Luiz Fernando Durão (à esq.) e André Santana vão apresentar os primeiros resultados da pesquisa em um dos principais congressos de medicina e ciência médica no futebol, em Londres
Leandro Steiw
Luiz Fernando Durão e André Santana, docentes dos cursos de Engenharia no Insper, vão apresentar o trabalho A State-transition modeling on the football pitch as a performance tool na Isokinetic Conference 2023, uma das principais conferências de medicina e ciência médica no futebol. Em sua 30ª edição, o congresso será realizado de 27 a 29 de maio, no Queen Elizabeth II Centre, em Londres, na Inglaterra. Apenas três projetos brasileiros foram selecionados para a apresentação oral, entre os quais a pesquisa acadêmica associada ao Centro de Ciência de Dados do Insper.
Pelo Insper, também fazem parte do grupo multidisciplinar de cientistas, designers e engenheiros os professores André Filipe Batista (coordenador do Centro de Ciência de Dados), Julia Taunay e Igor Vac. De outras instituições, assinam a pesquisa Rodrigo Aquino (da Escola Superior de Engenharia e Gestão de São Paulo), Vinícius Gusmão (da startup Medroom), Paulo Taunay (da empresa BioViz Sports) e Helder Nakaya (do Hospital Israelita Albert Einstein).
O trabalho desenvolve soluções pautadas em visão computacional, modelagem de sistemas e ciência de dados. Pretende-se apoiar os clubes de futebol por meio do acompanhamento da trajetória dos seus atletas, do desenvolvimento de competências para o esporte e da estruturação de informações que sejam relevantes para respaldar as comissões técnicas.
Segundo Durão, a equipe não deseja apenas medir o desempenho dos atletas, mas entender o comportamento do jogador em relação ao seu time e ao time adversário. “Estamos menos preocupados em fazer um juízo de valor sobre o rendimento de um atleta e mais interessados em observar se ele está fora do padrão dele e se joga em padrões distintos”, diz o professor. “E, posteriormente, evoluir para a compreensão do comportamento cerebral desse jogador em determinadas situações de jogo.”
Um exemplo: o atacante Richarlison mantém o mesmo padrão quando joga com Vinícius Junior ou com Rodrygo no ataque da seleção brasileira? “Uma abordagem que estamos investigando na trajetória do atleta é essa variação dele com sua própria trajetória. Essa oscilação pode ocorrer em momentos diferentes de um campeonato ou em jogos decisivos”, afirma Santana. Por enquanto, o foco está apenas no futebol, mas os autores dizem que o método poderia funcionar em outros esportes coletivos e individuais, com algumas mudanças no modelo desenvolvido.
Santana explica que o método vem de uma abordagem que o grupo já investiga há algum tempo, relacionado à área de educação. “Existe a percepção de que é possível observar o que acontece em sala de aula e o comportamento dos estudantes a partir da forma como eles se relacionam, manifestando por meio de suas ações, quais competências estão desenvolvendo em sala de aula”, diz Santana. “Como a trajetória de um atleta se assemelha, em alguns casos, à formação de um estudante, estabelecemos algumas analogias nesse processo e enxergamos o potencial de aplicar essa mesma abordagem dentro do universo do esporte.”
A proposta foi bem aceita pela comunidade da prática de esportes, gerando as primeiras reuniões dos pesquisadores com dirigentes de clubes de futebol do Rio de Janeiro. “Pelo lado acadêmico, estamos coletando informações sobre esse processo, embora existam pesquisas correlatas já publicadas, mas não no mesmo enfoque”, afirma Santana. Um dos avanços está no uso da visão computacional para aumentar o potencial de observação do comportamento dos atletas, comparado ao que o olho humano enxerga. O método vai além da produção de estatísticas obtidas nas ferramentas convencionais, como número de chutes a gol, passes certos e errados e posse de bola, entre outros.
Para Santana, o pulo do gato está em conseguir entender a relação dos jogadores em campo e como cada atleta altera o estado de comportamento ao longo de uma partida, analisando a movimentação por meio das imagens das câmeras. “Mas, eventualmente, observamos outras variáveis desse processo, como aspectos relacionados à parte neural, se a pessoa está ansiosa, se ela está nervosa”, diz. “Conseguimos, então, virtualizar esse comportamento para fazer uma análise mais profunda.”
Os professores conheceram uma pesquisa produzida na Espanha que verificava a relação dos jogadores em ação: para quem passavam a bola, com quem reagiam, de quem se aproximavam no jogo. “Trabalhamos com essa estratégia de entender o comportamento do jogador — se ele está ocioso em campo, se está atacando, se está realizando uma ação defensiva, com quem ele interage, quanto tempo fica na zona da bola”, afirma Santana. “Para essa combinação explosiva de informações, ainda não encontramos projetos concorrentes, pelo menos declarados, que já tenham mapeado esses dados.”
Parte da motivação veio depois de uma frustração bem recente: a derrota da Seleção nos pênaltis para a Croácia, em um jogo que estava vencendo até quatro minutos antes do fim da prorrogação. “Foi muito pela indignação da eliminação da Copa do Mundo”, conta Durão. “Começamos a questionar se não haveria uma forma de, por exemplo, entender o posicionamento dos jogadores e entender se aquela configuração fazia sentido. Logo nos envolvemos na pesquisa de análise de imagens e inteligência artificial.”
Santana explica: “No jogo do Brasil contra a Croácia, houve um comportamento atípico. Os jogadores manifestaram, dentro de campo, um comportamento fora daquele esperado para uma partida convencional, talvez um jogo de menos pressão. Daí veio a motivação de pensar em como captar essas informações para fazer esse processo. Em janeiro, participamos de um congresso que ampliou a nossa compreensão sobre a tecnologia que já vinha sendo produzida no Brasil e fora do Brasil para amparar o cenário nacional de futebol. Depois, interagimos com os clubes para poder entender como levar esse tipo de solução para uma abordagem prática no futebol brasileiro. E, enfim, analisamos parte do jogo do Brasil contra a Coreia do Sul, na Copa do Mundo, cujos dados estão registrados no trabalho acadêmico submetido para a Isokinetic Conference”.
Se for desenvolvido, o método pode contribuir na formação de jogadores. “No Brasil, o futebol é um esporte que muda a vida das pessoas e tem grande importância social”, diz Santana. “Quantos talentos são às vezes perdidos nesse processo de formação? Percebemos na tecnologia não necessariamente um papel de outro agente seletor, mas talvez a possibilidade de que determinados atletas não sejam descartados antes de terem o acompanhamento adequado. Assim, não precisaríamos desperdiçar esses talentos em uma profissão que permite mobilidade social para diversos brasileiros.”
Para os estudantes do Insper, o projeto abriu uma vaga no Programa de Bolsa de Iniciação Tecnológica(PIBITI), em conjunto com a Lumen Consultoria. No dia 24 de março, os dois professores farão um plantão para tirar dúvidas sobre o processo seletivo. Futuramente, outras bolsas poderão ser criadas com o aporte de novos parceiros, entre os quais, clubes de futebol que aderirem ao projeto. “Nossa ideia é criar, de fato, um grupo de pesquisa no uso de tecnologia voltada para a saúde e o esporte”, afirma Durão.