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Por que é preciso expandir a rastreabilidade na pecuária bovina

A implantação de um sistema de monitoramento da produção de carne bovina, do nascimento ao abate dos animais, só será possível com a colaboração coordenada de todo o setor

A implantação de um sistema de monitoramento da produção de carne bovina, do nascimento ao abate dos animais, só será possível com a colaboração coordenada de todo o setor

 

Lorenzo J. Guimarães

Graduando em administração no Insper

 

O Brasil é o terceiro maior exportador de produtos do agronegócio no mundo e o setor é alvo de fortes críticas e pressões internacionais, principalmente da União Europeia, quanto a questões ligadas à sanidade animal e ao meio ambiente. Porém, mesmo com toda essa atenção voltada para o Brasil, no Bioma Amazônico, 7,6 milhões de hectares de floresta foram convertidos para outras atividades de 2010 a 2020. No mesmo período, a pecuária e a agricultura se expandiram em 4,3 milhões e 3,2 milhões de hectares, respectivamente (Mapbiomas, 2020). Tal circunstância representa um grande risco para o agronegócio brasileiro, principalmente para a pecuária, e demonstra o desalinhamento do país quanto às demandas internacionais.

Buscando, portanto, sanar essas questões e atender às exigências internacionais, foram criadas várias iniciativas, públicas e privadas, para implementação de sistemas que auxiliem no monitoramento e rastreabilidade de bovinos. O Sistema Brasileiro de Identificação e Certificação de Origem Bovina e Bubalina (SISBOV), criado em 2002 por meio de Instrução Normativa do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), é hoje muito utilizado com esse intuito. O sistema tem como objetivo a identificação, o registro e o monitoramento individual dos bovinos e bubalinos nascidos ou importados no Brasil. Somente os produtores exportadores são obrigados a aderir ao SISBOV.

Para aderir ao sistema, é necessário o registro das propriedades no cadastro nacional do Estabelecimento Rural Cadastrado (ERC) e, uma vez que a propriedade atenda a todas as exigências, recebe o certificado de Estabelecimento Rural Aprovado (ERAS). Contudo, a não obrigatoriedade de implementação para animais destinados ao mercado interno, os altos custos de implementação e a complexidade do sistema são um empecilho para adesão ampla ao SISBOV. Dessa forma, visto que apenas 1/5 do total produzido é exportado, a maioria do rebanho brasileiro ainda não se encontra registrada no sistema e, sem que haja incentivos fiscais e tributários, bem como assistência técnica, que auxiliem na implementação do sistema em larga escala, essa realidade tende a permanecer a mesma.

Além disso, como resposta às pressões internacionais e às exigências sanitárias, começaram a surgir acordos voluntários, como o Compromisso Público da Pecuária e as assinaturas de termos de ajustamento de conduta (TACs). Tais acordos são firmados entre instituições públicas e privadas de diferentes elos do setor e buscam inibir as irregularidades ambientais, relacionadas ao desmatamento ilegal, e sanitárias, relacionadas à vacinação e aos protocolos de saúde animal e segurança alimentar.

O Compromisso Público da Pecuária estabelece critérios para o cumprimento dos TACs, como a observância do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e ausências de embargos ambientais. Para monitorar e fiscalizar animais e propriedades, o modelo de controle faz uso de critérios de habilitação ou desabilitação e bases de dados que compreendem a análise de posições geográficas e polígonos e cruzamentos de informações oficiais sobre as áreas e movimentação de gado, como a Guia de Trânsito Rural (GTA) e o CAR. A assinatura desses acordos resultou em mudanças significativas na cadeia da pecuária. Estudo do Imazon comparou os fornecedores de um frigorífico habilitado para exportação antes e depois da assinatura do TAC. Segundo eles, a porcentagem de fazendas fornecedoras de carne para o frigorífico avaliado, registradas no CAR, subiu de aproximadamente 2%, antes da assinatura do acordo, para 96% quatro anos depois, e a porcentagem de fazendas fornecedoras com histórico de desmatamento recente caiu de 36%, antes da assinatura do acordo, para 4% depois.

No entanto, por limitarem-se ao monitoramento apenas de seus fornecedores diretos e utilizarem somente a GTA, que lhes é enviada como garantia da última origem dos animais, os frigoríficos estão sujeitos a efetuar compras associadas a práticas irregulares, como a triangulação de animais e documentos, também conhecida como “lavagem de animais”, uma prática na qual fazendas não habilitadas (denominadas “propriedades sujas”) utilizam a GTA de um imóvel rural habilitado “limpo” para conseguir se enquadrar nas políticas de compra dos frigoríficos.

Nesse contexto, há um movimento de desenvolvimento tecnológico que busca, além de identificar a origem do animal que chega para o abate, alcançar também os fornecedores indiretos (cria/recria). Esse processo é desenvolvido pelo Grupo de Trabalho de Fornecedores Indiretos na Pecuária Brasileira (GTFI), composto por diversos atores, nacionais e internacionais, da cadeia de valor do gado e liderado pela Federação Nacional da Vida Selvagem (NWF), dos Estados Unidos, e pelos Amigos da Terra – Amazônia Brasileira (AdT), que vêm trabalhando para oferecer soluções avançadas de rastreabilidade e monitoramento para legitimar a inclusão de fornecedores indiretos na cadeia formal do setor pecuário no Brasil.

Como resposta a essa crescente necessidade de rastreabilidade e monitoramento individual de bovinos, surgem, portanto, diversas empresas credenciadas no Mapa, para atender o SISBOV e empresas prestadoras de serviços nos Acordos Voluntários. Essas empresas e iniciativas atuam diretamente para atender às exigências dos TACs por meio de sistemas de monitoramento que cruzam informações de diferentes bases de dados, como o CAR, a GTA e análises territoriais. Outras empresas e iniciativas também procuram meios para ampliar a rastreabilidade atingindo fornecedores indiretos e sistemas de cria e recria.  Como exemplo temos: a Safe Trace, a AgriTrace, a AgroTools, a Niceplanet, a Visipec a Proforest e o Projeto Boi na Linha (Imaflora). Esses atores vêm trazendo novas tecnologias que auxiliam no processo de controle e rastreabilidade animal. No entanto, a rastreabilidade na íntegra da cadeia bovina só será possível com a colaboração e contribuição de vários elos do setor e de modo coordenado.

A complexidade e os custos da adesão aos sistemas de rastreabilidade são fortes barreiras de entrada para produtores de pequeno e médio porte, e a exclusão desses players da cadeia pode forçá-los a procurar mercados paralelos e irregulares, representando um risco significativo para a cadeia como um todo. Alguns frigoríficos alegam que não comprar carne de produtores que desmatam fará apenas com que eles procurem outro frigorífico, não assinante do TAC. Questiona-se também a confiabilidade da base de dados do CAR, visto que somente propriedades com mais de quatro módulos rurais são obrigados a fazê-los, e que esse cadastro é feito por autodeclaração. Portanto, sem a validação por parte do poder público, a base de dados do CAR permanece pouco confiável.

Ao mesmo passo, produtores da cadeia alertam quanto ao uso da GTA como ferramenta de monitoramento do desmatamento. Alega-se que, ao fazê-lo, pecuaristas podem ser levados a fraudar tais documentos, o que resultaria em um aumento da “triangulação de animais”, visto que pecuaristas não habilitados “sujos” buscariam emitir a GTA em nome de outra propriedade habilitada para ter acesso ao prêmio de mercado. Para conseguir rastrear o animal desde a origem, é necessário registrá-lo antes de sua saída da fazenda onde nasceu. No entanto, isso não ocorre e, em alguns casos, os brincos são colocados 90 dias antes do abate, quando o animal é destinado para o acabamento.

Para assegurar a sustentabilidade e a segurança da cadeia da pecuária brasileira, é necessário que os players privados, bem como o Estado, elaborem instrumentos de apoios financeiros, técnicos e tributários. Exemplos: linhas de financiamento para implementação de rastreabilidade animal e suporte técnico na implementação de sistemas de rastreabilidade animal, como o SISBOV, simultaneamente a mecanismos de regularização de produtores e áreas irregulares, que incentivem a implementação desses sistemas em grande escala por parte dos produtores. Tais medidas podem possibilitar o rastreamento e o monitoramento dos animais, desde sua origem, sem que os “mais vulneráveis” sejam excluídos da cadeia e migrem para mercados paralelos ou irregulares, agravando ainda mais o problema. Além disso, é de extrema importância que seja fomentado o diálogo entre os diferentes players, públicos e privados, da cadeia a respeito desse tema. Pois somente com o alinhamento desses diferentes atores será possível a criação de um sistema único de rastreabilidade que garanta o ordenamento de toda a cadeia da carne bovina e que atenda não somente o mercado externo, como também o interno.

 

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