Doações coordenadas por organizações civis em comunidades pobres do Rio de Janeiro mitigaram os efeitos da pandemia da covid-19. O impacto na saúde teria sido maior provavelmente com mais oferta de itens de higiene e limpeza. Se o foco da iniciativa fosse elevar a disponibilidade de alimentos nas casas, a opção por doações de vouchers, por meio dos quais as famílias arbitram o que comprar com o recurso, teria maior impacto.
As conclusões constam de simulações efetivadas por Adriana Leiras, Luiza Alves Cunha e Bianca B. P. Antunes, da PUC-RJ, Paula Santos Ceryno, da UFRJ, e Vinícius Picanço Rodrigues, do Insper, associando dados epidemiológicos, informações de itens doados e pesquisas sobre o comportamento das pessoas e de organizações do terceiro setor em 143 favelas da capital fluminense entre o final de maio e meados de junho de 2020.
Por diversos mecanismos, a abrupta restrição à atividade que se seguiu como resposta à pandemia afetou a saúde das comunidades mais vulneráveis. O estrangulamento da renda e do acesso a alimentos induz as pessoas a flexibilizarem comportamentos mais rígidos de resguardo e distanciamento domiciliar, recomendados para reduzir as infecções pelo coronavírus, na tentativa de obter os itens de primeira necessidade.
As condições de vida nessas regiões na base da pirâmide social, com maior proximidade entre pessoas e menor disponibilidade de saneamento e condições para higienização, catalisam as infecções.
O modo específico como são organizadas as doações para contra-arrestar os efeitos negativos da pandemia também implica maior ou menor risco de contágio. Se os beneficiários precisarem se deslocar até um centro de distribuição, por exemplo, a chance de contrair o patógeno se eleva. Isso também ocorre se o conjunto de bens doados, a relação entre alimentos e produtos de higiene, estiver desequilibrado.
Para lidar com essa complexidade, os pesquisadores recorreram a um modelo que simula e computa interações positivas e negativas para o contágio da covid-19 e para a disponibilidade de alimentos entre as variáveis identificadas em campo. O método permite estimar o que ocorreu concretamente e o que ocorreria se alguns parâmetros — como a participação relativa entre alimentos e produtos de higiene ou entre doações de vouchers e de itens — tivessem sido outros.
As doações de itens para essas comunidades foram altamente concentradas em alimentos (97%) e pouco em produtos de limpeza (3%). O exercício dos pesquisadores estima que, se houvesse equilíbrio entre as duas modalidades de doação, a quantidade de pessoas infectadas nos primeiros 210 dias da epidemia teria sido 5% menor do que com as quantidades efetivamente doadas. O resultado indica que, se o foco das doações fosse reduzir o contágio, mais produtos de higiene deveriam ter sido ofertados.
Já se o objetivo fosse elevar a disponibilidade de alimento entre as famílias, a simulação conclui que realizar as doações sob a forma de voucher — que faculta aos beneficiários decidirem quanto comprar entre comida e produtos de limpeza — eleva esse indicador em 20% na comparação com a modalidade de doações apenas de bens. Essa escolha de doações também tem o efeito de favorecer o comércio local nas comunidades.
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“Measuring the Impact of Donations at the Bottom of the Pyramid (BoP) amid the COVID-19 Pandemic”