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Vale a pena plantar 1 trilhão de árvores?

O bilionário Bill Gates diz que não e foi repudiado pelo também bilionário Marc Benioff e por vários ambientalistas. Mas seus argumentos têm raízes sólidas

O bilionário Bill Gates diz que não e foi repudiado pelo também bilionário Marc Benioff e por vários ambientalistas. Mas seus argumentos têm raízes sólidas

 

David A. Cohen

 

Plantar árvores pode resolver o problema do aquecimento global? Esse foi um debate que acirrou alguns ânimos no mês passado, colocando em lados opostos dois dos mais famosos bilionários do mundo. Tudo começou no final de setembro, em um evento sobre clima organizado pelo jornal The New York Times, quando Bill Gates, fundador da Microsoft e hoje empenhado em diversas iniciativas humanitárias, afirmou que a ideia é “completamente sem sentido”.

É por isso que, embora apoie mais de cem startups com projetos para reduzir as emissões de gases poluentes, a Breakthrough Energy Ventures, organização criada por ele, não investe em nada que se assemelhe a plantio de árvores. “Eu não apoio as iniciativas de efeito menos comprovado”, afirmou. “Nós somos pessoas da ciência ou somos idiotas?”

Essa caracterização pode ter ferido os brios de Marc Benioff, cofundador da gigante de gestão de relacionamentos Salesforce, um dos principais incentivadores do plantio de árvores. No início de 2020, Benioff anunciou, durante o Fórum Econômico Mundial de Davos, que trabalharia com o governo dos Estados Unidos (então presidido por Donald Trump) para plantar 1 trilhão de árvores. De lá para cá, o movimento ganhou impulso: o governo de Joe Biden decidiu investir 1 bilhão de dólares no plantio de árvores, e especialmente congressistas do Partido Republicano favorecem o plano do 1 trilhão de árvores. Houve estudos prevendo que essa quantidade de árvores faria o nível de carbono na atmosfera cair 25%, para o padrão exibido no início do século 20, obtendo o apoio de organizações ambientalistas e do Programa da ONU para o meio ambiente (Pnuma).

“Eu não consigo entender por que ele lançou essa crítica agressiva”, reagiu Benioff alguns dias mais tarde. “Número um, nós precisamos chegar a zero emissão. Número dois, nós temos que plantar 1 trilhão de árvores.” Longe de querer comprar briga com Gates, Benioff lembrou que ambos são patrocinadores da Pachama, uma companhia que atua no mercado de créditos de carbono (normalmente, com projetos de preservação da natureza que viram moeda para compensar emissões de outras empresas).

Apesar da identificação generalizada das árvores com o tema da proteção ao meio ambiente, nesse debate Bill Gates parece estar mais perto da verdade. “É claro que plantar 1 trilhão de árvores não vai resolver o drama das mudanças climáticas”, diz a engenheira agrônoma Camila Dias de Sá, professora e pesquisadora no Insper Agro Global, o centro de estudos do Insper que analisa os grandes vetores de transformação e a dinâmica da inserção global do agro brasileiro, especialmente devotado a comércio e questões ambientais. “O que vai resolver é efetuar a transição energética, diminuir drasticamente as emissões responsáveis pelo aquecimento global.”

Não é que as árvores não ajudem a capturar carbono, afirma Camila. “O plantio pode ser visto como uma das inúmeras formas de agir, mas de modo nenhum como a principal.”

 

A questão é como plantar

Como quase tudo na vida, bons resultados no plantio de árvores dependem em larga medida de como ele é implementado. Empresas mundo afora se engajaram no esforço de plantar árvores para compensar suas emissões. Pode ser muito positivo, não apenas capturando carbono que iria para a atmosfera, como também criando empregos e melhorando a saúde de ecossistemas.

Mas a iniciativa também pode ser bastante negativa. “Nem sempre plantar árvores é benéfico”, lembra Camila. “Um exemplo disso é o sul do Brasil. Ali o bioma é o pampa, uma região plana composta principalmente por gramíneas. Colocar árvores resulta na degradação do bioma nativo.”

“Plantar as árvores erradas nos lugares errados pode reduzir a biodiversidade, acelerando as extinções de espécies e tornando os ecossistemas bem menos resilientes”, afirma Catrin Einhorn, jornalista que cobre biodiversidade e clima para o New York Times. E isso vem acontecendo muito.

“Empresas e países têm investido cada vez mais no plantio em grandes áreas de árvores comerciais, não nativas, em nome do combate às mudanças climáticas. Essas árvores estocam carbono, mas proveem pouco suporte à rede de seres vivos que antes habitavam aquelas áreas”, escreveu Catrin em março do ano passado.

É claro que há quem faça do modo correto. A propriedade do fotógrafo Sebastião Salgado, na região do Vale do Rio Doce, em Minas Gerais, ficou famosa por um projeto de reflorestamento iniciado no fim do milênio passado que contou com o plantio de cerca de 3 milhões de árvores nativas. O resultado foi o retorno de 172 espécies de aves, 33 de mamíferos e 15 de répteis e anfíbios, de acordo com o Instituto Terra, que cuida da fazenda.

Em Altamira, no Pará, programas de conservação da flora e recomposição da cobertura vegetal, iniciados em 2011 pela Norte Energia, concessionária da Usina Hidrelétrica Belo Monte, já replantaram até setembro deste ano 1,3 milhão de mudas nativas. No Acre, associações indígenas, ONGs e cooperativas de produtores trabalham desde 2021 no projeto Aliança Reflorestar da Amazônia, para recuperar áreas degradadas e, em alguns anos, extrair produtos sustentáveis da floresta.

A questão é que esses projetos são difíceis e lentos, por natureza. “Restauração florestal é um processo custoso”, diz Camila. “No Brasil, avançamos muito no estudo das espécies comerciais, não tanto das nativas.” Ou seja, a eficiência do plantio é uma questão. A manutenção e proteção contra pragas (formigas, ervas etc.) é outra. Uma terceira questão é o planejamento para introduzir as árvores pioneiras (que crescem rápido e vivem pouco), secundárias (de desenvolvimento intermediário) ou clímax (que demoram mais de 20 anos para produzir frutos e crescem na sombra e podem se tornar centenárias).

Além disso, há a questão da água. Se não houver esse recurso disponível em boa quantidade, as árvores podem prejudicar o bioma. “O plantio de árvores precisa ser encarado com o mesmo planejamento e adoção de tecnologia que uma cultura, como uma lavoura”, aponta Camila, do Insper.

Tudo isso sugere que o plantio de 1 trilhão de árvores como forma simples e rápida de evitar as mudanças climáticas não é uma solução factível. A medida pode contribuir para o esforço global — de acordo com um estudo do Massachusetts Institute of Technology (MIT), esse montante de árvores eliminaria cerca de 6% do dióxido de carbono que o mundo precisa parar de emitir até 2050 para atingir as metas do Acordo de Paris, firmado em 2015. Não é uma contribuição desprezível. Porém, ainda pesa o fato de que, segundo um estudo de pesquisadores dos Estados Unidos, Inglaterra, Áustria e Austrália, publicado em 2020 na plataforma de artigos científicos Frontiers, não há espaço suficiente no planeta para plantar 1 trilhão de árvores (levando em conta que plantar árvores em ecossistemas não florestais pode aumentar, em vez de diminuir as emissões de carbono; e que em savanas o plantio pode aumentar o risco de incêndios que liberam mais carbono).

 

Vista aérea do Obelisco do Ibirapuera, em São Paulo
Região do Obelisco do Ibirapuera, em São Paulo

E que tal enterrar as árvores?

Feito da maneira correta — restabelecendo ecossistemas, recuperando florestas —, é claro que o plantio de árvores é muito positivo. Isso não significa, porém, que a medida funcione como solução para o aquecimento global. O próprio Gates já havia dito isso de forma clara em seu livro, Como Evitar um Desastre Climático (Companhia das Letras), de 2021. Plantar mais árvores “tem um óbvio apelo para aqueles de nós que amamos as árvores, mas esta solução abre um assunto delicado — seu efeito nas mudanças climáticas parece ter sido exagerado”, escreveu.

Só agora, contudo, a reação foi mais forte. Não apenas Benioff, também grupos ambientalistas reclamaram nas redes sociais e em artigos na mídia. Surgiu até a revelação de que Gates ia além de não apoiar o reflorestamento; ele estaria engajado em destruir florestas. A notícia era que Gates patrocina a derrubada de 70 milhões de acres de árvores.

Não se trata exatamente de fake news, mas é uma notícia imprecisa de qualquer modo, pela ausência de contexto. De fato, o bilionário investiu 6,6 milhões de dólares na startup Kodama Systems, cujo objetivo é remover árvores das florestas da Califórnia.

A ideia, porém, não é desmatar. O projeto ambiciona remover árvores mortas ou em vias de apodrecer e enterrá-las, para evitar que liberem dióxido de carbono para a atmosfera.

As árvores absorvem dióxido de carbono de forma eficiente durante seu processo de crescimento. Quando morrem e apodrecem, porém, elas liberam o CO2. O plano é evitar essa última parte. Como? Depositando as árvores no fundo da terra, em locais que podem conter as emissões durante muitos e muitos anos. Um benefício adicional da remoção dessas árvores seria prevenir incêndios — porque folhas e galhos secos costumam pegar fogo mais facilmente —, também responsáveis por grandes emissões de gases.

Esse processo é conhecido como desbaste florestal. Normalmente é aplicado em plantações pela retirada de árvores muito finas ou defeituosas, de forma a favorecer o crescimento de árvores maiores e mais fortes em seu lugar. A ideia da Kodama é utilizá-lo no contexto do combate às mudanças climáticas.

De acordo com cálculos do cientista de clima Ning Zeng, professor da Universidade de Maryland, esse método é capaz de sequestrar quantidades consideráveis de carbono por hectare de terra. A Kodama pretende enterrar a madeira num buraco no deserto de Nevada e cobri-lo com vegetação nativa. Na região seca, espera-se que isso crie um sistema apto a preservar a biomassa de decomposição por milhares de anos.

Outras empresas exploram a mesma ideia. O plano da companhia australiana InterEarth é deixar as árvores absorverem água subterrânea salgada antes de as enterrar, uma forma de preservá-las da decomposição. O projeto Carbon Lockdown, do próprio professor Ning Zeng, prevê o depósito da madeira em poços com argila e outros materiais de baixa permeabilidade.

Mas o desbastamento florestal tem seus detratores. Grupos ambientalistas apontam que o corte e a remoção de árvores em florestas densas são um processo trabalhoso e dispendioso, de difícil automação. A construção de buracos para armazená-las também é caro e gasta muita energia. Isso tudo teria que entrar na conta dos benefícios em termos de redução do carbono na atmosfera.

Há ainda o risco de que os incentivos para o desbaste façam com que sejam removidas mais árvores do que o necessário para prevenção de incêndios — e que a falta dos nutrientes absorvidos pelo solo quando as árvores morrem deixe o ecossistema mais frágil.

 

A lacuna de Gates

Como se vê, Gates tem fortes argumentos para suas decisões — tanto de não mergulhar na campanha do 1 trilhão de árvores como para investir na ideia de enterrar árvores. Isso não significa que esteja inteiramente certo.

Pelo menos por enquanto, os processos naturais são os modos mais eficientes de capturar carbono da atmosfera (um dos projetos em que ele investe visa a criar bombas de sucção do ar para dissolver o carbono em uma solução alcalina e injetá-lo em rochas vulcânicas, mas isso está longe de ser posto em prática). Conservar plantas, micróbios e corais para capturar os gases responsáveis pelo efeito estufa é ainda a solução com melhor relação entre custo e benefício — e ainda traz vantagens como limpar as águas e regular os ciclos dos nutrientes em diversos ecossistemas.

A lacuna na lógica do bilionário é que ele dá pouca atenção à natureza em si em seus esforços para mitigar os efeitos do aquecimento global. O próprio Gates disse isso na conferência do New York Times: “Há efeitos para a humanidade. Para o planeta, menos. Ele é bastante resiliente.”

A posição de Gates, portanto, não é contrária ao plantio de árvores por si. Ela é contrária ao plantio de árvores como único método de combate ao aquecimento global.

Talvez seja uma posição radical. Afinal, alguma contribuição o plantio de árvores pode dar, e para cumprir as metas de combate ao aquecimento nós vamos precisar atuar em várias frentes.

Há um grande risco, contudo, de que os projetos de plantio de árvores sejam um prejuízo à causa. “No pior dos casos, plantar árvores pode ser uma medida usada como distração da necessidade de reduzir o consumo de combustíveis fósseis”, disse Andrew Jones, diretor executivo do Climate Interactive, uma organização de estudos do clima, à revista Fast Company.

Esse é o principal temor da pesquisadora Camila, do Insper. “O plantio não pode ser cortina de fumaça”, diz. Não à toa, o plantio de árvores recebe amplo apoio de executivos da indústria petroquímica e de membros do Partido Republicano dos Estados Unidos, em geral menos simpáticos aos esforços de mudança da matriz energética.

“É como se um fumante com risco de contrair câncer nos pulmões fosse a um médico”, comparou Jones, “e o médico lhe sugerisse uma dieta melhor e a prática de exercícios — e não o abandono do cigarro.”

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