insper do curso de Gestão de Negócios e Pessoas, com espectro autista nível 1; Caio Bogos, que recentemente descobriu também fazer parte do espectro autista nível 1 e fundador da aTip, uma startup de impacto social positivo que emprega profissionais autistas no mercado de trabalho e educa o mercado para recebê-los; e Francisco Paiva Jr, editor-chefe da Revista Autismo, jornalista, autor do livro “Autismo – Não espere, aja logo!”, publicado pela editora M. Books, cofundador e CEO da Tismoo.me, empresa de tecnologia e saúde que busca melhorar a qualidade de vida das pessoas autistas.
Dessa conversa participaram pelos Comitês: Jac Paiva, head de Sales Enablement na multinacional do Reino Unido Logicalis e representante do Comitê de Diversidade e Inclusão; Victor Piana, diretor geral do AC Camargo Cancer Center e representante do Comitê de Saúde; e Renata Vilenky, conselheira de Estratégia, Inovação e Transformação Digital e representante do Comitê de Tecnologia e Empreendedorismo.
O painel trouxe a realidade que ainda está engatinhando quanto à compreensão da questão de sensibilidade sensorial que alguns autistas podem ter, a demanda por uma comunicação clara, sem meias-palavras, para que a compreensão do que se quer e onde se pretende chegar fique explícita e possa ser alcançada, a exigência de um ambiente seguro para caminhar, porque podem existir profissionais neurotípicos que precisam de ajuda para se locomover, bem como um espaço silencioso para trabalhar.
O Renan, em sua fala, que fez de óculos escuros, porque a luz o sensibilizava, explicou emocionado o quanto conviver no mundo atual drena suas energias. O fato de o autista não frequentar locais cheios, com muita gente se encostando, tem como questão básica o consumo de energia — é muito custoso para o autista ter conversas longas, muita gente abraçando, falando junto. Portanto, se expor a esses contextos a fim de não se isolar exige mais do que imaginamos de alguém com transtorno do espectro autista. Assim, respeitar essas demandas de convívio é fundamental para uma cultura que quer receber autistas. É possível recebê-los em espaços mais silenciosos ou com a opção de trabalho remoto e, caso haja exigência presencial, já existe tecnologia disponível para criar ambientes com luminosidade e som controlados. Contudo, na vida profissional e estudantil do Renan, é ele que ainda se adapta às exigências, e não o inverso.
O Caio nos trouxe os desafios de educar as empresas para receber neurotípicos, e a importância da compreensão de que não se trata apenas de cumprir cotas empresariais, mas de conseguir ter profissionais que podem desempenhar funções que exijam habilidades intelectuais, artísticas, criativas ou cognitivas, com resultados iguais ou acima da média por seu espectro autista, contribuindo para um ambiente mais ético, transparente, respeitoso e digno dentro das empresas, oferecendo resultados maiores e melhores para cultura e para questões financeiras. O Caio nos contou que um método para realizar a inserção desses profissionais no mercado de trabalhado tem sido a seleção às cegas, feita por meio de plataforma remota que testa as habilidades dos candidatos, e que o conhecimento da empresa sobre quem é a pessoa só ocorre depois que o candidato é aprovado em todos os quesitos técnicos e culturais. Normalmente, os trabalhos são remotos e os profissionais neurotípicos trabalham tranquilamente e entregam seus resultados com qualidade. Porém, quando a cultura da empresa não está preparada para lidar com pessoas autistas, mesmo o trabalho remoto pode não ser suficiente para que o profissional tenha bom desempenho na empresa, devido aos conflitos de comunicação e forma de gestão.
O Francisco, extremamente engajado nas questões autistas, nos relatou que entrou para esse mundo por ser pai de uma criança autista e verificar a dificuldade de seu filho entender algumas brincadeiras na escola, bem como o custo para se tratar a saúde do autista. Como nos explicou, o autista pode desenvolver uma série de doenças, de diabetes a questões cardíacas, e pela sensibilidade do autista, clinicá-lo exige um letramento médico sobre os neurotípicos. Ter esse letramento pode significar vida ou morte. Por isso hoje sua revista sobre autismo é distribuída digitalmente e impressa para quem se cadastrar no site, a fim de levar para o Brasil inteiro e a América Latina informações que ajudem a conhecer o espectro autista e promovam informação de qualidade para que as pessoas respeitem e saibam lidar com as diferenças do cotidiano. Além disso, a Tismoo.me oferece uma linha de cuidados para autistas a fim de lhes proporcionar saúde em casa e no trabalho, além de colaborar para seu desenvolvimento neurológico.
O dr. Victor Piana nos trouxe exemplos de evolução que o Hospital AC Camargo tem implementado na formação de profissionais médicos do espectro autista, com locais silenciosos e disponibilização de fones de ouvido de excelente qualidade que permitem ao neurotípico trabalhar em um ambiente silencioso, além de educar a população sem características especiais a identificar e respeitar as diferenças para melhorar a comunicação e o ambiente em geral. Inclusive, o feedback das equipes tem sido muito positivo, afirmando que a comunicação melhorou para todos.
Já a Jac Paiva nos falou sobre o teste do pescoço, a ser praticado nos ambientes onde entramos: de forma simples, virarmos o pescoço para esquerda e para direita, a fim de identificar pessoas diferentes de nós e começarmos a nos conscientizar da importância da inclusão em nossa sociedade em todos os ambientes.
Para fechar a discussão, eu trouxe um exemplo que vivenciei há quase 30 anos, quando, em uma empresa suíça, recebemos um jovem autista na área de compras como parte de um processo de nos melhorarmos como time. Esse jovem mal falava, mal andava, não conseguia comer sozinho e precisamos aprender a ajudá-lo e nos ajudarmos para ambientá-lo, respeitá-lo e permitir que o nosso convívio nos desenvolvesse. Éramos uma área de compras que vivia tensa, correndo atrás da meta, pouco sensível ao momento dos colegas e bastante operacional e manual. Com a chegada do nosso novo colega, que até hoje está na empresa, precisamos automatizar a área para ganhar agilidade e flexibilidade para que todos nos tornássemos úteis com as nossas habilidades, nos acalmar e observar com cuidado o ambiente para melhorá-lo física e emocionalmente, mas, principalmente, entender que esse novo colega diferente de nós estava lá para nos ajudar, e não para nos atrapalhar. Saímos de um olhar individual para um olhar coletivo, e o resultado foi uma área mais eficiente e mais feliz. Claro que não foi fácil, mas foi muito gratificante. E o mais incrível: sem nada combinado, havia na plateia do nosso painel um rapaz que trabalha atualmente na empresa e que confirmou que o rapaz continua lá e que desconhecia como tudo havia começado. Foi um encerramento que nos fez refletir sobre o momento incrível que vivemos como sociedade e a importância de sabermos que a jornada está apenas começando, não é fácil, porém é extremamente possível e o resultado pode ser melhor ou pior, dependendo de como abraçarmos este processo de transformação. Agradeço ao Insper por termos começado esta jornada.
* Renata Frischer Vilenky é alumna Insper do MBA de Administração da turma de 2008, coordenadora do Grupo Alumni de Tecnologia e membro da Academia Europeia da Alta Gestão. É conselheira de estratégia e inovação e mentora de projetos de inclusão social no Instituto Reciclar e na ONG Gerando Falcões. É autora dos e-books Inteligência Artificial: Uma Oportunidade para Você Empreender e Startup: Transforme Problemas em Oportunidades de Negócio, ambos publicados pela Expressa Editora.