Estamos realmente trabalhando para ter e oferecer às próximas gerações as condições de vida e sociedade sobre as quais tanto discutimos nas rodas de amigos?
Renata Frischer Vilenky*
O americano Alvin Toffler, um dos maiores estudiosos de futuros do século 20, já dizia: “Os analfabetos do século 21 não serão aqueles que não sabem ler e escrever, mas aqueles que não sabem aprender, desaprender e reaprender”. Essa frase profunda nos leva ao questionamento se realmente entendemos o valor do aprendizado e se sabemos o significado de aprender.
Para nos certificarmos de que conseguimos identificar quando aprendemos, vamos pensar naquela receita de bolo da nossa avó que comemos por várias vezes, que adoramos, com o qual temos um vínculo afetivo e, ao crescer, queremos repetir para prolongar esse sentimento gostoso de família.
Pegamos a receita, escrita no caderninho guardado há vários anos, seguimos cada passo das instruções e, ao comer o bolo, não identificamos no paladar o bolo de nossa avó. Como pode acontecer? Acompanhamos durante a infância todas as vezes que nossa avó foi para a cozinha fazer o bolo, ficamos ao lado dela, até mexemos a massa algumas vezes, mas o bolo não ficou igual.
Provavelmente, o que aconteceu é que entendemos como nossa avó fazia o bolo. Ela anotou os ingredientes, as medidas de cada um para usar, porém, ao fazer o bolo, não prestamos atenção aos detalhes do processo. Portanto, não aprendemos a fazer o bolo da nossa avó. Só entendemos como era feito o bolo e aprendemos a fazer um bolo — o que é bastante diferente. Neste caso, temos duas opções: criar um bolo novo que nos remeta à infância a partir de uma base aprendida pelo acompanhamento da nossa avó na cozinha, ou continuar treinando até alcançar a massa e o gosto do bolo da nossa avó.
De qualquer forma, está claro que entender não significa aprender. Entender significa que compreendi as informações e, a princípio, não tenho dúvida sobre o que ouvi. Aprender significa que entendi as informações e sei aplicá-las exatamente como foram ensinadas, gerando o mesmo resultado ou, eventualmente, um resultado até melhor.
Se existe uma diferença tão importante entre entender e aprender, será que temos aprendido com nosso cotidiano ou apenas entendido o que vem acontecendo? Vamos avaliar:
1. Já ouvi várias pessoas dizerem que a pandemia foi uma época terrível por seu isolamento, pela falta de contato com as pessoas e pela necessidade de ficarmos “presos”. Também ouço o tempo inteiro que o mundo está mais rápido, que as pessoas não querem perder tempo e para isso precisamos pensar nossas empresas e negócios de uma forma ágil e entregarmos o que o cliente deseja. Será que entendemos o que tudo isso significou, significa, e aprendemos sobre o que de fato os nossos clientes têm nos demandado, ou o que realmente queremos como forma de vida?
Como exemplo, pensemos no tag colocado nos carros para não parar nos pedágios, nos estacionamentos de shopping e eventualmente nem parar nos estacionamentos de lojas, para ganhar tempo e assim não precisar falar com ninguém. Agora pense na instalação de aplicativos para pedir comida, receber em casa, não sair, não falar com ninguém e assegurar a comodidade de pedir comida e comer sem sair de casa e sem precisar ficar em locais com filas ou muita gente. Por último avalie os EADs que nos permitem estudar em casa, sem precisar frequentar uma sala de aula, repleta de pessoas, pegar condução com pessoas para chegar a aula e ter o trabalho de conversar com o segurança da catraca da escola, a pessoa que limpa a sala de aula, a pessoa que eventualmente leva o café, o professor, os colegas, entre outros transeuntes que podemos nos relacionar.
Então me pergunto: Queremos “isolamento” ou não? O problema é que o isolamento da pandemia não foi controlado por nós? O que aprendemos com a pandemia? Mudamos algum comportamento? Revisitamos alguma visão enviesada que tínhamos? Passamos a entender e respeitar mais a situação do próximo? O que significa uma vida mais conveniente? Pense com seu travesseiro.
2. Vamos mudar de assunto e fazer outra reflexão. A quantidade de empresas e pessoas que falam sobre ESG atualmente é incrível. Muitas discussões acaloradas, muitas exigências para criação de métricas, muitos impactos nas avaliações de investimento. Mas quanto dessas responsabilidades com o planeta, com o próximo, com a ética não vem de casa e é parte da nossa educação?
Nossos pais não nos ensinaram a não jogar o lixo no chão, não nos ensinaram que precisávamos respeitar as pessoas diferentes de nós porque gentileza e respeito geram relações saudáveis?
Nossos pais não nos ensinaram a não brincar com fogo, com água, com armas, entre outros apetrechos, porque podemos nos machucar ou machucar o próximo que pode ser um humano, um bicho ou uma planta?
Podemos dizer que nem todos tiveram este tipo de educação? Ok. Então vamos pensar de outra forma: moramos no planeta Terra, portanto, a Terra é a nossa casa. Você joga lixo dentro da sua casa, coloca fogo na sua casa, maltrata as plantas, bichos e pessoas da sua casa?
Se precisamos estar cercados por muros ou paredes para aprender a respeitar espaços, pessoas, natureza e planeta, qual a diferença entre nós e os presidiários que estão entre muros e paredes porque cometeram crimes contra a sociedade? Precisamos ter por escrito em regras o que em tese deveria ser parte de nossa educação ou consciência sobre valor da vida? Converse com seu espelho.
3. Ok, esta reflexão está um pouco dolorida, vamos tentar ser mais leves. Se dizemos que queremos um país melhor, uma sociedade melhor, um mundo melhor para nós e para nossas futuras gerações, por que aceitamos que as mídias sociais , os canais de comunicação e nós mesmos, ao nos comunicarmos em público, em pequenos grupos, em relações de amizade ou em relações familiares, tragamos várias notícias ruins ou várias agressões verbais, em vez de buscar todas as coisas boas que estão acontecendo em nosso planeta para compartilhar e fomentar uma vida mais saudável usando a comunicação? Conseguimos entender que a forma como nos comunicamos também propaga uma energia que pode construir ou destruir relações?
O que será que significa um mundo melhor para nós? Qual a nossa responsabilidade individual na transformação diária do todo? Pense no chuveiro.
4. E o tema diversidade e inclusão, virou bandeira política, modelo ativista ou forma de agrupar pessoas por um único olhar. Como podemos discutir pensamentos isolados, por grupos de interesse? Somos todos terráqueos, com experiências, valores e origens diferentes e esta é a maior contribuição que podemos trazer para qualquer contexto desde que o respeito ao contraditório seja premissa da boa convivência.
Quando foi que a morreu frase que sempre ouvi da minha mãe? “O seu espaço acaba onde começa o meu espaço, e o lugar de fala pertence a nós, porque, sabendo nos ouvir, aprenderemos uns com os outros e nos tornaremos pessoas mais inteligentes e sábias, porque erraremos menos. Aprenderei com seus erros e você com os meus, nos permitindo cometer erros novos, mas jamais os mesmos.” Pense nos seus momentos de reflexão.
5. Será que você já está conseguindo distinguir o que apenas entendeu em sua trajetória e o que já aprendeu? Vamos a um último momento e prometo deixá-lo com seus pensamentos.
É frequente a reclamação de que a comida está mais cara, de que os produtos e serviços estão mais caros, que o acesso à cultura está mais caro, e então chega a grande dúvida: quanto estamos trabalhando para mudar este cenário? Como olhamos para a perspectiva de frequentar lugares públicos como parques e praças, quanto cobramos e incentivamos que existam mais programas culturais que ofereçam acesso de uma forma mais democrática, quanto aplicamos do conceito de reciclagem em nossas vidas pessoais e profissionais, quanto usamos o conceito da inovação para fazer mais e melhor com menos?
Temos tantos desafios onde boas cabeças, bem-intencionadas e preparadas podem ajudar a mudar completamente o cenário atual e gerar um mundo várias vezes melhor. Será que não fazemos porque nosso olhar é fazer só aquilo do qual poderemos usufruir? Será que aprendemos que transformações relevantes são uma jornada e muitas vezes semearemos e plantaremos para outros colherem no futuro, e então desistimos? Ou será que simplesmente nos acostumamos a reclamar, em vez de arregaçar as mangas e trabalhar para mudar e influenciar mais pessoas a contribuírem com esta mudança que queremos ver no mundo?
Não estou falando de certo ou errado, de justo ou injusto. Estou querendo avaliar com você se realmente estamos trabalhando para ter e oferecer às nossas famílias e às próximas gerações as condições de vida e sociedade sobre as quais tanto temos discutido nas rodas de amigos e grupos com os quais convivemos. Temos passado por tanta coisa, e ainda há tanto por vir. Como estamos encarando esta nossa existência no planeta? E quanto estamos aprendendo com tudo de bom e de desafiador que nos acontece no cotidiano? Podemos ganhar musculatura, nos tornarmos mais fortes, mais sábios, mais responsáveis, mais atuantes e gentis, ou perderemos esta excelente oportunidade de construir um presente que gere o futuro que gostaríamos de ver ou fazer acontecer. Esta escolha é individual e intransferível. Faça a sua escolha, responsabilize-se por ela, aprenda por ela e viva em função dela.
Leve a vida leve!
* Renata Frischer Vilenky é alumna Insper do MBA de Administração da turma de 2008, coordenadora do Grupo Alumni de Tecnologia e membro da Academia Europeia da Alta Gestão. É conselheira de estratégia e inovação e mentora de projetos de inclusão social no Instituto Reciclar e na ONG Gerando Falcões. É autora dos e-books Artificial: Uma Oportunidade para Você Aprender e Startup: Transforme Problemas em Oportunidades de Negócio, ambos publicados pela Expressa Editora.