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Liberdade inconsequente ou constitucional?

A liberdade de expressão é um dos direitos pétreos da Constituição, devendo ser resguardado independentemente de governos

A liberdade de expressão é um dos direitos pétreos da Constituição, devendo ser resguardado independentemente de governos

 

Rafaela Wilians Belintani Rodrigues

 

Novos colonos vieram para as Américas à procura de liberdade, seja em sua estrita individualidade, seja no convívio social. Em busca de infinitas oportunidades em meio a uma nova terra, um novo mundo, um novo começo, respaldam-se neste princípio como indispensável para escrever suas constituições, construir suas democracias e manter suas sociedades.

Em meio a perseguições religiosas, os puritanos partiam sempre pela busca de uma zona em que pudessem praticar suas crenças e fé livremente. Todavia, no decorrer da conturbada luta pela garantia dos direitos individuais, o conceito de liberdade foi desprezado, visto como vago por muitos e ameaçador para instituições dogmáticas.

O caso do empresário norte-americano Larry Flynt, fundador da revista pornográfica Hustler e magnata da indústria pornográfica nos Estado Unidos, retratado no filme O Povo contra Larry Flynt, dirigido por Miloš Forman, se torna uma ótima introdução para a discussão sobre a garantia da liberdade de expressão e os seus possíveis limites. O protagonista, vítima de uma repressão contra a sua liberdade de imprensa em publicar conteúdos explícitos de pornografia, passa a representar a luta pelo que entende ser o seu direito de liberdade garantido por lei. Dessa forma, no decorrer do filme, o telespectador é levado a notar a linha tênue dos objetivos de Flynt, entre derrubar o conservadorismo presente do status quo e testar os limites da sua liberdade de expressão assegurada pela Constituição americana. Flynt luta por um sistema judiciário que proteja a sua liberdade e a liberdade de seus opositores de se oporem a ele.

O protagonista busca negar o dogmatismo vigente, isto é, a presunção de que uma opinião é verdadeira mesmo sem ter passado por um processo de análise passível de refutação. Ao confrontar os valores da sociedade conservadora da época, Flynt levanta o questionamento: a liberdade de expressão se limita ante os valores daqueles que detêm o poder?

A liberdade de expressão se configura um dos direitos pétreos da Constituição, devendo ser resguardado independentemente de governos, o que significa que não basta um grupo político divergir dos ideais vigentes para que se torne ilegal e inconstitucional. Para melhor refletir sobre a questão, pensemos no direito como uma construção humana, que consiste na soma de interesses individuais a ser representada por uma instituição, o Estado. Desse modo, fica a um critério subjetivo de cada sociedade decidir o que é certo e errado, o que faz com que o direito emane do povo e esteja em função deste.

Nesse diapasão, pode-se pensar no filósofo e ex-parlamentar John Stuart Mill, que no decorrer de suas obras avançou em sua notória colocação quanto à legitimidade das ações do governo e seus limites de atuação com o chamado “the harm principle” — em uma tradução livre, o princípio do prejudicar/fazer mal/dano —, termo cunhado por Joel Feinberg, filósofo político e jurídico americano conhecido por trabalhar nos campos da ética, mais especificamente, direitos individuais e autoridade do Estado. Para o filósofo, tem-se que o único propósito pelo qual o poder pode ser legitimamente exercido ante quaisquer membros da sociedade civilizada e, acima disso, contra a sua vontade, é a fim de evitar danos aos outros. Tal colocação pode ser usada e interpretada de diversas maneiras. A questão que resta a partir da ideia é de caráter utilitário acerca do assunto em questão: a pornografia e a liberdade de expressão. A pornografia, como resultado da colocação acima exposta, de fato causa algum dano à sociedade?

Por mais que a pergunta aparentemente tenha uma resposta simples, muitos pensamentos emergem quanto à questão. A pornografia, quando analisada sob à ótica sociológica, mostra-se como um dos pilares do machismo estrutural que culmina em casos de assédio, violência doméstica e feminicídio. Mas seria a pornografia a origem de tal mal, ou apenas um reflexo dele? A resposta a essa indagação traz consigo a resposta à questão se esta deve ser ou não tutelada pela Constituição e protegida pelo manto da liberdade de expressão.


Referências:

O Povo contra Larry Flynt. Direção de Miloš Forman. Estados Unidos: Sony Pictures Motion Picture Group, 1996.

MILL, J. S. On Liberty. S.L.: Arcturus Publishing Ltd, 1859.

 

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