Ao trazer seus problemas para dentro das escolas, as empresas podem encontrar novos tipos de soluções e contribuir para geração de pesquisas, diz o professor Raphael Galdino dos Santos
Bárbara Nór
Tradicionalmente, a inovação nas empresas acontece a portas fechadas. O desenvolvimento de um novo produto ou tecnologia costuma ser envolto em confidencialidade e segredos e, muitas vezes, fica concentrado em um só departamento interno das organizações, como o de Pesquisa e Desenvolvimento. Mas, se esse tipo de prática ainda tem lugar nas empresas, está longe de bastar para dar conta dos desafios do mundo de hoje. É o que dizem os defensores da chamada inovação aberta.
O conceito surgiu com o americano Henry Chesbrough, professor na Universidade da Califórnia em Berkeley, em um livro publicado em 2003 e traduzido no Brasil como “Inovação Aberta: Como criar e lucrar com a tecnologia” (editora Bookman). A ideia é que, em um mundo em que o conhecimento circula de forma muito mais rápida e acessível e em que talentos migram rapidamente de uma empresa para outra, querer dar conta de inovar de forma isolada não só seria impossível, como também pouco eficiente.
“Desenvolver e pensar inovação dentro dos quatro muros da empresa não é mais o diferencial de mercado”, diz Raphael Galdino dos Santos, professor do Insper e pesquisador em áreas como Indústria 4.0 e manufatura avançada. Segundo ele, a lógica da conectividade que vemos hoje nas tecnologias e na forma como as pessoas se relacionam, consomem e compartilham conhecimento também deve valer para as empresas. “É preciso fazer conexões não só com universidades, mas com outros players, desenvolvedores de tecnologia e outras empresas nessa mesma jornada de transformação digital”, diz Galdino.
Afinal, problemas cada vez mais complexos e o volume inédito de informação disponível demandariam muito mais colaboração e troca de conhecimentos. E essas conexões, afirma o professor, são importantes também para garantir que a empresa esteja sempre atualizada não só do ponto de vista tecnológico, mas também de mentalidade. “É gerar um ecossistema e atmosfera de inovação para os colaboradores de forma mais ampla e com diversidade, inclusive de competências, essencial para a geração de ideias disruptivas.” Veja mais na entrevista a seguir.
Por que precisamos da inovação aberta?
A inovação é um tema que não precisa mais de convencimento das pessoas ou das empresas. No modelo mais tradicional de inovação corporativa, se podemos chamar assim, temos um departamento ou um setor. E ele continua sendo muito importante, mas só isso não basta mais. E aí surge o paradigma da inovação aberta. Claro, você não vai imaginar, por exemplo, uma fábrica de bebidas cujos maiores especialistas dos produtos não sejam colaboradores da empresa e em que o desenvolvimento de uma inovação em seus produtos se dará somente de forma aberta. Isso será ainda um processo interno.Mas, na maioria dos casos, essa inovação acaba sendo incremental, você tem uma melhoria de processos ou inovação em alguma característica. Na essência, o produto continua sendo o mesmo. E esse tipo de inovação faz sentido que continue sendo feito de forma interna pelas empresas. Mas, quando vamos para um ambiente tão desafiador como o que temos hoje, com a profusão de novas tecnologias, como big data, inteligência artificial, blockchain, robótica colaborativa e impressão 3D, como é possível ter dentro da organização especialistas em cada uma dessas áreas? Isso seria inviável e muito difícil de ser financiado. É preciso buscar uma forma de gerar inovação de um jeito mais sustentável na organização. Esse é um dos motivos pelos quais a inovação aberta é um caminho para as organizações se manterem na vanguarda dos processos de inovação.
Qual o papel que as universidades podem ter na inovação?
Quando pensamos em uma empresa com fins lucrativos, o lucro é sempre algo que precisa ser perseguido. Nesse sentido, existe uma pressão muito grande por eficiência. Buscamos sempre fazer as coisas da melhor forma com o mínimo recurso possível. Esse não é o melhor ambiente para você fomentar o erro como algo natural no processo — mas o processo de inovação passa muito por experimentar. E a universidade é muito mais propícia nesse sentido. Nesse ponto, eu vejo a grande intersecção de colaboração de empresas que estão conectadas com o ambiente, com a sociedade, com problemas reais da sociedade. As empresas trazem seus problemas para dentro da universidade para buscar formas de solucionar, além de contribuir para a geração de pesquisa aplicada, que é um dos grandes objetivos da academia. É um ambiente que se torna muito favorável para os dois lados.
Como vocês têm trabalhado para fomentar esse tipo de parceria no Insper?
Temos aqui o Hub de Inovação e um de seus pilares é a divulgação de conhecimento relevante para a nossa comunidade. Temos um canal de divulgação das iniciativas e do conhecimento e inovação que acontecem no Insper. Outro pilar é o Centro de Empreendedorismo, com uma estrutura para possibilitar que empreendimentos e startups possam surgir na comunidade. É uma trilha de empreendedorismo que começa desde a graduação e ele pode incubar o negócio, participar de investimentos com a nossa aceleradora e ter a mentoria necessária. O terceiro pilar é o de conexão com as organizações — tanto com nossas startups quanto com projetos de inovação. As empresas trazem problemas que são enfrentados pelas startups ou pelos alunos e professores, dependendo do nível de complexidade. Esses projetos podem ser incubados aqui no ambiente, fazendo uso dos laboratórios e de todo o ecossistema do Insper. É por meio desses três pilares que fomentamos a inovação aberta. Uma empresa que trouxer um problema para nós vai encontrar diversas ferramentas para desenvolver soluções.
Quão avançado o Brasil está nessa pauta da inovação aberta? Quais os maiores desafios?
Infelizmente, o Brasil não é um país com bons números em relação à inovação. Apesar de termos uma produção acadêmica razoável, esse número não se reflete da mesma maneira quando olhamos para a inovação e muito disso vem da falta de cultura de fazer inovação dessa maneira. A lógica institucional de uma organização que visa ao lucro é diferente da de uma universidade. Na universidade, o principal objetivo sempre vai ser a geração de conhecimento e a formação de pessoas. Isso é muito diferente de você ter que atender às expectativas do cliente e gerar retorno para um investidor, que é a lógica de uma empresa com fins lucrativos. Então, o grande desafio é administrar essas diferenças. Existe um ponto de intersecção em que gerar inovação passa por gerar conhecimento relevante, e essa inovação é para a satisfação do cliente. A empresa precisa entender a lógica da academia, e quem está do outro lado precisa entender também um pouco da lógica das organizações.