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O mercado de crédito no Brasil e o papel das fintechs

O país tem cerca de 1.300 startups de finanças, que estimulam a concorrência no setor bancário. Conheça os principais modelos de atuação dessas empresas na área de crédito

O país tem cerca de 1.300 startups de finanças, que estimulam a concorrência no setor bancário. Conheça os principais modelos de atuação dessas empresas na área de crédito

 

Fabiano de Melo Ferreira*

 

Aperfeiçoar o acesso ao mercado de crédito é um dos desafios fundamentais para o desenvolvimento econômico de qualquer país. Afinal, relaciona-se com a disponibilização de recursos para a aquisição de bens e serviços, fazendo “girar a roda da economia”.

Segundo dados divulgados pelo Banco Central do Brasil no mês de julho de 2022, as concessões nominais de crédito totalizaram, em abril do mesmo ano, R$ 459,1 bilhões, com redução mensal de 0,1% nas operações contratadas com pessoas jurídicas, e expansão de 1,8% nas operações com pessoas físicas. O saldo das operações de crédito do Sistema Financeiro Nacional, por sua vez, totalizou R$ 4,8 trilhões naquele mês.

Se considerarmos que, conforme o IBGE, o PIB brasileiro chegou a R$ 8,7 trilhões em 2021, vemos que o peso do mercado de crédito assume papel importante em nossa economia, mas com espaço para crescer muito mais, dado que a relação crédito/PIB em nosso país ainda é muito inferior à de países com economias mais desenvolvidas.

Alguns fatores dificultam uma maior oferta do crédito em nossa economia, em especial o seu custo, que é elevado, em grande parte, por causa da nossa alta concentração bancária.

Mas esse cenário vem mudando nos últimos anos, especialmente em razão do aumento da participação das fintechs em nossa economia. Muito embora representem menos de 5% do setor de crédito no Brasil, as fintechs reduziram a concentração bancária de 81% para 71% em 10 anos, como afirmou o próprio presidente do Banco Central durante audiência pública na Comissão de Defesa do Consumidor realizada na Câmara dos Deputados no dia 31 de maio de 2022. Tal mudança viabiliza maior concorrência e, consequentemente, redução do custo do crédito, o que beneficia a todos.

Nesse contexto, vale analisar um pouco mais a atuação das fintechs de crédito em nosso país.

Em um universo de aproximadamente 1.300 fintechs existentes no Brasil, as de crédito estão entre as modalidades mais relevantes, atuando em grande parte por meio de três modelos principais:

  • Correspondente bancário: atualmente disciplinado pela Resolução CMN n° 4.935 de 29/7/2021, o correspondente bancário é um modelo que não depende de autorização prévia do Banco Central para funcionar, mas de uma relação contratual preexistente com uma instituição financeira, visando à prestação de serviços, pelo correspondente, de atividades de atendimento a clientes e usuários da instituição financeira. Segundo informações disponibilizadas no site do Banco Central, o país tinha quase 300 correspondentes bancários atuando em julho de 2022;
  • Sociedade de Crédito Direto (SCD): expressamente reconhecida pelo Banco Central como uma das modalidades de fintechs de crédito, as SCDs passaram a ser admitidas em nosso ordenamento jurídico a partir de 2018, por meio da Resolução CMN n° 4.656, de 26/4/2018. Segundo essa norma, a SCD “é instituição financeira que tem por objeto a realização de operações de empréstimo, de financiamento e de aquisição de direitos creditórios exclusivamente por meio de plataforma eletrônica, com utilização de recursos financeiros que tenham como única origem capital próprio”. Para funcionar, depende de autorização prévia do Banco Central. No mês de julho de 2022, existiam mais de 70 SCDs autorizadas no país;
  • Sociedade de Empréstimo entre Pessoas (SEP): segunda modalidade de fintech de crédito expressamente reconhecida pelo Banco Central, também é regulada pela Resolução CMN n° 4.656, que define a SEP como “instituição financeira que tem por objeto a realização de operações de empréstimo e de financiamento entre pessoas exclusivamente por meio de plataforma eletrônica”. Também depende de autorização prévia do Banco Central para funcionar. Até o mês de julho de 2022, existiam cerca de 10 SEPs autorizadas no país.

Nota-se que são modelos de negócios sujeitos a alguma regulamentação, seja indireta — no caso do correspondente bancário —, seja direta — como a SCD e a SEP. Esse fato exige que, ao atuar no segmento de crédito por meio de um desses modelos, as fintechs se atentem às condições mínimas aplicáveis, seja para a formalização do seu pedido de funcionamento, seja para a adequação regulatória da sua operação, com o fim de prevenir qualquer risco de questionamento por parte das autoridades competentes.

No âmbito do processo de autorização (para SCD e SEP), há condições mínimas exigidas pela própria Resolução CMN n° 4.656 e demais normas relacionadas, que dizem respeito a capital mínimo, estrutura de governança, estrutura societária etc. No âmbito operacional, há condições previstas em diversas normas divulgadas pelo Banco Central, muito mais rígidas no caso da SCD e da SEP, que, por serem instituições financeiras, se submetem às exigências de adoção de diretorias e políticas mínimas, por exemplo.

Há ainda outras condições, também previstas na legislação federal, como aquelas relacionadas ao atendimento ao cliente — previstas no Código de Defesa do Consumidor e no Decreto nº 6.523/2008, o “Decreto do SAC”, que em outubro de 2022 será substituído pelo Decreto nº 11.034/2022 — e à prevenção ao superendividamento, conforme a Lei nº 14.181/2021 e o Decreto nº 11.150/2022, dentre outras normas.

Ou seja, apesar de serem modelos de negócios que trazem grande contribuição para o aperfeiçoamento do mercado de crédito, reduzindo a concentração bancária no país, as fintechs de crédito não estão imunes a condições regulatórias mínimas, que visam, acima de tudo, resguardar direitos mínimos dos consumidores, sob a ótica da legislação federal ou, mais especificamente, do regulador.

Em todo caso, atuam em um universo de inúmeras possibilidades, dada a amplitude do conceito de crédito, que, segundo a Circular nº 1.273 do Banco Central, compreende:

  • empréstimos, isto, é, disponibilização de recursos sem destinação específica ou vínculo à comprovação da aplicação dos recursos;
  • financiamentos, que consistem na disponibilização de recursos com destinação específica, vinculadas à comprovação da aplicação dos recursos; ou
  • títulos descontados ou aquisição de direitos creditórios, também conhecida como antecipação de recebíveis.

Destaque especial para esta última (antecipação de recebíveis), que se desenvolve cada vez mais, seja pela crescente necessidade de capital de giro pelas empresas, seja por inovações regulatórias importantes, como foi o caso da Circular nº 3.952 do Banco Central, que dispõe sobre o registro de recebíveis decorrentes de transações no âmbito de arranjo de pagamento baseado em conta pós-paga e de depósito à vista.

A obrigatoriedade do registro dos recebíveis, nos termos dessa norma, permitiu que modelos de negócios altamente inovadores em termos tecnológicos — como é o caso das fintechs — passassem a competir em um mercado com grande potencial como é o mercado de antecipação de recebíveis, disponibilizando recursos e, ao mesmo tempo, assumindo risco de crédito no lugar dos credores originais, levando à adoção crescente de tecnologias que viabilizem novas soluções.

Não é por outra razão que, conforme estudo realizado pela Associação Brasileira de Crédito Digital e pela consultoria PwC, é cada vez maior o uso, pelas fintechs de crédito, de tecnologias como cloud, data analytics/BI, mobile, machine learning, biometria, robotização, blockchain e DLT, entre outras.

São tecnologias que permitem aperfeiçoar a experiência do usuário e os controles operacionais, como temos visto nos diversos modelos existentes, mas que não podem prescindir de regras mínimas, como as mencionadas acima, entre outras, para uma utilização mais eficaz, mitigando o risco regulatório.

 

* Fabiano de Melo Ferreira é alumnus do LL.M. Direito do Insper, turma de 2017, e coordenador do pilar de Fintechs do Comitê Alumni de Tecnologia. É advogado e professor, sócio responsável pela área de Fintechs do Baptista Luz Advogados, e membro efetivo da Comissão de Direito do Mercado Financeiro do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial (Ibrademp). Foi um dos monitores responsáveis pelo Centro de Estudos do Mercado Financeiro e de Capitais da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Atuação profissional e acadêmica de 15 anos em temas relacionados à regulação do mercado financeiro e de capitais.

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