Em vez de querer usar a tecnologia para resolver tudo, é preciso entender o problema, pensar nas soluções possíveis, testá-las e, eventualmente, descartar várias, até encontrar o caminho que vale a pena
Renata Frischer Vilenky*
Nos últimos anos, a demanda por profissionais de tecnologia tem crescido em nível mundial, inflacionando salários e, algumas vezes, oferecendo cargos mais altos a profissionais em desenvolvimento. Mas será que todo negócio se encontra em um estágio que necessite de muita tecnologia ou todo novo produto precisa de muito desenvolvimento de sistema?
Não aprendemos que sempre é bom fazermos um MVP (mínimo produto viável) para testar uma ideia ou um conceito? Além disso, para fazer uma prova de conceito e saber se ela deu certo ou errado, precisamos criar KPIs (indicadores de performance) que nos permitam acompanhar o resultado do teste, como:
As KPIs nos ajudam a identificar ajustes, validar o mercado, entender se estamos entregando a solução que o público consumidor procura e definir o melhor modelo de precificação para lançamento, tamanho do investimento, resultado financeiro gerado, entre outras informações que nos dizem se essa ideia é, de fato, um produto ou serviço vendável ou apenas uma ideia interessante.
Mas será que é assim que tem acontecido no nosso cotidiano?
Tenho recebido pedidos para validar modelos de plataformas de amigos que estão preocupados em vender uma ideia, mas não têm um modelo de negócio pronto. Parece a criação de um tipo de sapato novo, para posterior procura de um pé que sirva.
Outro cenário que também tenho visto: pessoas que solicitam o desenvolvimentos de sistemas em suas empresas, sem saber se esse investimento, de fato, gerará resultado. Muitas vezes, a demanda surge a partir de algumas solicitações de equipe de campo que ouviu o problema de um cliente, mas não determinou quantos clientes têm o mesmo tipo de demanda.
Não estou dizendo que a demanda não é válida, mas é necessário avaliar o quanto ela é significativa e se a única solução para ela é sistêmica. Às vezes, a mudança de um processo, a adequação de um atendimento ou o ajuste no discurso de vendas podem resolver várias reclamações de clientes, sem desenvolver uma linha de código.
Acredito que o contexto mais interessante pelo qual já passei envolveu um gestor de negócios de uma empresa que pediu, na abertura de uma vaga de emprego, que fosse contratada uma pessoa com conhecimento do sistema desenvolvido internamente na empresa. Era mais fácil pedir a contratação de ex-funcionários, certo?
Talvez todo esse frenesi com o emprego da tecnologia nos negócios seja oriundo da síndrome do FOMO (fear of missing out), termo muito usado atualmente para relatar a ansiedade das pessoas em não perder nenhuma informação ou oportunidade de entregar serviços e produtos no mundo digital.
Quando falamos de mundo cada vez mais digital, estamos nos referindo a qual público? Será que é o público do serviço ou do produto que você oferece?
Vamos fazer uma reflexão rápida sobre o mundo mais analógico, atual e real que vivemos:
Nos cenários acima, estamos falando de um púbico com demanda reprimida, que tem capacidade de consumo, porém nem sempre quer consumir no mundo digital. Então, será que você está olhando para o seu negócio como deveria? Será que você não está apenas agindo em vez de respirar, dar dois passos para trás, planejar e testar suas oportunidades?
Recentemente, a Y Combinator, uma das maiores aceleradoras da Califórnia, publicou um texto para as startups do seu portfólio, pedindo que fizessem de tudo para se manterem vivas, porque ninguém sabe o quanto a economia pode ser abalada pela crise mundial. Geralmente, startups são empresas que aplicam muita tecnologia para massificar uma solução, mas será que, além da questão da tecnologia, todas dominam os princípios básicos de gestão de empresas, como:
Vejam que, em nenhum momento, falamos da capacidade de investimentos em novas ferramentas ou de novos desenvolvimentos tecnológicos gigantescos, e posso apostar que empresas centenárias, como Hering, Alpargatas, Matte Leão, Gerdau e Açúcar União, entre outras, passaram por mais crises e mudanças de cenários do que podemos imaginar, mas sempre usaram os conceitos acima para se reinventar e se ajustar.
Não estou dizendo que tecnologia não é importante e que o mundo digital não é um fato. Porém, existem muitos mundos diferentes dentro deste nosso planeta, muitos desafios a serem resolvidos e, antes de querer usar a tecnologia para resolver tudo, precisamos entender em profundidade o problema que nos propomos a resolver, pensar nas soluções possíveis, testá-las e, eventualmente, descartar várias, até encontrar o caminho que vale a pena ser aplicado e escalado por meio de tecnologia.
Falamos tanto de melhoria contínua e inovação no horizonte H1, mas essas não são apenas frases de impacto para dizer em roda de amigos e parecer entendido. São formas de trabalhar e encontrar ganhos de eficiência e possivelmente desenvolver novas soluções se usarmos as ferramentas que já vieram conosco ao nascer: nossa capacidade de pensar, conversar, colaborar, cocriar e desenvolver soluções para os desafios do cotidiano. Faça este teste com crianças de 4 a 9 anos, mostre-lhes um problema e peça que resolvam. Você ficará impressionado com a criatividade.
Então, se todos nascemos com essa possibilidade de criar soluções incríveis, onde é que estamos perdendo a capacidade de inovar e melhorar com o uso do cérebro, mãos e muita colaboração?
Faça seu momento de reflexão e encontre suas respostas. Não existe o certo ou o errado, mas é sempre muito importante parar e reavaliar como estamos gerindo, criando ou inovando em nossos negócios.
A pausa para avaliação pode nos ajudar a respirar e nos trazer insights incríveis sobre as possibilidades que estão a nossa frente e não estamos vendo, simplesmente por não pararmos para olhar.
* Renata Frischer Vilenky é alumna Insper do MBA de Administração da turma de 2008, coordenadora do Grupo Alumni de Tecnologia e membro da Academia Europeia da Alta Gestão. É conselheira de estratégia e inovação e mentora de projetos de inclusão social no Instituto Reciclar e na ONG Gerando Falcões. É autora dos e-books Artificial: Uma Oportunidade para Você Aprender e Startup: Transforme Problemas em Oportunidades de Negócio, ambos publicados pela Expressa Editora.