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Por que o mercado financeiro voltou a atrair o interesse da nova geração

Com demissões e crises nas Big Techs, o setor de investimentos ganha força na atração dos jovens talentos

Com demissões e crises nas Big Techs, o setor de investimentos ganha força na atração dos jovens talentos

 

David A. Cohen

 

Cada época tem as suas profissões mais procuradas — aquelas que se apresentam como as mais promissoras para os jovens talentos saídos das melhores universidades. Nos anos do pós-guerra, a profissão de maior prestígio era a engenharia. Não espanta. Era uma época de reconstrução e da crença nos milagres de uma tecnologia grandiosa, com suas usinas nucleares, foguetes, arranha-céus…

Depois vieram os anos da contracultura, com a explosão de cursos de ciências humanas e um sonho disseminado de se tornar astro de música. Nas décadas de 1980 e 1990, a geração yuppie, individualista, se voltou para o mercado financeiro — e, no Brasil redemocratizado e às voltas com a inflação, para economia, ciências políticas e jornalismo. Na virada do milênio, a indústria da tecnologia tomou o pódio das profissões mais almejadas: quem não queria trabalhar nas grandes empresas que estavam mudando o mundo e, de quebra, pagavam ótimos salários e ainda davam regalias como lanches gratuitos e salas de recreação?

O quadro deu uma nova guinada veste ano, com a sequência de demissões nas principais empresas de tecnologia. Foram 120 mil postos fechados só nos dois primeiros meses de 2023 nos Estados Unidos, a Meca do setor.

Numa recente feira de estágios, relatou a revista The Economist no final de maio, nenhuma das mais famosas companhias de tecnologia apareceu para atrair estudantes universitários americanos. Ao contrário, Facebook, Amazon, Apple, Netflix, Google, Microsoft e congêneres estavam planejando novas rodadas de redução de suas forças de trabalho.

Isso ajuda a explicar por que tantos jovens da elite — aqueles que têm o poder da escolha, que em geral são mais disputados pelas empresas — estão voltando seus olhos para o setor financeiro. Novamente? Mais ou menos.

Segundo a psicóloga e consultora Maria Aparecida Rhein Schirato, professora de comportamento e gestão no Insper, o alvo pode ser o mesmo, mas a intenção hoje em dia é completamente diferente. “Tem, sim, uma corrida pelo dinheiro. Mas não é como antigamente, não é só para si”, afirma ela.

 

É a busca de estabilidade?

A explicação mais simples para a ascensão do mercado financeiro entre os jovens, corroborada por uma pesquisa da empresa de recrutamento americana Handshake, é que agora eles estão prezando mais a estabilidade no emprego.

Não é que o setor financeiro tenha passado incólume pelas turbulências da economia americana. De acordo com a revista Bloomberg, o banco de investimentos Morgan Stanley está preparando para agosto uma nova rodada de cortes de emprego, cerca de 3.000 no mundo; seu rival Goldman Sachs cortou um número semelhante no início do ano. Mas eles não pararam de contratar. O JPMorgan aumentou sua força de trabalho em 8% em relação ao mesmo mês do ano passado; o Morgan Stanley, em 7%; o Bank of America, em 4%. Aumentaram, portanto, seu poder de atração.

As empresas de tecnologia, de certa forma, jogaram um balde de água fria nas novas gerações. Já há alguns anos elas vêm perdendo a aura de “companhias do bem” e são cada vez mais identificadas com grandes corporações, pesadas e poderosas, buscando acima de tudo o seu próprio crescimento.

É possível que o quadro mude outra vez no futuro próximo. Afinal, boa parte das demissões atuais foi causada pelo excesso de contratações durante a pandemia, quando muitas das empresas de tecnologia acreditaram que seria sustentável o crescimento ocasionado por uma situação excepcional — pessoas em casa, consumindo mais entretenimento eletrônico e usando mais serviços de entrega.

Se há, de fato, uma mudança de mentalidade nós só saberemos com o passar do tempo. O que se pode intuir por enquanto é que o mercado financeiro está de novo disputando as mentes jovens mais brilhantes, uma condição que havia perdido também porque as carreiras que oferece são, nos primeiros anos, de trabalho exacerbado e divertimento escasso.

Melhor isso, contudo, do que correr o risco de demissão, ou sequer encontrar emprego entre as empresas “dos sonhos”, aquelas que conferem mais prestígio aos currículos de seus colaboradores.

 

Ou é consciência social?

De acordo com Maria Aparecida, do Insper, há uma razão diferente para a revitalização do mercado financeiro, e ela tem a ver com a mentalidade desta nova geração.

“Até uns anos atrás, quando se falava em ganhar dinheiro, era ganhar dinheiro para ficar rico. Cada um queria ganhar o seu. A tecnologia entrou como um dos canais que levariam à emancipação financeira, ter 1 milhão de dólares até os 30 anos”, diz ela. “O que está acontecendo agora é que os jovens querem dinheiro, mas não só para eles. Querem realizar projetos que façam com que mais gente fique bem de vida.”

Nesse sentido o mercado financeiro adquire outra dimensão. É ele que canaliza recursos para as startups, para projetos filantrópicos, para movimentar a economia que atinge os menos favorecidos.

“Boa parte dos jovens hoje não quer carro nem uma sala grande num escritório”, afirma Maria Aparecida. “Muitos trabalham em coworking, querem flexibilidade de horários.”

Segundo ela, a nova geração percebe o mercado financeiro de forma similar ao que a indústria da tecnologia prometia (e ainda promete, embora com mais nuances): a chance de deixar sua marca no mundo. “Muitas das minhas conversas com os alunos giram em torno da necessidade de buscar investimentos para causas ESG (meio ambiente, questão social e governança) e para criar empregos, diminuir os contrastes.” Não só os jovens. Em seu trabalho como consultora, diz que as empresas clientes estão muito preocupadas com a capilaridade dos negócios — com provocar impacto positivo nas populações menos atendidas.

É sem dúvida uma visão mais otimista. O mercado financeiro estaria sendo entendido não como um Eldorado, um lugar privilegiado para conquistar sonhos de consumo, mas como um meio para realizar outras coisas. “Não existe voto de pobreza, longe disso”, diz Maria Aparecida. “Mas existe a consciência de que eu não posso ser a única pessoa a se dar bem.”

De outro lado, há a visão mais, digamos, pragmática. Há menos empregos em tecnologia neste momento, e quando eles são encontrados a perspectiva de ganhos diminuiu. Pelos cálculos do site Levels fyi, que coleta dados sobre salários e benefícios nos Estados Unidos, a remuneração total dos pacotes para novos empregados de companhias de tecnologia caiu cerca de 25% em relação ao ano passado. Além disso, a desvalorização das ações na bolsa tornou menores as chances de se tornar rico rapidamente com o recebimento de stock options.

Ou seja: o fenômeno pode ser explicado pelo fato de os jovens serem mais altruístas ou, ao contrário, mais egoístas. E ambas as explicações podem estar corretas.

 

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