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Herói ou vilão? O papel da inteligência artificial na crise climática

A inteligência artificial tem o potencial de mitigar os efeitos das mudanças climáticas, mas também pode contribuir para o aquecimento global

A inteligência artificial tem o potencial de mitigar os efeitos das mudanças climáticas, mas também pode contribuir para o aquecimento global

 

Alexandre Kelemen*

 

Em tempos recentes, dois temas têm se destacado em muitos grupos de conversa, desde rodas de negociações globais até o grupo de WhatsApp da minha família. Primeiro, as mudanças climáticas, especialmente em vista da recente COP28 e da polêmica em torno do nome escolhido para sua presidência. Segundo, os avanços significativos no campo da inteligência artificial (IA), que ganhou novas manchetes pela controvérsia envolvendo Sam Altman, CEO do ChatGPT. Eu, particularmente, me interesso muito pela interseção desses dois temas (nos quais, inclusive, se baseia a minha tese de mestrado). Apesar de aparentemente distintos, eles estão profundamente entrelaçados, oferecendo tanto desafios quanto soluções para o futuro do nosso planeta.

A IA, outrora um campo de pesquisa acadêmica, agora está remodelando diversos aspectos da vida contemporânea, desde a economia até a gestão ambiental. Ela oferece ferramentas revolucionárias para combater as mudanças climáticas e tem o potencial de ser uma força transformadora na luta contra as adversidades climáticas, ajudando na otimização do uso de energia, na modelagem climática avançada e na análise de dados para políticas sustentáveis. Além disso, a IA tem contribuído significativamente para a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas em vários setores. Por exemplo, modelos de IA avançados são capazes de prever padrões climáticos com precisão, auxiliando na preparação e na resposta a eventos extremos. No setor energético, a IA tem sido fundamental para aumentar a eficiência energética e promover o desenvolvimento de fontes de energia renováveis. Na agricultura, técnicas de IA aplicadas podem aumentar a produtividade, ao mesmo tempo que minimizam o impacto ambiental. E, para o monitoramento ambiental, a IA é uma ferramenta inestimável para analisar dados e informar políticas de sustentabilidade eficazes.

No entanto, o crescimento da IA tem um efeito negativo importante e que é invisível aos nossos olhos. A crescente demanda por processamento de dados e modelos de IA mais complexos e poderosos está resultando em um aumento significativo do consumo de energia e, consequentemente, nas emissões de gases de efeito estufa (GEE). O desenvolvimento e operação de modelos de IA, especialmente os mais avançados, requerem grandes quantidades de energia elétrica, que em boa parte das vezes é proveniente de fontes não renováveis. Essa demanda crescente por energia aumenta a pegada de carbono da indústria de tecnologia e, por consequência, contribui para o aquecimento global e as mudanças climáticas.

Os dados quantitativos sobre o impacto da IA nas mudanças climáticas são alarmantes. Cerca de 1% da eletricidade mundial, com uma tendência crescente, é consumida pela computação em nuvem, na qual a IA e o machine learning (ML) são componentes significativos. O treinamento de modelos de deep learning, como o GPT, pode resultar em emissões de carbono comparáveis às de múltiplas viagens transatlânticas de avião. Além disso, a demanda por IA está crescendo exponencialmente, o que leva a um aumento proporcional no consumo de energia e nas emissões de carbono. O impacto cumulativo de milhares de modelos de IA treinados e utilizados em todo o mundo é significativo, destacando a urgência de abordar esse problema.

 

O que é mais interessante sobre esse tema é que a solução do problema gerado pelo avanço da inteligência artificial é ninguém mais ninguém menos que a própria inteligência artificial. Nesse sentido, o Departamento de Ciências da Computação da Universidade de Copenhague apresentou uma solução inovadora para esse desafio: O “CarbonTracker”, uma ferramenta que permite aos desenvolvedores rastrear e prever o consumo de energia e as emissões de carbono durante o treinamento de modelos de deep learning. Essa ferramenta ajuda a aumentar a conscientização sobre o impacto ambiental dos modelos de IA e incentiva práticas mais sustentáveis na comunidade científica, inclusive, segundo o Google Scholar, o artigo de Anthony et al. (2020) que anuncia sua criação já foi citado mais de 250 vezes em outras pesquisas acadêmicas conectadas ao tema de emissões de GEE.

Na mesma linha, o “eco2AI”, um esforço conjunto de 13 acadêmicos de diversos centros de pesquisa de Moscou, oferece uma abordagem abrangente para o rastreamento de emissões de carbono, considerando o consumo de energia de diferentes unidades de hardware e as variações regionais nas emissões de CO2. Esse esforço acadêmico é crucial para permitir que os desenvolvedores de IA entendam e minimizem o impacto ambiental de seus modelos, promovendo um desenvolvimento tecnológico mais responsável e sustentável.

Concluindo (típica forma do ChatGPT terminar uma resposta), a interação entre IA e mudanças climáticas é uma questão complexa e multifacetada. Enquanto a IA oferece soluções promissoras para alguns dos maiores desafios ambientais da atualidade, ela também traz novos desafios, especialmente em termos de sua própria sustentabilidade. No entanto, a própria IA pode solucionar esse problema. Portanto, à medida que exploramos o potencial da IA para moldar um futuro mais verde, devemos estar conscientes de seu impacto ambiental e buscar um equilíbrio entre inovação tecnológica e responsabilidade ecológica. E se tiver dúvida de como fazê-lo, é só perguntar para a IA mais próxima de você.


Referências:

• Anthony, L. F. W., Kanding, B., & Selvan, R. (2020). Carbontracker: Tracking and predicting the carbon footprint of training deep learning models. arXiv preprint arXiv:2007.03051. https://doi.org/10.48550/arXiv.2007.03051

• Budennyy, S. A., Lazarev, V. D., Zakharenko, N. N., Korovin, A. N., Plosskaya, O. A., Dimitrov, D. V. E., … & Zhukov, L. E. E. (2022). Eco2ai: carbon emissions tracking of machine learning models as the first step towards sustainable ai. In Doklady Mathematics (Vol. 106, No. Suppl 1, pp. S118-S128). Moscow: Pleiades Publishing. https://doi.org/10.1134/S1064562422060230


Alexandre Kelemen

*Alexandre Kelemen é alumnus do curso de Administração (2010/1), mestrando em Sustentabilidade e cofundador da Mangue Tech, startup de tecnologia cuja plataforma utiliza dados e inteligência artificial para apoiar organizações públicas e privadas no monitoramento de seus KPIs sociais, ambientais e de governança (ESG)  e no atingimento de suas metas de net zero (zerar as emissões líquidas de carbono).

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