Com uma aquisição bilionária, a americana Cresco Labs quer ser a “Coca-Cola da cannabis”. Mas o que não faltam nesse negócio são concorrentes
David Cohen
Não é todo dia que nasce uma Coca-Cola. Mas é esta a ambição dos executivos da Cresco Labs, uma produtora de maconha dos Estados Unidos, sediada em Chicago. O primeiro passo, acreditam eles, é a compra da rival Columbia Care, com base em Nova York, uma operação que foi selada no final de março por cerca de 2 bilhões de dólares.
O negócio pode tornar a Cresco Labs o maior produtor de Cannabis sativa do país. As duas empresas, juntas, têm mais de 130 pontos de venda em 17 estados americanos e no distrito de Colúmbia, alcançando cerca de 55% da população do país. Em comunicado à imprensa, elas disseram que sua receita combinada passa de 1,4 bilhão de dólares — algo como 200 milhões de dólares a mais que a Curaleaf, sediada em Massachusetts, e que a Trulieve, da Flórida.
Não é certo, porém, que a Cresco Labs mantenha essa receita toda. Para aprovar a fusão, é provável que a empresa seja obrigada a se desfazer de algumas operações. Dependendo do analista, a estimativa de desinvestimento varia entre 250 milhões e 500 milhões de dólares. Nada disso é muito certo porque a regulação nesse mercado tão novo ainda não é suficientemente clara.
Em Nova York, por exemplo, o uso recreativo de maconha foi aprovado pelos deputados em março de 2021, mas o número de licenças de venda ainda precisa ser determinado pelos reguladores e por um conselho de especialistas, com o objetivo de “garantir um mercado competitivo em que nenhum licenciado seja dominante no estado ou em qualquer das categorias de licença”. As atuais dez operadoras que já vendem maconha para uso medicinal (em pontos de venda chamados de dispensários) terão permissão para operar, cada uma, apenas três lojas para adultos em geral.
Analistas ouvidos pelo site MJBiz, dedicado a notícias do setor de cannabis desde 2011, afirmam que as chances de o negócio não ir para a frente são relativamente altas, por causa da exigência de desinvestimentos, pelo complicado processo de aprovação do governo e pelo escrutínio de autoridades antitruste.
Não seria a primeira vez que a Cresco Labs volta atrás em uma compra. Em janeiro, ela desistiu da aquisição da Blair Wellness, outra empresa com operações verticalizadas de maconha (que incluem cultivo, preparo, marketing e pontos de venda), por não cumprimento de algumas condições do negócio.
Em abril de 2020, ela já havia desistido da aquisição da Tryke, uma companhia de maconha que atua nos estados de Nevada e Arizona, citando como motivos os atrasos na aprovação por parte de reguladores e a retração dos mercados de capital, agravada pela pandemia da covid-19 (o negócio seria pago em dinheiro, 282,5 milhões de dólares). Em novembro passado, a Tryke foi finalmente vendida, para a rival Curaleaf, por 286 milhões de dólares.
Antes disso, em novembro de 2019, a Cresco Labs também cancelado a compra da VidaCann, da Flórida, pelo mesmo motivo: dificuldade em obter os 120 milhões de dólares necessários.
Esse é um problema mais ou menos generalizado para o setor. Embora a maconha seja legalizada para uso recreativo em 18 unidades da federação e tenha permissão de uso médico em 37, as proibições federais ainda dificultam o acesso de empresas a serviços bancários e empréstimos.
A aquisição da Columbia Care, no entanto, não envolve dinheiro. Ela foi montada como uma troca de ações, que mantém o executivo-chefe e cofundador da Cresco Labs, Charlie Bachtell, no comando, enquanto o executivo-chefe da Columbia, Nicholas Vita, ganha um assento no conselho de administração e, por ora, nenhum cargo executivo. Na fusão, os acionistas da Columbia ficariam com cerca de 35% da nova Cresco (as duas empresas estão listadas na bolsa de valores do Canadá, por causa da proibição federal à maconha nos Estados Unidos).
A compra faz muito sentido, segundo escreveu o analista Owen Bennett, do banco de investimentos Jefferies Group, em carta a seus clientes. “O problema da Cresco é a ausência de operações relevantes em estados importantes”, ele disse. “Já a Columbia Care tem uma excelente presença geográfica, mas lhe falta escala.”
O negócio, previsto para ser completado no último trimestre do ano, deixa a operação mais robusta: aos 3.500 empregados da Cresco somam-se os quase 1.800 da Columbia Care. É uma boa estrutura para se posicionar como um dos grandes vencedores no já bilionário e ainda crescente mercado da maconha. Mas… será uma Coca-Cola?
O que se vê no mercado de cannabis hoje é uma espécie de corrida. Não se trata de uma oportunidade extraordinária criada por um novo produto. É muito melhor do que isso. O mercado já existe, é robusto — só que ilegal. À medida que as portas da formalidade se abrem, as empresas querem estar preparadas para ocupar o máximo de espaço possível.
O mercado americano é um dos mais promissores. As vendas legais, no ano passado, já passaram de 25 bilhões de dólares, segundo o relatório do site Leafly, voltado para informações sobre a cannabis. Isso é só o começo. De acordo com um relatório divulgado no final do ano passado pelo banco de investimentos Cowen, as vendas devem atingir 84 bilhões de dólares em 2026 e podem passar dos 100 bilhões em 2030.
Essas previsões podem ser até baixas, se a tendência de liberação da cannabis se confirmar mais cedo. No último dia 1º. de abril, a Câmara dos Deputados americana aprovou uma lei para legalizar a maconha em nível federal. Ela deve ser barrada no Senado, graças à forte oposição da ala republicana — que considera a cannabis como uma porta de entrada para drogas mais pesadas. Algum avanço, de qualquer modo, há. Uma semana antes, o Senado aprovou por unanimidade uma lei que acentua os esforços de pesquisa médica e científica da maconha.
Em termos globais, o mercado da cannabis movimentou cerca de 37 bilhões de dólares no ano passado, de acordo com a consultoria especializada Prohibition Partners. Sua estimativa é que as vendas possam atingir 120 bilhões de dólares até 2026.
Dada essa perspectiva, é natural que haja um processo de consolidação em curso. A Cresco é uma das mais ativas. Embora algumas de suas aquisições não tenham sido concluídas a contento, várias foram. Nos últimos anos, ela comprou a Verdant Creations, de Ohio, a Bluma Wellness, da Flórida, a Cultivate, de Massachusetts, a Cure Pennsylvania e a Laurel Harvest Labs, da Pensilvânia.
As rivais não ficam atrás. O maior negócio do setor foi anunciado em maio passado pela Trulieve: a aquisição da Harvest Health & Recreation, do Arizona, por 2,1 bilhões de dólares. Só em março, no mesmo mês que a Cresco anunciou a compra da Columbia Care, foram divulgados outros dois negócios, um de 413 milhões e outro de 545 milhões de dólares.
Se fosse só essa a briga, a ambição da Cresco de se tornar uma espécie de Coca-Cola do mercado de cannabis já seria complicada. Mas há muito mais contendores.
E são fortes. As companhias dos setores de álcool, tabaco e farmacêutico já têm feito inserções nesse mercado. A ideia, obviamente, é fazer o que já fazem com os produtos que vendem. Por enquanto, sua ação é contida, pelas restrições legais que a maconha enfrenta. Quando este não for mais o caso…
Mesmo agora, já há movimentações de peso. A Altria, uma das maiores companhias de tabaco do mundo, investiu 1,8 bilhão de dólares no final de 2018 para adquirir 45% da produtora de cannabis canadense Cronos — já com opção de chegar a 55% das ações por mais US$ 1,1 bilhão.
Em 2021, a empresa de bebidas Constellation Brands (fabricante da Corona) comprou 38% das ações da Canopy Growth, a maior companhia de maconha do Canadá, por 4 bilhões de dólares — também com um acordo para adquirir o controle da empresa no futuro.
No final do ano passado, a Tilray, outra pioneira em produção, pesquisa e distribuição de cannabis, anunciou um acordo com a farmacêutica Novartis para “aumentar a disponibilidade de produtos médicos derivados da cannabis pelo mundo”.
Isso sem falar nas empresas de outros setores. À medida que a legalização avance, é quase consenso que a cannabis se tornará uma commodity e, portanto, uma oportunidade para as gigantes do agronegócio. O Brasil, neste caso, tem vocação para ser um forte concorrente.
Para isso, porém, é preciso entrar no jogo. Por enquanto, o mercado está em compasso de espera. O país já permite a venda de produtos medicinais à base de cannabis nas farmácias, mas o projeto que possibilita o cultivo da planta está parado há seis anos no Congresso. De acordo com a Associação Brasileira das Indústrias de Cannabis (Abicann), esta seria uma indústria capaz de gerar até 30 bilhões de dólares e dar emprego a até 300 mil pessoas dentro de dez anos.
As grandes empresas de distribuição também deverão querer entrar nesse mercado, por exemplo com bebidas que incluam o canabidiol, extraído da cannabis. Em outras palavras, é provável que, para se tornar uma Coca-Cola da cannabis, seja preciso disputar espaço com a própria Coca-Cola.
Finalmente, existe uma nada irrisória possibilidade de que, nos final das contas, não haja uma dominação assim tão efetiva de umas poucas empresas neste mercado. Em primeiro lugar, por causa da regulação. Como se viu no caso de Nova York, parece haver uma preocupação dos legisladores em dificultar o controle do mercado por grandes grupos.
Além disso, como disse ao site The Verge o professor de direito Ryan Stoa, da universidade Concordia, o domínio do mercado pelas grandes corporações é dificultado pelo fato de existirem muitas cepas diferentes da planta e, de acordo com ele, um forte interesse dos consumidores por produtos artesanais, localmente cultivados — essa é a tese que ele defende no seu livro, Craft Weed: Family Farming and the Future of the Marijuana Industry (Erva Artesanal: o cultivo familiar e o futuro da indústria da maconha, em tradução livre).