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Governança no agro e o posicionamento do Brasil no comércio internacional

Para a negociação com outros países, é fundamental melhorar a coordenação entre os diferentes atores do setor agropecuário brasileiro

Para a negociação com outros países, é fundamental melhorar a coordenação entre os diferentes atores do setor agropecuário brasileiro

 

Claudia Cheron König, pesquisadora sênior do Insper Agro Global

Amanda de Araújo Pinto, pesquisadora do Insper Agro Global

Camila Dias de Sá, pesquisadora do Insper Agro Global

 

No dia 23 de junho, o Insper, em parceria com o Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais), divulgou o policy paper “Políticas públicas para a inserção competitiva e sustentável do agronegócio brasileiro no mundo”, com recomendações para a política externa do Brasil no agronegócio. Trata-se de parte integrante de um compêndio de recomendações mais abrangentes para a política externa brasileira. Organizado pelo Cebri, o documento “Política externa do amanhã” será entregue aos candidatos à presidência da República. Nas próximas edições da newsletter InsperAgroGlobal, daremos sequência às discussões dos principais pontos abordados e das políticas sugeridas no documento elaborado pelo centro Insper Agro Global. Começamos nesta edição tratando do tema da governança no agro.

Os resultados da pandemia e as consequências da guerra têm impactado o comércio entre os países. Grande parte do mundo passou a olhar com maior atenção para as cadeias de produção, buscando fortalecer a produção de insumos ao seu redor. Muitos países estão buscando garantir a autossuficiência na produção de alimentos, o que poderá impactar o Brasil, a depender de como o país reagirá a essas transformações.

Diferentemente de tempos atrás, a complexidade na exportação de produtos do agro cresceu bastante, e as mudanças observadas nas duas últimas décadas trazem a necessidade de uma releitura do posicionamento do agronegócio brasileiro, levando em consideração novas áreas produtivas e novos concorrentes. Neste contexto, é fundamental um posicionamento cada vez mais estratégico do agronegócio brasileiro no mundo, o que pode ser perseguido por meio da orquestração de uma estratégia nacional, com a identificação de parceiros estratégicos, a definição de prioridades de negociações comerciais e a atração de investimentos, além da cooperação técnica com outros países.

Um dos gargalos do Brasil no processo negociador é, ainda, uma governança que possibilite amplo entendimento do posicionamento nacional, que se mostrou, por diversas vezes, fragmentado nas diferentes esferas dos setores público e privado — entidades de classe e outros atores. Para a sustentação das negociações, é essencial que haja harmonização dos diferentes atores relacionados ao setor agropecuário nacional e nas suas relações antes de se apresentarem à comunidade internacional.

No Brasil há uma lacuna na comunicação entre as esferas, e essa fraca governança entre agentes se reflete, de muitas maneiras, na baixa capacidade dos sistemas políticos brasileiros de atuar de forma efetiva e decisiva no sentido de solucionar os desafios do setor no contexto internacional. Atualmente, essa coordenação pouco eficiente impede o desenvolvimento de negociações efetivas que beneficiem o comércio de produtos brasileiros e que contribuam para a consolidação da imagem do país como um importante player para a segurança alimentar mundial.

 

 

Uma abordagem geopolítica e uma boa governança no posicionamento brasileiro dentro das organizações internacionais, por exemplo, são fundamentais para destravar oportunidades nos temas agroalimentares, no âmbito da influência do Brasil e dos seus novos ensejos de cooperação comercial com determinadas regiões do mundo.

A crise do multilateralismo e a tensão nos mercados do agronegócio já vêm se arrastando desde o final do século passado. Houve uma mudança radical no arranjo mundial nos últimos 20 anos, o que fez do Acordo sobre Agricultura da Organização Mundial do Comércio (OMC) inapto à resolução dos atuais desafios que permeiam os mercados agrícolas. Além disso, com a fragilização do órgão de apelação da OMC, o comércio internacional está fortemente influenciado por padrões voluntários e acordos bilaterais e regionais, o que exige maior proativismo no tocante à postura do governo e impulsiona a necessidade de uma linguagem uniforme entre as diferentes esferas governamentais nas negociações internacionais.

O Brasil, por ser um dos grandes players do agronegócio e, ao mesmo tempo, abrigar a maior floresta tropical do mundo, passa a ser cada vez mais cobrado sobre transparência na origem. É cada vez maior o interesse do consumidor final em saber não apenas o que está consumindo, mas também como foi produzido, ou seja, há maior consciência ambiental e um consumo cada vez mais politizado. E essa não é apenas uma preocupação dos consumidores dos países desenvolvidos, de mais alta renda — é também dos jovens em geral e das empresas cada vez mais engajadas em aplicar padrões ESG, ao longo de toda a cadeia de valor. Ou seja, uma realidade que verdadeiramente se impõe e que exige a construção de um discurso uníssono e franco pelos agentes que de alguma forma representam o Brasil externamente. Mostrar as fortalezas do país com competência, porém, sem se esquivar de admitir que existem problemas a serem sanados. Nesse caso, é importante que os diferentes órgãos estejam alinhados e empenhados em achar soluções de forma consensual.

Para aprimorar a governança, é necessária a criação ou o fortalecimento de mecanismos de coordenação, garantindo sua implementação e operacionalização por meio de processos e competências institucionalizadas, que protejam os temas estratégicos de pressões setoriais e oscilações pontuais, diminuindo os efeitos dos ciclos políticos ou conjunturais sobre projetos e parcerias de longo prazo. O mundo pede uma comunicação mais clara e precisa, o acesso a respostas rápidas, com bancos de dados oficiais, e confiabilidade nas informações e no controle de resultados. Investimentos em pessoas qualificadas e sistemas são necessários.

Adentrando mais especificamente nas particularidades do agro, a governança necessária envolve, além do aperfeiçoamento da coordenação, uma profunda modernização do arcabouço normativo de sanidade animal e vegetal, que data dos anos 1950. Junto com uma simplificação dos marcos regulatórios, tem condições de proporcionar melhores garantias de qualidade da produção nacional e maior credibilidade do produto brasileiro no exterior. Na mesma linha, a incorporação do princípio de One health — relação associativa entre saúde humana, animal e meio ambiente — é fundamental para a construção desse posicionamento do país.

Por último, mas não menos importante, vale mencionar a necessidade de adoção efetiva de processos para melhorar a prestação de contas (accountability) em relação à forma como são geridos os recursos públicos e aspectos vinculados ao desempenho e resultados, especialmente considerando a recente abertura do processo de adesão do Brasil à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A transparência, o combate à corrupção e a recuperação da reputação do país são elementos fundamentais para a sua integração nas negociações internacionais.

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