Os alunos André Tavernaro e Michel Moraes dedicam-se aos jogos motivacionais desde o início do curso de Engenharia de Computação
Leandro Steiw
Uma ideia e uma causa ajudam a explicar o êxito do game criado pelos alunos André Vital Tavernaro e Michel José Hanoch Vieira de Moraes, do curso de Engenharia de Computação do Insper. O Neon Depth é um quebra-cabeça com analogias aos desafios psicológicos do nosso cotidiano e foi pensado como contribuição às ações do Setembro Amarelo, mês dedicado à campanha nacional de prevenção ao suicídio.
A repercussão na Steam, comunidade online dedicada a games, superou a expectativa de Tavernaro e Moraes. O trabalho foi selecionado para apresentação, de 7 a 10 de julho, no BIG, um dos mais importantes festivais do setor, comparável à Brasil Game Show (BGS). “Na BGS, participam empresas maiores, de atuação internacional, com investimentos de milhões de dólares e vários funcionários”, diz Tavernaro. “A alma do negócio no BIG são os jogos indies. É uma feira cheia de pessoas como nós, que amam desenvolver games e fazem isso com o coração, de uma forma mais experimental.”
Moraes e Tavernaro começaram a trabalhar no Neon Depth antes de cursarem a disciplina Jogos Digitais, do sétimo semestre. Afinados desde o primeiro dia de aulas no Insper, em 2018, os dois resolveram aprender, por conta própria, a trabalhar com Unity, plataforma usada em aplicações interativas. Seria uma forma de dar vazão à paixão por diversões eletrônicas. De joguinho em joguinho, foram arriscando. Em julho do ano passado, inscreveram-se na Game Jam do canal Crie Seus Jogos, cujo tema era loop infinito. Estava incubado o Neon Depth.
Desde a primeira versão, feita em apenas sete dias, o conceito era mostrar como a aceitação dos próprios erros nos ajuda a seguir em frente. “Relacionamos o loop com aqueles problemas dos quais parece que não conseguimos sair de jeito nenhum”, afirma Moraes. “Mas deixamos a abordagem bem genérica, para todos poderem se identificar, seja alguém que está passando por uma situação simples, seja alguém que já está com um problema mais complexo.”
O visual minimalista remete aos fliperamas dos anos 1980 e 1990, uma maneira de compensar o tempo escasso e as limitações de programar sem a estrutura de um grande estúdio. Porém, a estética acolhe uma metáfora, explica Tavernaro: “A personagem é um quadrado oco. Quando você passa de fase, a câmera faz um zoom out, como se a fase que se estava jogando fosse a própria personagem. Então, é como se você estivesse dentro de si mesmo. Conforme avança nas fases, você vai trabalhando de dentro para fora, aprendendo com os seus erros e tentando sair de uma situação difícil. Porque, às vezes, estamos numa situação que parece um abismo e não tem salvação, mas temos que manter a calma e ser perseverantes para sair dela”.
Todas as fases oferecem alguma frase motivacional para o jogador. O Neon Depth consumiu três meses de programação da dupla, basicamente nos intervalos dos compromissos com a faculdade. A meta — atingida — era lançar em setembro de 2021 na Steam e doar o dinheiro arrecadado com a venda para o Centro de Valorização da Vida (CVV). Nos quatro dias do BIG deste ano, Tavernaro e Moraes vão expor o game no Panorama Brasil, mostra não competitiva de 29 jogos nacionais, e interagir com outros entusiastas das diversões eletrônicas.
Coordenador do Laboratório de Realidade Virtual e Jogos Digitais do Insper, Luciano Pereira Soares foi professor de Moraes e Tavernaro em diversas disciplinas da Engenharia de Computação. “A parte realmente interessante do Neon Depth é o desafio proposto”, diz Soares. “O jogo tem poucas mecânicas, mas foram muito bem exploradas, como algumas técnicas de transição de fases.”
Soares comenta que foram aplicadas no game algumas das discussões apresentadas na disciplina Jogos Digitais, também oferecida para os estudantes de Ciência da Computação. “Como, por exemplo, começar com fases mais simples e ir aumentando gradualmente o nível de dificuldade”, afirma Soares. “Pode parecer óbvio, mas muitos alunos têm problemas em fazer um bom balanceamento de dificuldade das fases dos seus jogos.”
O professor complementa: “Esse jogo tem algo bem interessante que posso usar como referência para os meus alunos, pois, se olharmos bem, a proposta é relativamente simples. O jogo só tem primitivas geométricas básicas, como quadrados e triângulos. Os movimentos são os básicos de um jogo de plataformas, mas o design ficou bem-acabado, sendo um produto que agrada a um grande público. O BIG é um dos principais eventos gerais de jogos digitais no Brasil. A repercussão na internet, com streamers e youtubers falando do jogo, sem dúvida, é um belo feito dos dois”.
Segundo André Tavernaro, a disciplina Design de Software, do primeiro semestre, plantou a semente. “O projeto final era desenvolver um game bem simples, mas que foi o nosso primeiro jogo de fato. Fizemos uma corrida de cavalos e nos divertimos bastante. Decidimos que íamos seguir nisso”, diz. Posteriormente, os ensinamentos da disciplina Jogos Digitais contribuíram para a consolidação do Neon Depth. “Vimos muita coisa importante na disciplina, sobre game design e boas práticas de desenvolvimento, que não havíamos aprendido sozinhos”, diz Michel Moraes.
Toda a experiência adquirida individualmente e na faculdade vai se refletir nos próximos passos da Dragon Fruit Studio — a marca da dupla. Entre os quais, o quebra-cabeça Domuns, projeto em andamento, desta vez com a colaboração de uma designer, programado para o BIG do próximo ano. Mas isso fica para a fase seguinte.