A Febraban Tech foi um evento grandioso, mas foi possível constatar: ainda são poucas as soluções de alta relevância para o consumidor final. Precisamos nos mexer para aproveitar a janela de oportunidades
Renata Frischer Vilenky*
A Febraban Tech — evento de tecnologia do setor financeiro promovido pela federação brasileira dos bancos — aconteceu na última semana, de 27 a 29 de junho, no Transamérica Expo Center, em São Paulo. Desde o rosto do visitante impresso no café oferecido no estande da Amazon até cachorros-robôs passeando pela feira, tudo era high tech, com várias ofertas de aplicação de inteligência artificial nos negócios financeiros. Foi um evento grandioso e com muitos cases de uso e estandes de empresas multinacionais e fintechs disputando a atenção e o bolso do público presente para realizar negócios.
Porém, participando das palestras do congresso e conversando com os profissionais do evento, o que mais se falava é que ainda estamos no início da aplicação e descobertas de uso das novas tecnologias e que precisamos de muita gente para trabalhar e desenvolver produtos e serviços de valor para o cliente final.
Talvez uma das maiores constatações que fizemos foi que ainda somos muito jovens no uso das novas tecnologias e, portanto, trazemos poucas soluções de alta relevância para o consumidor final. Essa reflexão veio do percentual de consumidores que estão renovando a autorização do uso de seus dados após 1 ano de início do Open Finance, que é um dos motores propulsores de geração de novos produtos e serviços para o cliente final — apenas 4% dos clientes renovaram seu consentimento para compartilhar seus dados.
As dificuldades de gerar valor podem decorrer da divergência de estrutura de dados entre os participantes e a consequente dificuldade de entendimento do que está sendo informado pelo cliente, ou decorrente de legados criados para processar produtos sob outra ótica, ou ainda uma desconexão entre a demanda do cliente e o que os participantes conseguem entregar, ou a combinação dos fatores, ou ainda porque o desenho cultural e a transformação digital estejam desafiando mentes e corações a descontruir certezas absolutas e quebrar vários paradigmas. Não tenho a resposta para essas indagações, mas precisamos nos mexer para aproveitar a janela de oportunidades que temos.
Por falar em janelas de oportunidades, em meio a tanta tecnologia, por várias vezes, ao longo de quase todos os painéis que trataram do tema ESG, o Brasil foi colocado em evidência por sua matriz energética e por todas as oportunidades que tem de ser o país que lidera a transformação do agronegócio com alta produção, sem desmatamento, com descarbonização e aumento da produtividade em suas áreas já plantadas ou utilizadas para criação de animais. Porém, na maioria das falas, logo após a variedade de oportunidades mencionadas, vinha a ressalva de que a janela tem prazo para se fechar e, se não aproveitarmos, podemos perder o bonde da história.
O que é interessante, após um final de semana de reflexão, é que temos as tecnologias disponíveis no Brasil, temos uma montanha de gente disponível para aprender e se desenvolver, temos as oportunidades de investimento de capital estrangeiro, porém, temos também um conjunto de desafios de formação educacional e profissional. Se este fato já está dado, será que não vale a pena começarmos a formar pessoas de todas as gerações dentro das empresas, e pensar na formação, não só do ponto de vista tecnológico, mas também educacional?
Algumas empresas já estão trabalhando com essas novas tecnologias, com as matrizes de energia renovável e com a análise de dados para geração de insights, mas por que elas não podem ser formadoras de replicadores de conhecimento e em parceria com a academia trazer os fundamentos, metodologias e ferramentas para formar esse quadro de profissionais tão demandado pelo mercado? Será que não está na hora de, em vez de olhar para o entorno e dizer que não encontra gente, arregaçar as mangas e verdadeiramente promover a formação dessas pessoas, se predispondo a retirar lacunas de formação educacional e trazer mais pessoas para o mercado profissional do século 21? Isso ajudará não somente os bancos, mas todo o mercado brasileiro.
Edu Lira, em seu painel, falou do papel dos bancos em colaborar com investimento em tecnologia e capital para ajudar o projeto da Favela 3D se desenvolver, gerar emprego e renda e permitir que mais pessoas se beneficiem da janela de oportunidades do Brasil.
Segundo uma pesquisa do Data Favela de março de 2023, temos quase 18 milhões de brasileiros residentes em favelas, o que corresponde a pouco mais de 8% da nossa população. É fantástico transformar a vida de um pedaço da nossa população, porém, os bancos podem alcançar um número muito maior de brasileiros. Então, como disse a ministra Marina Silva, se trabalharmos de forma integrada os três setores do país — o setor público, o setor privado e o setor plural (sociedade civil) —, não conseguimos transformar nossa realidade, criar soluções reais para o país e gerar emprego, renda e novas receitas para a população?
Este processo não é simples, e muito menos fácil, porém reclamar e só falar das dificuldades nos atrasará e não contribuirá para alcançarmos o lugar que podemos ocupar na história deste século. Talvez, se passarmos a entender as agências bancárias como locais que chegam a qualquer parte do país e podem se tornar espaços de troca e aprendizados, a tecnologia como ferramenta de inclusão, a academia e profissionais de mercado como promotores do conhecimento e do suporte à transformação do individuo para criar um novo coletivo, o que nos impede de sairmos do discurso e colocarmos a mão na massa?
O que nos impede de começar com diferentes MVPs distribuídos por nosso país e criar espaços de troca integrados para discutirmos além dos muros já estabelecidos das empresas, dos comitês de bancos, dos projetos das consultorias, das reuniões das academias, ou ainda dos projetos dos diferentes grupos das favelas? Temos uma riqueza de saberes que podem ser compartilhados, gerando, talvez, a maior cocriação que nosso país jamais imaginou conseguir. Para isso, porém, precisamos quebrar muros, abrir mentes e corações e repactuar a história de país que queremos escrever.
De nada adianta tanta disponibilidade de tecnologia, informação, aplicação e até capital, se continuarmos pensando, agindo e entregando no formato de condados e ducados como ocorre desde o início do século 5º. Está na hora de mudarmos nosso modelo mental e entender colaboração como uma nova forma de reescrever a civilização e a educação como fundamento para que esta nova história seja escrita com o melhor que podemos oferecer de nós mesmos.
E para isso acontecer de uma forma mais fluida, que tal aprendermos com as redes neurais que funcionam em camadas interconectadas, onde cada uma realiza uma diferente abordagem da situação-problema, passando para a próxima uma versão já analisada e ponderada, que será novamente processada em outra camada até alcançar a solução? Vejam que as tecnologias que tanto nos encantam e podem nos ajudar, até mesmo na forma de trabalho, já sabem colaborar e aproveitar o melhor do que cada camada de conhecimento de máquina pode oferecer para a resolução de problemas complexos.
Vamos aprender a aprender e compartilhar? Convido você, nosso leitor, a refletir e escolher suas conexões de transformação e geração de resultados para o nosso coletivo. Ótima jornada e compartilhe suas reflexões conosco. Vamos aprender juntos e gerar soluções para o nosso país. #transformação
* Renata Frischer Vilenky é alumna Insper do MBA de Administração da turma de 2008, coordenadora do Grupo Alumni de Tecnologia e membro da Academia Europeia da Alta Gestão. É conselheira de estratégia e inovação e mentora de projetos de inclusão social no Instituto Reciclar e na ONG Gerando Falcões. É autora dos e-books Artificial: Uma Oportunidade para Você Aprender e Startup: Transforme Problemas em Oportunidades de Negócio, ambos publicados pela Expressa Editora.