Com nova tecnologia, que estreou já no jogo de abertura, a Fifa espera reduzir as contestações envolvendo lances de impedimento
A Copa do Mundo de 2022 começou no domingo, 20 de novembro, com a vitória do Equador sobre o Catar, o país anfitrião do evento, por 2 a 0. O lance mais comentado do jogo aconteceu logo aos 2 minutos e 38 segundos: aproveitando-se de uma saída atabalhoada do goleiro do Catar, Saad Al-Sheeb, o atacante equatoriano Enner Valencia tocou de cabeça e marcou o que seria o primeiro gol do Mundial.
“Por todas as imagens que vi aqui, o gol é legal”, analisou imediatamente o ex-juiz Sálvio Spínola, comentarista de arbitragem da TV Globo. Alguns segundos depois, porém, o gol foi anulado — um dos jogadores equatorianos no lance estava em posição de impedimento. Era a estreia da Saot (semi-automated offside technology, ou tecnologia semiautomática de impedimento), usada pela primeira vez numa Copa do Mundo.
A tecnologia, baseada em inteligência artificial, promete ajudar a definir com mais precisão se um jogador se encontrava ou não em posição irregular no lance que resultou em gol. É uma ferramenta auxiliar do VAR (video assistant referee, ou árbitro assistente de vídeo), introduzido na Copa do Mundo da Rússia, em 2018, e já amplamente utilizado no Brasil.
Com a Saot, a Fifa, entidade que rege o futebol mundial, espera resolver — ou pelo menos minimizar — as frequentes reclamações em relação ao VAR, que apresenta alguns problemas técnicos que acabam gerando imprecisões. Em primeiro lugar, o VAR não permite determinar o momento exato em que a bola é tocada pelo jogador, por causa da velocidade das imagens captadas pelas câmeras de TV, de 50 quadros por segundo. Em segundo lugar, no VAR, o ponto mais avançado do defensor e do atacante é selecionado manualmente, ou seja, por humanos.
Com a Saot e o uso de inteligência artificial, a Fifa espera remover a subjetividade humana presente nessas duas partes do processo. Para a nova tecnologia, que foi testada nos últimos três anos nas ligas europeias, 12 câmeras sob medida foram instaladas sob o teto dos estádios que vão sediar os jogos da Copa do Mundo no Catar. Essas câmeras rastreiam os 22 jogadores que estão em campo, monitorando até 29 pontos de dados de cada um, incluindo todos os membros e as extremidades relevantes para uma decisão de impedimento, como a parte superior do braço, os dedos dos pés, os joelhos e a cabeça. Dessa maneira, é possível saber a posição exata de cada jogador a qualquer momento durante a partida.
Além disso, a bola oficial da Copa do Mundo, a Adidas Al Rihla, conta com um sensor que envia dados 500 vezes por segundo, permitindo uma detecção mais precisa do momento em que a bola é chutada. Todos os dados do jogador e da bola são processados em tempo real pelo sistema de inteligência artificial, que emite um alerta para o VAR quando detecta uma posição de impedimento. Os árbitros do VAR então revisam o lance e comunicam ao árbitro, a quem cabe a decisão final. O sistema gera também imagens do lance em 3D, para ser exibidas no telão dos estádios e nas transmissões pela TV.
Com a nova tecnologia, a Fifa espera reduzir o tempo de decisão de um lance de uma média de 70 segundos para 25 segundos — o gol anulado do Equador no jogo de abertura da Copa, porém, demorou quase 2 minutos até a decisão final do árbitro. Em uma partida da Liga dos Campeões deste ano, entre Tottenham e Sporting de Lisboa, o árbitro levou quase 5 minutos até decidir anular um gol do atacante inglês Harry Kane. Essa demora, no entanto, foi causada menos por falha da tecnologia e mais pela necessidade de interpretação das regras de impedimento em alguns lances mais polêmicos.
Ainda que o tempo de decisão não melhore significativamente, a expectativa da Fifa é que o uso da Saot ajude a diminuir as contestações dos times relacionadas a lances de impedimento. “O objetivo é ter uma tecnologia muito precisa, algo semelhante à tecnologia da linha do gol, que oferece uma precisão muito alta”, afirmou o italiano Pierluigi Collina, presidente do comitê de arbitragem da FIFA. A tecnologia da linha do gol é elogiada por todos por sua precisão — quase ninguém mais contesta quando a tecnologia aponta que a bola ultrapassou a linha do gol, ainda que por pouquíssimos milímetros. “Deveria ser o mesmo para a Saot, que fornece a evidência de que um jogador estava impedido ou não de maneira muito precisa”, disse Collina.
É esperar até o fim da Copa para saber se a nova tecnologia vai passar no teste.