A computação de borda, um negócio que deve movimentar 176 bilhões de dólares em 2022, reduz o atraso no tráfego de dados e pode gerar ganhos para as empresas
Tiago Cordeiro
Os carros autônomos estão saindo dos filmes de ficção científica e são agora uma realidade cada vez mais próxima. Várias montadoras vêm investindo pesado para colocar nas ruas, em breve, veículos capazes de rodar 100% sem a intervenção humana. Essas máquinas contam com sensores, câmeras e radares que detectam o entorno e um sistema de inteligência artificial para tomar decisões no lugar do motorista a respeito de mudança de faixa, conversões, aceleração e desaceleração.
Agora, imagine se esses carros — que precisam de informações em tempo real sobre as condições de tráfego e sobre outros veículos ao redor — dependessem de recursos computacionais na nuvem ou em um datacenter remoto para processar os dados. Um problema de conectividade de milésimos de segundos poderia ser fatal.
Esse é o motivo pelo qual os veículos totalmente autônomos só serão viáveis caso processem os dados localmente ou próximos à origem dos dados, sem depender de uma conexão com uma central, que pode estar a vários quilômetros de distância. Aqui entra a edge computing, ou computação de borda. Essa forma de computação descentralizada permite que os dados não precisem trafegar dos usuários nas cidades até os grandes datacenters em locais distantes. É possível processar e armazenar esses dados previamente, mais perto do usuário, e transmitir para outros nós uma quantidade menor de informação, diminuindo consideravelmente o uso do canal e distribuindo o uso do processamento.
“A edge computing pode ser descrita como um paradigma da computação em nuvem, remodelando a figura de grandes parques de máquinas centralizadas em datacenters menores e mais próximos dos usuários”, diz o professor Raul Ikeda, coordenador do curso de Engenharia de Computação do Insper.
Esse modelo é vantajoso por diminuir o atraso no tráfego de dados e reduzir o uso da banda de comunicação. “Por outro lado, ter centros menores implica ter menos infraestrutura disponível, seja em termos de funcionalidades, seja em espaço físico, não permitindo uma fácil escalabilidade dos recursos”, afirma Ikeda.
No Brasil, o uso da computação em nuvem está superando o estágio de experimentação entre as empresas, segundo um estudo realizado pela consultoria IDC a pedido da IBM e publicado em novembro de 2020. Entre 143 tomadores de decisão e influenciadores nos temas de infraestrutura de TI e cloud de grandes corporações que foram entrevistados para o levantamento, 83% informaram que suas empresas ainda detêm datacenter próprio.
Por outro lado, 59% já utilizam algum tipo de cloud. E 33% do total já havia aderido à abordagem de nuvem híbrida, um ambiente de computação que combina um datacenter local (chamado de nuvem privada) com uma nuvem pública. E 40%, tanto entre os usuários de nuvem privada quanto pública, pretendiam, em 24 meses, migrar ao menos metade da carga de trabalho para esse ambiente. Ainda assim, a maioria dizia esbarrar na falta de uma abordagem definida para concluir essa transição.
A nuvem, de fato, é uma tendência que ganhou fôlego no ambiente corporativo ao longo da década passada. Ela permite gerir informações de maneira mais ágil do que os datacenters. Ainda assim, apresenta algumas limitações para as empresas, como explica o professor Ikeda.
“O uso de nuvem, sobretudo com tecnologias mais emergentes, pode apresentar custos ainda muito elevados. Outro fator que afeta o custo é a migração de sistemas já considerados maduros.” Além disso, a relação de orçamento entre usar nuvem pública e possuir o próprio datacenter, mesmo que terceirizado, requer uma análise individual de cada sistema e não é uma decisão trivial, sobretudo em sistemas já em fase de produto.
Outro grande entrave é a falta de mão de obra capacitada, segundo Ikeda. “Bons arquitetos de cloud são escassos no mercado, e isso se reflete na média salarial oferecida”, diz o professor. “A capacitação não é simples e exige muitas horas de prática, considerando ainda uma formação agnóstica e mais completa para um ambiente em que se utilizam diversos provedores de nuvem e sistemas complexos.”
É nesse contexto que a computação de borda tem potencial para se consolidar. Segundo os especialistas, a computação de borda não vai eliminar ou substituir a computação em nuvem. A tendência é que as duas tecnologias coexistam, já que possuem características diferentes, de modo que as empresas podem definir em que momento vão usar uma ou outra, ou uma combinação de ambas.
A computação de borda vem evoluindo de forma contínua na direção do uso de dispositivos menores e mais eficientes em energia, assim como bandas de comunicação maiores, graças à tecnologia 5G. Assim, rompe as barreiras inerentes aos datacenters, como energia, refrigeração, espaço físico e capacidade de comunicação, ao permitir que os nós, ou pontos de rede, possam estar localizados em lugares comuns, como dentro de empresas ou até mesmo em residências.
“O próprio roteador oferecido pelos provedores de internet é um ótimo candidato a formar um nó da rede, e esse serviço já está disponível em alguns lugares no mundo”, diz Ikeda. “Extrapolando ainda mais, poderemos no futuro contar com pontos móveis e não permanentes, como em automóveis, celulares e pessoas com wearables.”
Num contexto em que o volume de dados gerados e trafegados é muito grande e os dispositivos de internet das coisas (IoT) começam a se disseminar no mundo, com sensores que coletam, transmitem e consomem dados, o uso da computação de borda ganha relevância em um país com as dimensões do Brasil. Com a infraestrutura disponível atualmente, os dados gerados fora dos grandes centros urbanos, como nas fábricas, centros de distribuição e fazendas, precisam ser enviados para processamento em datacenters localizados a quilômetros de distância.
Com a computação de borda, os ganhos para a indústria 4.0, por exemplo, são enormes, na medida em que a capacidade de utilizar a IoT para melhorar a eficiência da produção pode ser potencializada pela melhoria da conectividade — uma fábrica com milhares de sensores e equipamentos, e que utilize uma infraestrutura de análise de dados com menor latência, tende a se diferenciar das concorrentes.
Outros setores também têm se beneficiado. As empresas de telecomunicações têm utilizado máquinas virtuais para levar a conectividade para mais perto dos consumidores, preservando os padrões básicos de desempenho e segurança, sem precisar investir em equipamentos proprietários caros para atender a locais remotos. A mesma estratégia já vem sendo utilizada por companhias que fornecem e distribuem eletricidade.
“Do lado do consumo, pode-se citar o caso das plataformas de streaming, nas quais o material poderia estar cada vez mais próximo do usuário, diminuindo o atraso e as interrupções, como também oferecer melhor qualidade de conteúdo”, exemplifica Ikeda. “Seria uma evolução do modelo já consolidado hoje de Content Delivery Network (CDN). Você poderia, por exemplo, assistir a um filme que estaria sendo transmitido dos seus vizinhos, configurando quase uma transmissão em rede local.”
O mercado tem identificado essa tendência. Dos 1.500 CIOs e CISOs ouvidos pela empresa de soluções corporativas F5 em todo o mundo, 76% declararam que as organizações onde atuam implementaram, ou estão em processo de implementar, aplicações utilizando a borda da rede. A principal motivação é a baixa latência, o tempo de resposta a uma solicitação, o que se traduz em melhor desempenho, e a capacidade de agilizar as funções de analytics.
Segundo um estudo da IDC, os investimentos globais em computação de borda devem atingir 176 bilhões de dólares em 2022, um crescimento de quase 15% em relação aos gastos realizados no ano anterior. A consultoria disse ter identificado mais de 150 casos de uso da computação de borda no mundo. A previsão de gastos de empresas e provedores de serviços em hardware, software e serviços para soluções de borda devem sustentar o ritmo de crescimento até 2025, quando os investimentos devem chegar a quase 274 bilhões de dólares.
Até 2025, de acordo com outro estudo, da consultoria Gartner, mais de 50% dos dados gerados pelas empresas serão criados e processados fora do datacenter ou da nuvem.
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