Ricardo Balestreri, ex-secretário Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça, defende a intersecção das duas áreas para o avanço das políticas de enfrentamento da violência e do crime
Michele Loureiro
Urbanismo social e segurança pública são temas fundamentais da agenda contemporânea que não podem ser abordados de maneira isolada. Esse é o ponto de vista que norteia o novo curso de Educação Executiva do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper, intitulado justamente Urbanismo Social e Segurança Pública, que será realizado entre 30 de novembro e 2 dezembro. “Precisamos de uma boa polícia, respeitadora da lei e da moralidade, e precisamos de políticas públicas que forneçam oportunidades e inclusão social para as pessoas”, sintetiza Ricardo Balestreri, coordenador do Núcleo de Segurança Pública, Urbanismo Social e Territórios do Laboratório e docente-líder do curso.
Para Balestreri, ex-secretário nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça, o curso, com 24 horas de duração, é uma oportunidade de catalisar e agregar forças sociais e gestores públicos e privados, bem como operadores dos sistemas de segurança pública, educação e assistência social, no propósito de analisar crítica e construtivamente a realidade brasileira. “Além de discutir estudos de casos, o curso visa à formação de uma rede nacional de urbanistas sociais comprometidos com a segurança pública. Queremos construir um novo paradigma, seguramente o que mais fez falta no Brasil nas últimas décadas”, diz Balestreri.
Segundo ele, o objetivo do curso é mostrar que não há possibilidade real de urbanismo social sem levar em conta a segurança pública, da mesma forma que não há segurança pública efetiva e sustentável sem práticas sistêmicas e continuadas de urbanismo social. Acompanhe a seguir a entrevista a que Balestreri concedeu à InsperCidades.:
O sr. afirma que não se faz segurança pública só com a polícia. Como o urbanismo social se enquadra nesse contexto?
A polícia, como operadora da segurança pública, é fundamental para a manutenção dos padrões democráticos e das liberdades e dos direitos humanos da sociedade. Uma boa polícia protege a população trabalhadora e vulnerável, e é consenso que não se faz segurança pública sem uma correta polícia. Por outro lado, as polícias não conseguem transformar sozinhas a realidade do exército de reserva que alimenta o crime. Se trabalharmos sempre de forma reativa e somente com uma perspectiva repressiva, não conseguiremos resolver o problema da violência e da criminalidade. E, de fato, não temos conseguido resolver isso nos últimos quarenta anos de políticas mais invasivas e confrontativas de guerra. Precisamos nos dar conta de que dois fatores devem estar alinhados: uma boa polícia, respeitadora da lei e da moralidade, e políticas públicas que forneçam oportunidades e inclusão social para as pessoas. Sem isso, se o Estado ficar ausente, e quando entrar nos territórios vulneráveis o fizer apenas com a polícia, essas populações não se sentem protegidas e não aderem aos programas, pois estão excluídas e vulnerabilizadas. É preciso que o espaço seja ocupado não só pela polícia como também por toda sorte de serviços sociais e geração de oportunidades para que as pessoas melhorem as suas vidas, se eduquem e qualifiquem e tenham oportunidades para que não precisem, às vezes por desespero, engrossar as fileiras do crime.
Poderia dar alguns exemplos recentes em que o urbanismo social transformou a segurança pública de territórios?
Temos dois exemplos muito fortes no Brasil. Um deles é no Recife, a Rede Compaz. Sob o comando de Murilo Cavalcanti, secretário de Segurança Cidadã da capital pernambucana, sua equipe instituiu na cidade grandes equipamentos públicos que fazem multiatendimento e que oferecem oportunidades para a população. O modelo, inclusive, tem sido referência para o governo federal, e os índices de violência e criminalidade vêm caindo significativamente nos territórios onde as experiências estão instituídas. Outro exemplo são as Usinas da Paz, do programa Territórios pela Paz, que em Belém, no Pará, modificaram com bastante radicalidade a face violenta e criminosa de bairros que antes constavam nas listas internacionais entre os mais violentos do mundo. Nos últimos cinco anos, esses territórios onde foram implantadas essas políticas públicas reduziram em 86% os crimes letais intencionais. Houve também diminuição nos roubos, em mais de 76%. Tínhamos antes uma população assustada que não saia tranquilamente às ruas e que hoje volta a se relacionar e encontrar alternativas comunitárias para a transformação da vida. [De 2019 até o início de 2023, Balestreri atuou como secretário de Cidadania do Pará, posto em que idealizou e implementou os Territórios pela Paz – Terpaz e as Usinas da Paz – Usipaz.]
Como o curso de Urbanismo Social e Segurança Pública pode ajudar a criar soluções em territórios urbanos que podem ajudar a reduzir os índices de criminalidade?
O nosso programa é a primeira iniciativa de um curso executivo que congrega os dois fatores, que devem necessariamente caminhar juntos, em intersecção. Não se faz segurança pública sustentável sem práticas de urbanismo social, e as práticas não ingressam nos territórios quando não há segurança pública. Então, a dobradinha deve ser sempre adotada. Caso contrário, os resultados serão pífios ou inconsequentes. Por meio do curso, vamos analisar experiências de segurança pública stricto sensu do Brasil, como o Programa RS Seguro, apresentado pelo seu coordenador, Antônio Carlos Padilha, e experiências lato sensu, que são todas aquelas que oferecem oportunidades de caminhos de inclusão social. Será um estudo de casos e, a partir disso, haverá as proposições de formação de uma rede nacional de urbanistas sociais comprometidos com a segurança pública cidadã; um novo paradigma — seguramente, o que mais fez falta no Brasil nesses últimos 40 anos.
Existem experiências no país que não duraram historicamente, como as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), no Rio, nas quais chegou a polícia militar, mas não chegou o esgoto, não vieram a escola de qualidade, a saúde de qualidade, a iluminação pública, o calçamento etc. Se só entrarmos com a polícia, não podemos esperar que isso dure indefinitivamente. A polícia, por melhor que faça seu trabalho, no médio prazo irá cansar porque as raízes da violência e da criminalidade continuarão frutificando pela falta de oportunidade e de justiça social, de justiça distributiva, em uma sociedade tão rica como a brasileira, que ainda funciona com mentalidade da casa-grande e senzala. A maioria dos governos atua em função das casas-grandes e ignora as demais populações, que são tratadas apenas como mão de obra produtiva. Então, precisamos mudar esses paradigmas para termos uma experiência diferenciada no campo da segurança pública, que não seja simplesmente mais do mesmo. O crime cresceu, se desenvolveu e se organizou, penetrou, inclusive, em muitas instituições políticas. Em décadas de invasão de favelas, de desrespeito aos direitos dos trabalhadores, isso resultou em piora sensível dos índices de criminalidade, e esse curso é um guia para termos coragem de fazer diferente.
Qual é o público esperado e quais são as suas expectativas com o curso?
Esperamos receber gestores dessa área que chamamos de segurança stricto sensu, gestores das forças policiais e guardas municipais, mas também gestores civis da área da segurança pública e pessoas das áreas sociais das prefeituras e governos, representantes de lideranças populares e estudantes e professores que desejam um aprofundamento em sua formação. Minha expectativa é que esse programa vá além do compartilhamento dos saberes, que plante as primeiras sementes de, como eu disse, uma grande rede nacional de urbanistas e operadores de segurança cidadã.
SOBRE O CURSO
O curso de Urbanismo Social e Segurança Pública acontece de 30 de novembro a 2 de dezembro, de forma presencial. A carga horária é de 24 horas, distribuídas nos três dias. A ideia é que, ao final do curso, os alunos sejam capazes de identificar a necessária intersecção entre segurança pública com recorte policial e segurança pública com recorte sociocultural e educacional, assim como os modelos e as metodologias factíveis de políticas públicas de urbanismo social, identificando avanços, prospectando novas possibilidades e detectando riscos.