A proteção dos direitos e privacidade dos atores mais vulneráveis torna-se essencial para o desenvolvimento sustentável dessa tecnologia
André Azin, Arthur Almeida, Christiano Borges, David Halaban e Manuela Gaudioso
Este artigo aborda o rápido desenvolvimento da Inteligência Artificial (IA) e seus efeitos na criação de conteúdo de mídia sintética. A tecnologia tem avançado consideravelmente em diversas áreas da sociedade, incluindo a produção de mídias sintéticas. No entanto, esse progresso também traz consigo desafios éticos, preocupações e riscos relacionados ao uso inadequado de imagens de atores sociais e econômicos, que abrangem desde celebridades até indivíduos comuns. A manipulação de imagens por meio de deep fakes, imagens falsas mas extremamente realistas, tem possibilitado a disseminação de notícias falsas e a exploração de temas delicados, como pornografia e difamação de imagem.
Os diversos atores envolvidos nos riscos e benefícios da mídia sintética são analisados, incluindo a indústria do cinema, espectadores, academia do cinema, celebridades, governo, empresas de marketing e publicidade, empresas de vigilância e segurança, usuários de redes sociais e crianças. Cada grupo enfrenta implicações distintas, destacando a necessidade de regulamentação para promover um desenvolvimento responsável dessa tecnologia.
A inteligência artificial aplicada às mídias sintéticas refere-se ao conjunto de teorias, métodos, tecnologias e aplicações que utilizam computadores e máquinas controladas por computador para simular, estender e expandir a inteligência humana, permitindo a criação de conteúdos de mídia, como imagens, vídeos, áudios e textos, de forma simulada e altamente realista. Essa combinação de IA com mídia sintética possibilita a ampliação e extensão da capacidade criativa humana, abrindo novas possibilidades em diversas áreas.
No caso específico da utilização da inteligência artificial aplicada à mídia sintética para a propaganda da Volkswagen com a participação virtual de Elis Regina, levanta-se a questão da adequação do uso da imagem da artista e se ela concordaria em associar sua imagem à marca. Esse estudo de caso exemplifica os desafios éticos e legais enfrentados com o desenvolvimento dessa tecnologia.
A vulnerabilidade associada às mídias sintéticas se refere ao risco de utilização indevida de imagens de atores envolvidos, o chamado “deep fake”. Essas imagens fictícias, mas altamente realistas, podem ser empregadas para fins impróprios, representando uma ameaça à privacidade, reputação e integridade das pessoas.
A avaliação da vulnerabilidade leva em consideração três variáveis principais: a capacidade do ator envolvido em defender seus direitos e imagem em casos de uso indevido, considerando fatores legais e financeiros, em uma escala de 1 a 10, onde 1 indica total vulnerabilidade (como no caso de crianças) e 10 indica menor vulnerabilidade (como no caso do governo). A segunda variável diz respeito à exposição da imagem desse ator, também avaliada em uma escala de 1 a 10, onde 1 indica pouca exposição (como um indivíduo comum) e 10 indica alta exposição (como uma celebridade falecida, como, Elis Regina). A terceira variável considera o impacto econômico que o uso indevido da imagem pode causar ao indivíduo, usando novamente a escala de 1 a 10, onde 1 indica pouco impacto e 10 indica o máximo impacto possível.
A mídia sintética apresenta amplas possibilidades de inovação, especialmente nas indústrias do cinema, marketing e produção audiovisual. A capacidade de criar conteúdos de forma mais econômica e eficaz ao utilizar essa tecnologia. A liberdade econômica é fomentada à medida que celebridades e figuras públicas podem ceder suas imagens para projetos de publicidade ou cinema sem necessidade de envolvimento presencial, tornando o processo mais ágil e acessível.
No contexto do desenvolvimento da inteligência artificial aplicada à mídia sintética, surge a necessidade de uma autoridade que regule, supervise e fiscalize o uso dessa tecnologia. Essa autoridade deve estabelecer diretrizes éticas e legais para o uso responsável da mídia sintética, garantindo a proteção dos direitos individuais e coletivos. Também deve conduzir pesquisas e estudos para acompanhar o avanço da tecnologia e suas implicações na sociedade, proporcionando uma base sólida para tomadas de decisão informadas.
Explorando o estudo de caso da propaganda da Volkswagen com a participação virtual de Elis Regina, surgem novas questões não abordadas previamente nas definições de vulnerabilidade/ responsabilidade. A possibilidade de “reviver” pessoas falecidas por meio da mídia sintética levanta questionamentos sobre a titularidade dos direitos de imagem após o falecimento. A resposta varia desde o detentor contratual da imagem de uma celebridade até a família ou a inexistência de um titular, independentemente do propósito.
Considerando que as opiniões, princípios e visões podem mudar ao longo da vida, não é possível determinar a opinião de um ator social ou econômico falecido sobre sua associação com marcas ou princípios em vida. Surge, portanto, a necessidade de regulamentação e definição de mecanismos, como testamentos, para estabelecer como a imagem de uma pessoa falecida pode ser utilizada após sua morte, respeitando suas vontades e valores.
O rápido avanço da IA e mídia sintética apresenta oportunidades significativas para a sociedade, mas também desafia a ética e exige regulamentação adequada. A proteção dos direitos e privacidade dos atores mais vulneráveis torna-se essencial para o desenvolvimento sustentável dessa tecnologia. A implementação de responsabilidade jurídica para quem infringir as leis e a definição de direitos pós-morte são fundamentais para garantir a inovação com integridade ética.
Dessa forma, uma regulamentação clara, aliada à transparência e conscientização pública, se tornam pilares fundamentais para um futuro sustentável da IA e mídia sintética, respeitando os valores e vontades daqueles que já não estão mais presentes em nosso meio. A criação de mecanismos, como testamentos, possibilita o estabelecimento das condições de uso da imagem após a morte, protegendo a integridade das personalidades envolvidas. Assim, será possível conciliar o desenvolvimento tecnológico com a preservação da ética e dos direitos individuais, enquanto a autoridade competente desempenhará um papel essencial na supervisão e regulamentação desse cenário em constante evolução.
Artigo enviado para a revista Exame.