A discussão sobre o papel das plataformas digitais na absorção de trabalhadores — e em que medida interagem com políticas públicas tradicionais — está no centro do debate público sobre a economia do trabalho em países desenvolvidos e em desenvolvimento.
O Auxílio Emergencial, que em 2020 transferiu dinheiro federal para 42% dos lares do país com o objetivo de mitigar danos da pandemia da covid-19, não representou um grande desencorajador aos entregadores por aplicativo atendidos pelo programa a seguirem exercendo suas atividades, concluiu a pesquisa de mestrado no Insper de Thiago Xavier, orientada pelo professor Naercio Menezes Filho.
Como estratégia empírica, foi utilizado um conjunto de regressões em painel — com efeitos fixos de indivíduo, localidade e tempo — para comparar a oferta de trabalho dos entregadores cujos domicílios foram beneficiados (grupo de tratamento) com aqueles domicílios não contemplados pelo programa (grupo de controle).
Xavier acompanhou esses trabalhadores antes e durante a pandemia — juntando dados da Pnad Contínua e Covid —, incluindo o período de implementação do Auxílio Emergencial. O programa começou com cotas nos valores de R$ 600 e depois de R$ 300 ao longo de 2020.
A Pnad Covid, pesquisa por amostra domiciliar especialmente realizada pelo IBGE durante a pandemia, que foi declarada pela Organização Mundial da Saúde em março de 2020, ajudou o pesquisador a identificar os indivíduos que trabalharam como entregadores por aplicativo no começo da pandemia, pois inovou a classificação de cargos ao definir a categoria de “entregador de mercadorias”, além de listar explicitamente as empresas do setor.
Os dados da pesquisa durante a pandemia sugerem um elevado crescimento de entregadores informais durante o período (proxy do trabalhador por aplicativo), apesar da elevada rotatividade, a qual poderia, à primeira vista, basear a hipótese de que o programa motiva a saída da ocupação de entregador.
Com os dados, o pesquisador testou uma hipótese comumente aventada sobre o “efeito preguiça” dos programas de transferência de renda, embora em um contexto atípico de elevada insegurança sanitária na pandemia da covid-19. Em média, os efeitos estimados variaram de -2,0 a -4,0 horas trabalhadas semanais (de 6% a 11% da jornada semanal total) entre os entregadores de aplicativo incluídos no programa em comparação com os entregadores que não receberam o Auxílio.
Mesmo na especificação que resulta no maior coeficiente de impacto do Auxílio Emergencial sobre a jornada, considerando a renda mensal do trabalho do entregador (cerca de R$ 1.200), a perda proporcional decorrente da redução de horas trabalhadas é da ordem de R$ 140, o que representa menos da metade da média de R$ 300 per capita transferidos pelo programa. Essa relação entre a perda salarial e o valor do benefício é ainda menor quando comparada com o valor médio do Auxílio recebido pelo domicílio (cerca de R$ 900), o que resultaria em uma perda salarial de menos de 20% do valor total transferido.
A interpretação principal é a de que o Auxílio Emergencial gera um efeito riqueza dominante, que se converte em ganho de bem-estar ao entregador beneficiado, sem gerar um efeito substituição relevante que possa mudar a alocação de tempo para maior lazer e redução do trabalho.
Leia a dissertação: “Do I want to ride my bicycle?” – Avaliação de impacto do Auxílio Emergencial sobre a oferta de trabalho de entregadores por aplicativo