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A construção da democracia com um olhar voltado para o futuro

As boas políticas públicas podem ajudar na recuperação da credibilidade do Estado e na reinvenção do Brasil

As boas políticas públicas podem ajudar na recuperação da credibilidade do Estado e na reinvenção do Brasil

 

Leandro Steiw

 

Entre tantos desafios para o Brasil, nenhum tem se mostrado mais valioso do que recuperar a credibilidade da democracia e das instituições. O painel “O valor da Democracia” encerrou a programação de comemoração dos cinco anos do Centro de Gestão e Políticas Públicas (CGPP) do Insper. Participaram Carlos Melo (professor do Insper), Maria Hermínia Tavares de Almeida (pesquisadora do Cebrap), Eduardo Giannetti (economista, filósofo e assessor da Rede Sustentabilidade) e Sérgio Abranches (colunista da rádio CBN). A mediação foi do cientista político Lucas Martins Novaes, professor assistente do Insper.

O cientista político Carlos Melo explicou que a democracia é um fenômeno deste tempo. Aquele Estado do bem-estar social, que se consolidou após a Segunda Guerra Mundial, não era sustentável, por uma série de motivos. Já na década de 1970, a transição do ápice para a decadência ficou marcada pela ascensão do conservadorismo no Reino Unido, representado pela primeira-ministra Margaret Thatcher. Ela dizia que sociedade não existia, apenas o indivíduo e suas famílias. Esse “individualismo hedonista” foi seguido pelo ocaso da liderança política. “Como não existe sociedade, não há políticas públicas. O Estado não consegue antecipar, e a democracia paga o preço da antipolítica, da indignação, da revolta”, disse Melo.

Para ele, alguns conseguem vocalizar melhor esse ressentimento antipolítica, mas, como não anteveem o futuro, cultuam o passado. É o tal “Make America Great Again”, que levou Donald Trump à presidência dos Estados Unidos e pavimentou o poder para outros grupos de extrema-direita mundo afora. “Democracia é um regime de prontidão, é um esforço a cada dia”, disse Melo. “No Brasil, 2014, a eleição que não acabou, nos levou a 2018, ao governo incidental, ao pastiche nacional.”

A democracia está em risco? Segundo Melo, o Brasil tem os problemas de sempre: desigualdade, insensibilidade, personalismo e patrimonialismo. E os dois últimos são as peculiaridades que fizeram o país falhar na consolidação da democracia e entrar no perigoso caminho sem volta do governo Bolsonaro — em isolamento diplomático, social, militar e econômico.

Os desafios são muitos. Melo falou na construção de um olhar para o futuro, na recomposição da credibilidade da política e do Estado, no imperativo das boas políticas públicas, na recomposição e renovação da liderança, na sintonização com o novo mundo, na articulação mundial multilateral, em um governo de engenho e arte, na reinvenção do Brasil e — repetiu — na lembrança permanente de que a democracia é um regime de prontidão.

 

Frágil e precária

Para a cientista política Maria Hermínia, quanto mais tempo a democracia funciona, maior a chance de ela continuar funcionando. Ela disse que, desde o Império, o Brasil tem uma larga tradição de instituições eleitorais e resolve as questões de competição política por meio de eleições. “Mas as nossas desigualdades que se acumulam criam uma base muito frágil e precária para a democracia”, afirmou.

Maria Hermínia apontou uma das contradições: o discurso antiglobalização da extrema-direita é feito pelos vencedores da globalização, a parcela mais rica da população, que levou Bolsonaro à presidência e persiste no apoio. Os governos de Rússia e China são exemplos de como a democracia saiu do cenário favorável que vivia na década de 1990, depois da queda do Muro de Berlim. “Estamos em um momento ruim para a democracia, porque os regimes autocráticos que pareciam se encaminhar para a democracia se consolidaram como autocracias, e também há a crise das velhas democracias da Europa”, disse.

O economista e filósofo Eduardo Giannetti achou importante definir democracia, um conjunto de regras de convivência no exercício do poder político. “Parte desse conjunto é a renovação periódica dos governantes em eleições abertas e contestáveis por meio do voto universal e secreto”, disse. Também nos tornam democráticos a autonomia e a divisão de poderes, a igualdade perante a lei, a liberdade de imprensa e expressão, o respeito às minorias e aos opositores e, enfim, uma sociedade civil vibrante com centro de poder autônomo sem interferência estatal.

Segundo Giannetti, diversos motivos justificam o ataque ao pacto de governança democrática. Desde que centenas de milhões de trabalhadores asiáticos foram incorporados ao mercado de trabalho, aceitando empregos precarizados e mal-remunerados, quebrou-se a espinha do movimento sindicalista. A solução para a crise financeira de 2008 e 2009, que beneficiou os grandes bancos, minou a legitimidade da ordem liberal de mercado, porque socializou o prejuízo e nunca havia cogitado socializar o lucro. Esses dois motivos geraram ressentimento na sociedade, que ainda se sentia insegura pela incorporação de novas tecnologias no trabalho.

Particularmente no Brasil, as três forças de oposição que se constituíram durante o regime militar de 1964 — MDB, PT e PSDB — foram governo, mas não souberam trabalhar cooperativamente. “Foram rivais e foram se desacreditando”, disse. Para Giannetti, o descontentamento com a democracia veio de um país que arrecada um terço do Produto Interno Bruto em tributos, mas deixa metade dos domicílios sem saneamento básico. “A recessão de 2015 e 2016, produzida por uma incompetência inexplicável e épica do governo Dilma na política econômica, o desemprego chegando a dois dígitos e uma insegurança econômica brutal, acompanhada de um escândalo de corrupção, foi o caldo de descredibilidade que gerou Bolsonaro”, disse.

O sociólogo Sérgio Abranches parafraseou a famosa abertura do romance Anna Kariênina, de Liev Tolstói: “Todas as democracias do mundo estão em crise, que vão enfrentar. Cada país, cada democracia, enfrenta a sua crise à sua maneira, e cada um carrega o seu legado nesse processo de repensar a democracia”. Para Abranches, quem realiza as promessas democráticas são os governos, por meio das políticas públicas. Quando falham, descumprem a promessa democrática e desacreditam a democracia. “É o que está em jogo no Brasil e no mundo”, disse.

Abranches afirmou que o Brasil nunca foi inteiramente democrático, por persistência da mentalidade patriarcal, senhorial e latifundiária da Casa Grande, origem do machismo e do racismo estruturais. “O Brasil terá que tomar a decisão se quer se livrar desse legado, desse passivo histórico estrutural que carrega e enfrentar o desafio da democracia digital, dessa transformação global, com a perspectiva de aceitar mais povo na democracia, ou se vai continuar sendo uma democracia limitada”, disse. “Se optar por continuar limitada, temo que a estabilidade democrática seja pouco provável no futuro do Brasil.”

 


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