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Interpretação de regras

Leigos e profissionais do direito privilegiam sentido literal das regras

Experimento em 15 países testou resposta a contradições entre o espírito e a letra das regras
04/05/2023 17:28

 

Expostos a divergências entre o que está escrito numa regra e o que os seus formuladores quiseram disciplinar com ela, participantes de um experimento internacional privilegiaram a interpretação literal. Essa tendência, acentuada em profissionais do direito, sugere que o sentido textual atua como coordenador de decisões e expectativas sobre a aplicação das leis.

Uma situação na qual texto e espírito entram em conflito ocorre, por exemplo, no caso de uma regra cujo texto, com o propósito de evitar acidentes, pune quem conduz um veículo com qualquer quantidade de álcool detectável no corpo. Quando um motorista é flagrado após usar um produto tópico contra mau hálito contendo álcool, o texto sugere que ele violou a regra, mas o propósito sugere o oposto. Também há contradição entre texto e propósito no caso de um cidadão que dirige sob o efeito de uma outra droga ou alucinógeno.

O pesquisador Guilherme de Almeida, do Insper, integrou o grupo que conduziu um estudo em 15 países para detectar padrões de respostas de profissionais do direito e de pessoas não especializadas diante desse tipo de dilema. Foram aplicados questionários com simulações de conflitos entre espírito e letra de regramentos a mais de 4 mil leigos em nações culturalmente diversas entre si, entre as quais Brasil, Canadá, Alemanha e Índia. Graduados e graduandos em direito foram questionados em quatro países: Estados Unidos, Polônia, Holanda e Finlândia.

No teste mais abrangente, três casos hipotéticos foram apresentados aos participantes. Além da questão sobre a lei seca no trânsito, houve uma sobre proibição de consumo de comida em sala de aulas e outra sobre o veto a fiscalizações policiais em celulares de suspeitos sem mandado judicial. Como regra, as pessoas pesquisadas tenderam a considerar mais imorais as atitudes em que alguém se aproveita de uma lacuna legal — dirigir sob efeito de droga não detectada no bafômetro, por exemplo — para driblar o espírito da norma.

Ainda assim, os participantes tenderam a convergir para a conclusão de que a regra não foi violada nesses casos em que não há veto textual à conduta. No exemplo oposto, quando a letra da norma pune mesmo quem respeita o espírito da proibição, os inquiridos se inclinaram a concordar com que houve quebra da regra. O privilégio à interpretação textual se verificou nos participantes não especializados e, com mais intensidade, nos especialistas do direito.

Embora a interpretação textual prevaleça na maioria dos países pesquisados, com destaque para o Brasil nesse quesito, na Espanha e na Holanda ocorreu o inverso: a maioria dos participantes preferiu as interpretações não literais que mais se aproximavam do propósito da regra.

Numa segunda proposta, simularam-se situações em que uma pessoa pesquisada terá de ser o juiz de oito casos dicotômicos entre espírito e letra da regra. Essa pessoa foi informada de que haveria um segundo juiz dos casos, com o qual não poderia se comunicar antes de concluir o veredicto. Para metade dos participantes, escolhida por sorteio, foi oferecido um pequeno prêmio em dinheiro para quando houvesse ao menos seis decisões idênticas à do segundo juiz.

Nesse jogo com incentivo à coordenação entre dois atores que não se comunicam — similar ao que ocorre na operação do direito, caracterizado por decisões judiciais individuais e possibilidades de recurso —, houve maior aderência à interpretação textual das regras do que no grupo que não recebeu o estímulo à concertação.

O que está escrito em estatutos, contratos, leis e outros regulamentos confirmou nesse experimento a expectativa teórica de funcionar como um foco para a coordenação de cidadãos e especialistas que não necessariamente se conhecem em torno da aplicação mais estável das normas. A interpretação textual prevaleceu mesmo diante do custo de conflitos pontuais com o espírito das leis e com o que seria considerado certo pelos padrões morais e reforçou-se entre especialistas do direito e, entre a população em geral, mediante estímulos à coordenação.

 


Leia o estudo:

Coordination and Expertise Foster Legal Textualism.


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