Realizar busca
test

A vigorosa resistência do petróleo

Um forte movimento de consolidação no setor mostra que os combustíveis fósseis ainda podem ter vida longa

Um forte movimento de consolidação no setor mostra que os combustíveis fósseis ainda podem ter vida longa

 

David A. Cohen

 

Há pouca dúvida de que o mundo está engajado em um monumental esforço de transição da matriz energética para combater os efeitos das mudanças climáticas. Mas, para quem pensa que por causa disso a indústria petroquímica está recuando, o último mês trouxe fortes argumentos em contrário. Argumentos na casa dos 110 bilhões de dólares.

Primeiro veio a aquisição da empresa de petróleo Pioneer pela ExxonMobil, a maior companhia do setor nos Estados Unidos, por 60 bilhões de dólares (via troca de ações, sem repasse de dinheiro), em 11 de outubro. Doze dias depois foi a vez da Chevron, a segunda maior gigante do petróleo americana. Ela comprou a Hess por 53 bilhões de dólares, também via troca de ações.

Os dois negócios apontam para uma tendência de consolidação no setor — mas significam principalmente uma prova de confiança de que a exploração de petróleo e gás ainda tem um longo período pela frente.

“A transição energética está ocorrendo em ritmo acentuado”, diz o mestre em engenharia e conselheiro de empresas Guilherme Mammana, professor do Insper nos cursos de educação executiva. “Mas a trajetória é muito longa; o setor de petróleo não desaparece.”

Do ponto de vista dos negócios, porém, não basta que uma trajetória seja longa. Especialmente no mercado financeiro, investidores favorecem companhias que apresentem boas perspectivas futuras. Isso ocorreu no início do milênio nos Estados Unidos, quando a exploração de reservas de shale (o xisto, formações geológicas que detêm óleo dentro de fissuras nas rochas), principalmente por novas empresas, fez com que a produção no país pulasse de 5 milhões de barris diários, em 2005, para cerca de 10 milhões dez anos depois. De importadores, os Estados Unidos se tornaram exportadores de petróleo.

A produção norte-americana continuou a aumentar, até o recorde histórico de 13 milhões de barris atualmente, mas o ritmo de crescimento caiu. Apesar do alto preço do petróleo ultimamente, os produtores têm mais dificuldade de encontrar novas localidades para perfurar.

A dificuldade de crescer é um dos principais motivos para as bilionárias movimentações do setor.

“O valor de mercado das grandes exploradoras de petróleo não se movimenta há anos”, diz Flávio Málaga, especialista em avaliação de empresas e professor de finanças em programas de MBA do Insper. “O da Exxon está no patamar dos 400 bilhões de dólares há dez anos; o da Chevron, entre 250 bilhões e 350 bilhões. Para o investidor, é ruim ter uma empresa que não se valoriza.”

Sem perspectivas de crescimento, as empresas se tornam, no jargão do mercado financeiro, cash cows, vacas leiteiras, apreciadas quase exclusivamente pelos dividendos que conseguem pagar.

“Em um cenário de crescimento travado principalmente pela transição energética, as companhias têm duas opções”, aponta Málaga. “A primeira é avançar para as fontes renováveis, mas essa é uma especialidade que elas não dominam e está ficando cara, com inúmeros concorrentes.” A segunda opção é a consolidação. “É o caminho mais fácil, e é o que elas estão trilhando primeiro”, conclui.

 

O empurrão do mercado financeiro

Para empresas listadas em bolsas de valores, como é o caso de todas as envolvidas nos recentes negócios nos Estados Unidos, o mercado financeiro empurra para a consolidação. “O recado dos investidores é claro: se não fizerem algo, a sua trajetória de valor vai ser entre a estabilidade e a queda”, diz Málaga.

Isso faz com que analistas prevejam ainda muitos outros movimentos de consolidação. De acordo com a revista Bloomberg, a Devon Energy tem vários alvos em sua mira, entre eles a Marathon Oil e a CrownRock. A agência de notícias Reuters aposta em outra aquisição em breve: da Southwestern Energy pela produtora de gás Chesapeake Energy.

Os negócios são precipitados pela redução de potencial exploratório do xisto, principalmente na Bacia do Permiano, uma área de 220 mil quilômetros quadrados no sudoeste da América do Norte. A bacia recebe esse nome porque seus depósitos de rocha datam do período geológico do Permiano, entre 300 milhões e 250 milhões de anos atrás.

“O componente FOMO (fear of missing out, medo de perder a oportunidade) só vai acelerar”, disse Dan Pickering, chefe de investimentos da Pickering Energy Partners, uma plataforma de serviços financeiros focada em energia, ao diário The Wall Street Journal. “Com mais um ou dois negócios deve emergir um adicional de valor por causa da escassez.”

Uma reportagem do final de outubro do WSJ indica outro motivo para acreditar em uma onda de consolidações. Em relatório publicado em junho, diz o artigo, a firma de investimentos Kimmeridge notou haver “companhias abertas demais para o limitado interesse dos investidores no setor”. Comparando as posses de ações agora com as de cinco anos atrás, a Kimmeridge descobriu que em seus portfólios de energia os grandes investidores aumentaram a quantidade de ações das grandes companhias entre 40% e 53% e reduziram a exposição às empresas menores.

Ou seja: para chamar a atenção dos investidores, é preciso atingir um certo tamanho. O valor das empresas grandes em relação aos seus lucros operacionais é hoje 44% maior do que o das empresas menores, diz a Kimmeridge. Nos últimos 15 anos, esse prêmio era de 14% e, durante a recente febre do xisto, as pequenas chegaram a valer mais (proporcionalmente) do que as grandes.

Acionistas das companhias menores têm, portanto, um enorme incentivo para facilitar sua venda. Eles passam a ser sócios de negócios bem mais valorizados.

Há, porém, alguns obstáculos para novas aquisições. Conforme disse Mark Viviano, gestor de portfólio da Kimmeridge, ao WSJ, em muitos casos os executivos e conselheiros detêm poucas ações de suas empresas e suas competências são bastante específicas, o que os torna menos propensos a fechar negócios que acabariam com seus empregos.

Ainda assim, a consolidação tem avançado. Há quatro anos, a Occidental Petroleum comprou a Anadarko Petroleum por 40 bilhões de dólares. Em 2021, a Pioneer gastou mais de 10 bilhões de dólares na compra da Parsley Energy e da DoublePoint Energy.

 

Refinaria de petróleo no estado de Washington, nos Estados Unidos
Refinaria de petróleo no estado de Washington, nos Estados Unidos

A renovável fica para depois

Consolidações costumam ocorrer de tempos em tempos, em qualquer setor da economia. É um movimento quase natural de depuração do mercado. Mas desta vez a lógica é um tanto diferente do último ciclo, um quarto de século atrás (durante o qual a Exxon se uniu à Mobil e a Chevron se uniu à Texaco).

“Naquela época, as empresas procuravam reduzir custos”, disse Peter McNally, um analista da firma de pesquisas de mercado Third Bridge, ao jornal The New York Times. “Hoje, as empresas compradas oferecem grandes poços de perfuração e capacidades especializadas para extrair recursos não convencionais, como o xisto.”

Trata-se de mudar a fonte energética… mas só um pouquinho. A lógica é estender ao máximo o ciclo de vida no segmento de óleo e gás, afirma Málaga. Há severas críticas de ambientalistas, é claro. “A Exxon deveria rumar para energias limpas, como solar e eólica”, disse Dan Becker, diretor de clima da Center for Biological Diversity, uma ONG conhecida por seu trabalho de preservação de espécies em risco de extinção. “Em vez disso, ela está redobrando esforços para a extração de óleo e para a produção na Bacia Permiana, que suga as limitadas reservas de água na região.”

“Negócios como a compra da Hess pela Chevron nos prendem a uma ainda maior dependência dos combustíveis fósseis e das emissões de gases de efeito estufa por décadas”, afirmou Cassidy DiPaola, gerente de campanha para a Fossil Free Media, uma ONG que divulga conteúdos contra o uso de combustíveis fósseis.

É claro que as grandes petrolíferas entendem estar em um dilema existencial — para elas e para o planeta. Mas há uma demanda assombrosa por energia no mundo e, para atendê-la, não se pode abandonar os combustíveis fósseis de supetão.

Do ponto de vista empresarial, promover uma mudança brusca de curso também comporta riscos. “É difícil entrar de cabeça na área de energia renovável”, avalia Málaga, do Insper, “porque essas companhias têm um viés muito grande”. Várias delas — especialmente na Europa, onde a pressão ambientalista é maior — estão fazendo investimentos em energia renovável, mas ainda não do mesmo porte que os investimentos em óleo e gás.

“A energia renovável tem outra tecnologia, outro tipo de precificação, outra estrutura comercial”, resume Málaga. “Elas não estão acostumadas.” Além disso, comenta, vão ter de competir com empresas novas, que estão sendo formadas com apoio de grandes fundos de private equity.

A Petrobras é um exemplo claro da dificuldade de uma grande empresa petrolífera virar a chave. “Ela está voltando a dar atenção à cadeia de óleo e gás: bacia da Amazônia, renovação de refinaria, há muito investimento em óleo e gás.”

 

A força do xisto

Trata-se de um bom momento para a consolidação. Há uma década, a febre do xisto impulsionou novas empresas, com uma lógica similar à de startups tecnológicas: torrar dinheiro de investidores para crescer a um ritmo acelerado. A preocupação com os lucros viria depois.

Pois o depois chegou. Com a inflação, o aumento dos juros e a consequente redução de apetite para investimentos, veio a pressão para os produtores de xisto focarem mais no aumento das margens de lucro do que na produção.

Funcionou. De acordo com uma estimativa do banco JPMorgan Chase citada pela revista The Economist, cada dólar gasto hoje na exploração e produção de petróleo nos Estados Unidos resulta em duas vezes mais óleo do que em 2014.

Também há avanços ambientais na exploração das áreas de xisto. Uma das grandes críticas nesse processo, que envolve o fraturamento das rochas com água pressurizada para extrair os combustíveis, é a liberação do gás metano. Para responder aos ativistas — mas, principalmente, porque o metano é um componente do gás natural e, portanto, uma substância valiosa — está-se começando a recuperar o gás e vendê-lo.

Outra das grandes queixas é o uso extensivo de água, um recurso cada vez mais escasso. A Exxon diz estar trabalhando para reciclar mais de 90% da água utilizada no fraturamento até 2030. No ano passado, a taxa de reciclagem estava em 64%.

O xisto é também uma boa opção para um setor que precisa “desmamar” do petróleo. Os investimentos necessários são de ciclo mais rápido e, com a captura do metano, a atividade é menos poluente que a perfuração tradicional. Até a Agência Internacional de Energia, que defende a meta de emissão zero até 2050, prefere os investimentos de ciclo curto aos projetos de longo prazo.

 

A geopolítica do petróleo

Um segundo componente que favorece o movimento de consolidação é a geopolítica. As aquisições mais recentes encaminham tanto a Exxon quanto a Chevron para campos de exploração mais perto de casa. No caso da Exxon, a maior parte do seu óleo virá dos campos de produção no Texas e da costa da Guiana. É uma reversão da estratégia de décadas de investimento mundo afora.

De um lado, isso se explica pela convicção de que o governo norte-americano, mesmo encorajando as montadoras a mudarem sua frota para carros elétricos, não vai abrir uma guerra contra os combustíveis fósseis.

“Nações que têm petróleo ainda detêm poder mundial”, lembra Guilherme Mammana. “Além da consolidação natural no setor, tem um componente geopolítico, que é aumentar a segurança energética”, concorda Málaga “Tanto que as reservas das companhias adquiridas estão quase todas nas Américas.”

Com os recentes conflitos na Ásia/Europa e no Oriente Médio, além da sempre instável e belicosa situação na África, manter a produção nas Américas é uma vantagem. A não ser que…

Uma das regiões mais valorizadas do estoque adquirido fica na costa da Guiana, de concessões da Hess. Em parceria com a Exxon, ela produz ali 400 mil barris de óleo por dia. A previsão é que essa extração triplique até 2027, para atingir 1% do total mundial.

Não por mera coincidência, a Venezuela reivindica boa parte do território da Guiana. No início de novembro o governo de Nicolás Maduro deu sinais de que poderia invadir o vizinho — anunciou um referendo popular sobre o assunto. Seria irônico se, na estratégia de evitar conflitos, as companhias petrolíferas acabassem se envolvendo em mais um.

Este website usa Cookies

Saiba como o Insper trata os seus dados pessoais em nosso Aviso de Privacidade, disponível no Portal da Privacidade.

Aviso de Privacidade

Definições Cookies

Uso de Cookies

Saiba como o Insper trata os seus dados pessoais em nosso Aviso de Privacidade, disponível no Portal da Privacidade.

Aviso de Privacidade