Em seu novo livro, o pesquisador do Insper destaca a importância de bons governos na implementação de privatizações eficazes e inclusivas
Países com governos despreparados enfrentam um dilema insolúvel. Por um lado, sofrem com a prestação precária de serviços públicos, uma vez que os governos não têm as competências necessárias para melhorá-los. Por outro lado, essas sociedades enfrentam dificuldades em propor a privatização como alternativa viável, pois há uma falta de confiança generalizada de que o processo será bem concebido e monitorado. Resultado: as mudanças necessárias só tendem a ocorrer quando os países já estão à beira do colapso.
“Esse dilema explica por que os países costumam oscilar entre momentos de ativismo estatal e reformas orientadas para o mercado”, diz Sérgio G. Lazzarini no livro A Privatização Certa – Por que as empresas privadas em iniciativas públicas precisam de governos capazes, lançado no dia 30 de junho no Insper. O evento de lançamento contou com a presença da professora Vera Monteiro, especialista em Direito Administrativo da FGV Direito SP e sócia de Sundfeld Advogados, e de Ana Carla Abrão Costa, doutora em Economia pela USP. A moderação do bate-papo ficou a cargo de Sandro Cabral, professor titular do Insper na área de Estratégia e Gestão Pública.
Durante o evento, Lazzarini — que é pesquisador sênior da Cátedra Chafi Haddad de Administração do Insper, fundador do Insper Metricis e professor da Ivey Business School, da Western University, no Canadá — explicou que este livro fecha uma trilogia de obras com foco nas implicações das interações entre os setores público e privado. A série começou com Capitalismo de Laços (2011), que discutiu como as privatizações ocorridas na década de 1990 reforçaram a presença do governo brasileiro em vários corporações e indústrias. O livro seguinte, Reinventando o Capitalismo de Estado (2014), em coautoria com Aldo Musacchio, analisou empresas estatais com diversos mecanismos que misturam patrocínio público e capital privado.
Já em A Privatização Certa, o objetivo de Lazzarini é promover uma discussão fundamentada e equilibrada a respeito de quando e como as empresas privadas podem gerar um desempenho superior ao do Estado na execução de atividades eficazes e inclusivas. “No mundo instantâneo do Twitter, as pessoas querem explicações em poucas linhas, às vezes até em apenas uma linha. Elas querem que você tome partido: afinal, tem que privatizar ou tem que estatizar? Ou tem que fazer uma parceria público-privada? No entanto, o livro que escrevi não me permite concluir de forma simplista. Cada uma dessas opções pode ser viável, dependendo de certas condições, e até mesmo podem coexistir. Podemos ter empresas estatais e empresas privadas operando juntas, criando uma situação plural”, disse Lazzarini durante o bate-papo. “A conclusão do livro, paradoxalmente, dado que o tema é privatização, é que a privatização não é uma forma de se livrar de maus governos. Você precisa ter um governo bom para que o processo seja adequadamente implementado.”
Lazzarini relatou que, para a escrita de seu novo livro, foram fundamentais alguns projetos que marcaram muito sua carreira e sua vida. Um deles foi uma pesquisa comandada justamente por seu colega Sandro Cabral, a respeito de presídios no Paraná cuja gestão foi terceirizada para operadores privados, no fim da década de 1990. Esses presídios privados, em comparação com suas contrapartes públicas, registraram indicadores superiores, como menos mortes e fugas. Apesar dos resultados positivos, os contratos foram rescindidos por motivos ideológicos — o novo governador, eleito pela oposição, era contra as privatizações.
O professor Cabral, moderador do bate-papo, apresentou alguns dados que indicam uma mudança nesse cenário. “Até o primeiro trimestre deste ano, foram assinados 232 contratos de parceria público-privada no Brasil. Os quatro estados com mais PPPs são São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia. Na sequência, do 5º ao 9º lugar, são todos estados do Nordeste, que nos últimos dois anos vêm sendo governados pela esquerda e estão investindo em PPPs e concessões”, disse Cabral. “É uma situação que chamo de ganha-ganha-ganha, pois ganha a população, que é beneficiada com um serviço de melhor qualidade; ganha o empresário, com a valorização de sua carteira de investimentos; e ganha o político, que é reconhecido pela população.”
Para a economista Ana Carla Abrão Costa, o ponto central não é o tamanho do Estado, mas sua eficiência na prestação de serviços públicos. “Apesar dos debates em torno do Estado mínimo e das privatizações nas décadas passadas, as evidências mostram que o Estado continua crescendo”, observou a economista. “Mas a pergunta que temos que fazer hoje é outra: quão eficiente é o Estado na provisão de serviços públicos? Qual a qualidade e o acesso que a população tem a esses serviços? Esse é o objetivo. Eu digo que um programa econômico hoje não é um programa econômico — é um programa social, porque o que precisamos entregar é serviço público de qualidade, é acesso, é inclusão.”
A professora Vera Monteiro destacou a importância do livro de Lazzarini e a conclusão impactante de que os governos importam. Ela elogiou a forma como o autor construiu seu argumento usando casos internacionais e trazendo um novo colorido para o debate. Enfatizou também o papel crucial dos servidores públicos e a importância de reformas no sistema de carreiras, avaliação de desempenho, gestão estratégica e valorização da administração pública. “Eu fiquei extremamente satisfeita com a conclusão desse livro, pois ele traz evidências para uma afirmação importante: não se trata de estar a favor ou contra o governo, mas sim de estar a favor de gente. O governo é composto por pessoas. Ser a favor de gente significa ser capaz de conversar, dialogar e identificar problemas, ocupando um espaço para enfrentar desafios, independentemente de estar no setor público ou privado.”
Lançado originalmente em inglês, pela Cambridge University Press, em 2022, o livro A Privatização Certa é elogiado pela crítica por sua profundidade de análise, riqueza de evidências e sua capacidade de transcender a ideologia. Ele se concentra na identificação das condições sob as quais a privatização pode atingir melhor os objetivos públicos em comparação com a provisão estatal.
“Ao contrário do que muitas vezes encontramos em debates públicos, não tenho nenhuma preferência intrínseca pela propriedade privada ou pública, e por uma simples razão: teorias e evidências mostram que ambos os tipos de propriedade são importantes, a depender do contexto e do peso relativo que cada sociedade dá à eficácia e à inclusão”, explica o autor na Introdução do livro.
A obra faz uma revisão do pensamento acadêmico sobre o papel das organizações privadas e públicas na geração de benefícios sociais, ampliando a análise além da capacidade de fornecer bens públicos. Lazzarini explora os conceitos de eficácia e inclusão, ressaltando que a ênfase em cada um deles depende das preferências da sociedade. Com base nessas dimensões de desempenho, o autor oferece uma estrutura de tomada de decisão que descreve as condições favoráveis à adoção de diferentes formas de prestação de serviços, incluindo gestão privada, colaborações público-privadas e organizações públicas.
Lazzarini também apresenta um roteiro para conceber, implementar e monitorar com sucesso os processos de privatização, visando evitar as falhas e a oposição frequentemente associadas a essas iniciativas. Ele ressalta que a privatização não é um objetivo final, mas uma oportunidade de escolha informada e de amplo debate público.
Ao longo da obra, o autor reflete sobre as interações entre os setores público e privado, analisando tanto as vantagens quanto as preocupações relacionadas à influência estatal nas empresas e indústrias. O livro desmistifica a ideia de que as empresas privadas estão exclusivamente focadas na maximização do lucro, lembrando que existem donos de empresas com vocação social e que incentivos contratuais podem ser estabelecidos para promover o impacto social e a inclusão.
Em suma, A Privatização Certa é uma leitura valiosa para os interessados em compreender os desafios e as oportunidades associados à privatização e à interação entre os setores público e privado. Acima de tudo, a obra enfatiza que, na decisão de privatizar, o mais importante é ter governos competentes. Com um bom governo, que sabe onde está o problema e o que fazer, o fato de a gestão ser pública ou privada se torna menos relevante.
A Privatização Certa
Portfolio Penguin, 408 págs.