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Especialistas discutiram maiores desafios do urbanismo social

Participantes do debate realizado no lançamento do primeiro guia do país voltado para o tema apontaram caminhos para a efetiva transformação dos territórios mais vulneráveis 

Participantes do debate realizado no lançamento do primeiro guia do país voltado para o tema apontaram caminhos para a efetiva transformação dos territórios mais vulneráveis 

Carlos Leite_Carmen Silva_Rebecca Dantas_Lançamento do Guia de Urbanismo Social
Carlos Leite, Carmen Silva e Rebecca Dantas durante o lançamento do Guia de Urbanismo Social

 

Michele Loureiro

 

“O urbanismo social é o encontro das escutas.” A frase da professora Carmen Silva ajuda a entender a complexidade e a importância do tema abordado no evento de lançamento do Guia de Urbanismo Social, realizado no dia 20 de março no Insper. Líder comunitária, cofundadora do Movimento dos Sem-Teto do Centro (MSTC) e integrante do Núcleo de Mulheres e Territórios do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper, a baiana de 61 anos já vivenciou as consequências da falta de planejamento habitacional. 

Ao parabenizar os idealizadores do Guia iniciativa do Núcleo de Urbanismo Social do Laboratório, produzido em parceria com a consultoria Diagonal, publicado pela BEĨ Editora e tendo a coordenação do urbanista e professor Carlos Leite , Carmem aproveitou para dar seu depoimento. “Sou uma mulher negra que na década de 1990 fugiu do interior da Bahia para São Paulo para não morrer na mão de um agressor, por temer um feminicídio. Eu me senti uma refugiada dentro do meu próprio país e notei que a diversidade que deveria nos unir é o que mais nos separa”, relatou. 

Durante o debate que se seguiu ao lançamento do Guia que contou com a presença de outros colaboradores da obra e nomes de peso no tema do urbanismo social , Carmem lembrou que morou nas ruas de São Paulo e depois se mudou para um albergue, onde conheceu o movimento dos sem-teto. “Chegamos a ocupar alguns imóveis, mas, depois de tantas escutas e amadurecimento, consegui perceber que ocupar algo vazio e denunciar a falta da política pública não era o bastante”, afirmou. “Aos poucos percebi que moradia não é uma caixa, um prédio vazio. A moradia deve vir rodeada de outros direitos e acessibilidade. Não adianta ter um teto se não tem trabalho, educação, se não se discute nosso papel como cidadão dentro do território.” 

Carmen disse acreditar na micropolítica, na escuta para compreender as necessidades reais da população. “A gente pode transformar um território quando há equilíbrio entre o social e popular com o governo e com o poder privado. O movimento que lidero hoje tem o protagonismo das mulheres que ajudam a buscar esse equilíbrio e incentivar o pertencimento ao território. Por isso, tenho orgulho do Guia de Urbanismo Social, que não foi feito com um pensar teórico. Foi elaborado por pensadores que têm a prática.” 

 

Participação do governo é decisiva  

Carlos Mário Rodrigues, professor emérito no Instituto Tecnológico de Monterrey, na Cidade do México, e que foi fundamental na implantação do urbanismo social pioneiro da cidade colombiana de Medellín, também participou do evento. Ele começou sua fala destacando que o urbanismo social é muito importante na medida em que coloca o cidadão como instrumento central da transformação, mas frisou a necessidade de uma participação ativa do governo. 

“É nas políticas de urbanismo social que encontramos a possibilidade de dar valor às pessoas que habitam as periferias urbanas. As mudanças começam pelo governo, que precisa construir uma política forte de urbanismo. O movimento segue acompanhado pelas academias, organizações não governamentais e tendo a comunidade como corresponsável do território”, disse Rodrigues. “Essa rede, porém, não funciona quando não é assumida pelos governos locais porque é um exercício de governança fazer a transformação. O Guia de Urbanismo Social fala sobre esse processo da responsabilidade do Estado sobre os territórios e traz ótimas contribuições.” 

Tal como Carmen, o especialista colombiano observou que o urbanismo social não se restringe a um enfoque territorial. “Trata-se da perspectiva de como garantir que todos os instrumentos estão dispostos de maneira simultânea. É um exercício urbanístico em que se garantem iniciativas de saúde, educação, segurança e economia. Ou seja, que o território tenha possibilidades de evoluir com base em uma política pública que articule e integre esse local na cidade como um todo”, afirmou Rodrigues. “Assim como é importante instalar equipamentos e serviços, é preciso instaurar uma estratégia econômica que permita fortalecer dinâmicas locais e colocá-las em sintonia com a economia que já é real no território.”  

 

Riscos de programas em larga escala 

Por sua vez, o educador Ricardo Balestreri, ex-secretário de Cidadania do Pará e que participou do grupo que instituiu o programa Territórios da Paz e Usinas da Paz, inspirado no urbanismo social de Medellín, disse estar impressionado com a qualidade e a consistência do trabalho realizado para a elaboração do Guia. “O material traz um mapeamento seguro do que vem dando certo e também do que não vem mostrando sucesso, o que significa aprendizagem e possibilidade de mudança. Além disso, traz riqueza para o processo de transformação do Brasil em termos de políticas públicas, ações do terceiro setor, academia e movimentos comunitários que prezam pelo protagonismo social.” 

Balestreri defende que as práticas de urbanismo social sejam realizadas de forma contida. “Não podemos cometer a insensatez e a ingenuidade de começar os processos pelas grandes escalas do governo, que simplesmente vai instalando experiências em todos os lugares. Tenho mais de quinze anos de experiência em administração pública e nunca vi dar certo quando as ações são genéricas”, sublinhou Balestreri. “As experiências devem ser territorializadas, em cima de critérios pontuais, e têm que contar com a contaminação positiva do crescimento em médio e longo prazo.” 

Ele exemplificou com o Programa de Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), que foi implantado no Rio de Janeiro em 2008, como uma estratégia de ocupação de favelas para o combate ao crime. “O supercrescimento repentino, motivado pelo sucesso político, atrapalhou o programa. Só porque deu certo em um lugar, quiseram colocar em muitos pontos e não houve condição administrativa para suportar esses processos expansivos que acontecem para agradar a prefeitos, ministros e governadores, perdendo-se as especificidades técnicas”, observou. 

Balestreri afirmou que é papel do governo dar escala, entretanto, com responsabilidade, levando em conta pontos como o orçamento, o capital humano e a possibilidade de avaliação e acompanhamento permanente para que os equipamentos não sejam abandonados à própria sorte. “Os processos de descontinuidade de iniciativas sociais são um problema do Brasil, e o Guia nos ajuda a visualizar isso com clareza”, frisou ele. 

 

A construção do urbanismo social  

Rebecca Dantas, gestora do Programa Urbanismo Social da Prefeitura de São Paulo, também participou do debate e afirmou que, assim como o novo Guia, o curso de Pós-graduação em Urbanismo Social do Insper, que ela fez, e a manutenção do Laboratório Arq.Futuro de Cidades são essenciais para a evolução do tema e para a formação de agentes transformadores. 

“São iniciativas que nos ajudam a ter contexto e força para caminhar. Lembramos que muita gente já trabalhou para estarmos aqui agora. Por exemplo, no meu trabalho, quando cheguei já havia caminhos abertos que possibilitaram a construção das condições. Agora já estamos trabalhando nas estruturas para fazer acontecer, estamos na fase da institucionalização, de métodos, etapas e processos”, disse Rebecca. “Essa trilha é bem pontuada no Guia e ajuda muito a nortear nossos próximos passos. Temos 14 territórios sendo trabalhados na cidade de São Paulo neste momento. O cenário é desafiador, mas é satisfatório.” 

 

A relevância para o futuro 

O arquiteto e urbanista Sérgio Magalhães, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e ex-secretário municipal de Habitação da capital fluminense (1993-2000), foi responsável pela concepção da política habitacional da cidade, incluindo o Favela-Bairro, programa implementado em 155 favelas do Rio de Janeiro. 

Magalhães lembrou o período à frente da Secretaria de Habitação do Rio e disse que essa foi uma experiência transformadora. “Até então, eu era só um arquiteto, mas fui enfrentar o desafio de construir a política habitacional da cidade do Rio. Isso modificou meu modo de entender as responsabilidades do arquiteto e do cidadão comum”, declarou. 

Ele encerrou o evento elogiando a confecção do Guia e fazendo uma reflexão. “Se os políticos vivem de votos, como não enfrentam essa questão que é crucial na sociedade, que é reduzir a desigualdade, oferecer a universalização dos serviços públicos para toda a cidade e respeitar as condições do ambiente e do planeta de tal modo que as cidades possam ser centro de um mundo atento aos desafios contemporâneos e a expressão no futuro?”, indagou. “Eu penso que a intervenção nas favelas é algo muito forte para alcançar essas metas que compartilhamos. A resposta começa com essa reflexão”, finalizou. 

 


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