No curso de pós-graduação do Insper, Bruna Arenque estudou formas de renovar uma linha de financiamento às pesquisas em políticas públicas
Leandro Steiw
A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) mantém, desde 1998, o Programa de Pesquisa em Políticas Públicas (PPPP), uma linha de financiamento que foi considerada inovadora na época. Chegou a receber 300 propostas por ano de pesquisadores interessados em investigar políticas públicas. A demanda era alta para programas com linhas de pesquisa tão específicas. Mas, com o passar do tempo, o programa passou por um período de menor interesse e visibilidade. Há cerca de dois anos, ocorreu a primeira reformulação significativa do programa.
O Programa Avançado em Gestão Pública (PAGP) do Insper deu uma contribuição relevante nessa renovação. Quem conta é Bruna Cersózimo Arenque, coordenadora científica do PPPP: “Quando entrei na Fapesp, em 2015, me lembro de ter tido contato com esse programa, mas não era uma coisa muito recorrente, pois outras linhas de pesquisa tinham maior sucesso e eram mais trabalhadas. Isso sempre me chamou atenção. Em 2018, comecei a pós-graduação em Gestão Pública no Insper. Foi quando passei a olhar com mais cuidado para aquele programa e a tentar entender o seu histórico”.
Bruna diz que, ao estudar o legado do PPPP, algumas questões foram identificadas na raiz dessa queda de demanda. Em primeiro lugar, as propostas passaram a ser submetidas a qualquer momento na Fapesp, então não havia mais períodos de reativação para manter e ampliar o interesse dos pesquisadores. A linha de fomento acabou restrita a um grupo de cientistas que já conhecia o financiamento desde meados de 1998.
Os gestores públicos, que também poderiam participar das pesquisas, não conheciam ou se interessavam. “Obviamente, por não ter tido um segundo olhar, esse mecanismo de fomento ficou um pouco obsoleto para as demandas”, afirma Bruna. “Faltava um olhar mais protagonista do gestor público. Até então, o cientista levava as problemáticas que achava importante estudar e só depois envolvia o gestor. Isso pode até funcionar, mas dificilmente haverá um casamento entre aquele conhecimento que foi gerado.”
Antes da reformulação, um pesquisador da instituição sede (ligada a ciência e tecnologia do estado de São Paulo) precisava encontrar um parceiro na gestão pública (chamada de instituição parceira no projeto), que seria o local de discussão e implementação das políticas avaliadas. A proposta de ambos era submetida ao comitê da Fapesp. Caso fosse aprovada, concedia-se um financiamento de 200.000 a 300.000 reais, destinado a materiais permanente e de consumo e a algumas bolsas. Não havia uma comunicação específica ou maiores incentivos para a participação desses gestores públicos na pesquisa.
Segundo Bruna, verificou-se também que o comitê era focado em ciências humanas, que tinha certa dificuldade em julgar políticas públicas em todas as outras áreas de conhecimento. “A própria comissão já havia identificado a falta de especialistas para as muitas propostas, por exemplo, nas áreas de saúde e ambiental”, diz ela. “E havia um olhar acadêmico, de pesquisadores que trabalham com evidências para políticas públicas, e não de revisores com o olhar da gestão.”
Outras contrapartidas também pareciam afastar o interesse pelo PPPP, entre os quais o compromisso da instituição parceira em aplicar os resultados da pesquisa por um período de 10 anos. Nem sempre os resultados são aplicáveis, nem as pessoas permanecem tanto tempo envolvidas com a mesma política. “O cliente da Fapesp é o pesquisador das instituições acadêmicas”, diz Bruna. “Historicamente, cobrava-se desse pesquisador os resultados, a publicação científica e o relatório final, mas pouco se conseguia acessar sobre o que tinha acontecido na gestão pública, que era um dos objetivos finais do programa.”
Instigada pelo potencial de mudança no programa de fomento às pesquisas em políticas públicas, Bruna estudou o PPPP no seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) no Insper, orientado pelo professor Sérgio Lazzarini. “O Lazzarini me deu a dimensão de que precisávamos focar em algo bem específico, entendeu o contexto institucional desse programa e como as pessoas se relacionavam com ele”, diz. “Na Fapesp, em 2020, o Luiz Eugênio Mello havia assumido o cargo de diretor científico e foi fundamental para catalisar as mudanças de tudo o que estava sendo discutido, indicando como diretriz a busca de soluções transversais para problemas reais complexos por meio da pesquisa orientada à missão.”
Coordenadora de programa científico, Bruna já convivia com a realidade do aperto de orçamentos de pesquisa. “Toda vez que o recurso orçamentário é menor, as fundações que financiam pesquisas são mais cobradas por impacto”, afirma. “Elas deveriam ser cobradas por impacto sempre, mas, quando o recurso é mais escasso, há maior pressão externa. E, diante de todas essas pressões sobre o orçamento para pesquisa científica, até a Fapesp, naquela época, começou a ter problemas de aporte de recursos.”
Ela prossegue: “Encontramos uma oportunidade para discutir a necessidade de criar a cultura institucional de mensurar os impactos das pesquisas e mostrar a que resultados estão chegando os financiamentos em políticas públicas. Se conseguíssemos fazer esse tipo de acompanhamento de impacto social e econômico para o PPPP, ele poderia valer para outros programas antigos e estratégicos da Fapesp, como nas áreas de biodiversidade, mudanças climáticas e bioenergia”.
Diversos elementos para o processo de mudança vieram dos aprendizados do PAGP. “O curso do Insper foi primordial”, afirma Bruna. “Se não fosse pela pós-graduação em Gestão Pública, essa discussão não teria sido movimentada. O que penso hoje: esse programa, mais cedo ou mais tarde, teria sido olhado. Mas só começamos naquela ocasião motivada pelo curso. Tanto que começaram a ser criadas outras linhas de fomento para esse tipo de pesquisa mais aplicada, por demanda da comunidade, de outras diretorias e do governo do estado, entre outros.”
Quando terminou o doutorado em Biologia na Universidade de São Paulo (USP), em 2014, Bruna decidiu descolar-se um pouco da área de pesquisa acadêmica para ganhar outras experiências no mercado de trabalho. “Comecei a enviar currículos para algumas instituições, sempre de olho em fundações similares à Fapesp, que eram um lugar de trabalho de gestão científica que me interessava”, recorda.
Em 2015, os interesses se cruzaram. “Quando entrei na Fapesp, descobri que eu não tinha uma boa formação em gestão”, diz. “Como bióloga, tinha uma mínima formação para dar aulas e um pouco de noção institucional. Entrei na Fapesp com essa cabeça de doutora recém-formada, de que você pode ser criativa para mudar as coisas, para montar um experimento, para resolver problemas, e me senti perdida porque existia uma estrutura toda fechada, pouco flexível, com processos já estabelecidos.”
Bruna já terminara uma pós-graduação em gestão ambiental na USP. Entretanto, sentia falta de embasamento teórico sobre políticas públicas. Três anos depois, o Insper abriu a primeira turma do PAGP, para a qual Bruna se inscreveu, foi selecionada e recebeu bolsa de estudo da escola — já que, como funcionária em cargo de comissão da Fapesp, não recebe ajuda financeira para cursos. “O programa de bolsas do Insper é muito importante, porque me permitiu fazer a pós-graduação quando eu não teria recursos”, diz Bruna.
Os dois anos de estudos no PAGP são chamados por ela de “revolucionários”. “Estudamos tanto na vida e, quando fazemos um curso, nos damos conta de sabermos pouco”, afirma. “Tive contato com pessoas de áreas tão diferentes, que trabalhavam em instituições do Brasil inteiro, com experiências tão diversas. Foi muito rico. Tenho uma ótima lembrança das aulas e dessa troca entre pessoas, dos estudos de caso, do desafio que os professores enfrentaram para lidar com essa turma tão diversa. Mas acho que esse era o diferencial que eles estavam buscando.”
Particularmente, Bruna rememora as aulas da professora Patricia Tavares sobre liderança e a resistência que algumas pessoas impõem às inovações na estrutura organizacional. “Em muitos momentos da renovação do PPPP, eu pensava nos ensinamentos dela, de quem são os aliados e de quem coloca empecilhos por receio de que as mudanças avancem”, conta. “Esse aprendizado foi importante para lembrar que eu precisava encontrar pessoas que achavam o projeto interessante, dispostas a fazer críticas construtivas, mas sem paralisar tudo, para podermos seguir em frente.”
As inscrições para a próxima turma do PAGP estão abertas. As aulas começam no dia 21 de julho de 2023, com atividades quinzenais nas sextas-feiras, das 18h às 22h, e nos sábados, das 8h às 17h. No total, são 360 horas-aula e mais 60 horas de seminários, oficinas e atividades de aplicação de campo do conteúdo do curso.