Urbanismo e mobilidade foram temas debatidos pelo Laboratório em três painéis do International Innovation Seminar
Tiago Cordeiro
“As cidades são a maior invenção da humanidade”, acredita o economista americano Edward Glaeser, professor da Universidade Harvard e autor do já clássico Triumph of the City (O Triunfo da Cidade, Bei, 2016, 2ª ed.). Não é difícil entender o porquê. Resultado de um longuíssimo e milenar processo deflagrado pela busca da sobrevivência da própria espécie, as cidades nasceram de crescentes conglomerados de pessoas, cuja convivência permitiu o surgimento de tudo o que, de fato, nos faz humanos. Mas esses extraordinários espaços de encontros e promoção de conhecimentos precisam avançar na direção de se tornarem mais igualitários — e com qualidade de vida.
Há um sentido de urgência nessa demanda. Afinal, segundo o Relatório Mundial das Cidades 2022, publicado pelo Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos (ONU-Habitat), a população mundial será 68% urbana até 2050, ante os atuais 55% — o que significa 2,2 bilhões de pessoas a mais vivendo em metrópoles.
“O crescimento de metrópoles em países pobres é um dos fenômenos mais importantes da atualidade”, disse Edward Glaeser no painel “Equality in the Economic Development of Cities”, um dos três organizados pelo Laboratório Arq.Futuro de Cidades sobre o tema “Cidades inteligentes” dentro da programação do International Innovation Seminar, realizado pelo Insper em outubro. Destinado a executivos e outros profissionais interessados em inovação, com transmissão gratuita via internet, o evento se estendeu por quatro dias. Em uma série de painéis abordou o assunto sob diversas perspectivas, incluindo as aplicações da inovação no campo da saúde e seu impacto no urbanismo e na mobilidade.
“A relação entre a urbanização nos anos 1960 e o crescimento econômico do planeta é conhecida. Em países pobres, geralmente pessoas que vivem em cidades são mais felizes do que as que habitam zonas rurais”, destacou Glaeser. No entanto, como se sabe, junto com as cidades vieram muitos problemas — pandemias, por exemplo. Se isso estava esquecido na memória da humanidade, o surto global de covid-19 foi um alerta devastador. “Precisamos criar algo como a Otan para a saúde, um órgão global capaz de monitorar doenças, criar vacinas, com países mais ricos investindo nos mais pobres, investindo em tecnologias de monitoramento”, defendeu Glaeser, retomando uma ideia que aparece em sua obra mais recente, Survival of the City: Living and Thriving in an Age of Isolation(2021), escrito em parceria com o também economista David Cutler e ainda inédito no Brasil. Ainda assim, segundo ele, “as cidades são resilientes, superaram ao longo do tempo crises piores do que a provocada pela covid-19 e vão continuar superando outros desafios no futuro.”
Além das reflexões proporcionadas pelo professor de Harvard, os outros dois painéis montados pelo Laboratório apresentaram uma proposta concreta de redesenho dos ambientes urbanos e cases de sucesso na implementação de tecnologia e inovação em prol da qualidade de vida.
O urbanista colombiano Carlos Moreno, diretor científico da cadeira de Empreendedorismo, Territórios e Inovação da Universidade Sorbonne em Paris, participou do seminário discorrendo sobre o conceito de Cidade de 15 minutos. A proposta é defendida, por exemplo, por Anne Hidalgo, prefeita de Paris desde 2014. Ela adotou essa bandeira como a principal de sua gestão à frente da capital francesa.
O conceito é simples de definir, porém difícil de executar: as pessoas deveriam estar a 15 minutos, a pé, de qualquer atividade que precisem ou queiram exercer numa cidade, do trabalho ao entretenimento.
“Aceitamos por tempo demais o inaceitável: edifícios sem uso, perda de interações sociais, cidades segmentadas, fragmentadas e desiguais, em que passamos muitas horas apenas nos deslocando”, afirmou Moreno. Em contraposição, uma nova narrativa urbana e territorial, utilizando a tecnologia para implementar espaços de usos múltiplos, poderia gerar cidades felizes. “Precisamos nos perguntar: em que tipo de cidades queremos viver?”, pontuou o urbanista, lembrando que a implementação do conceito de proximidade urbana varia de acordo com as características de cada região. “Eu nasci na Colômbia, mas moro na França. Entendo que locais diferentes enfrentam desafios próprios. Nesse sentido, sem regulamentação e mudanças no zoneamento não é possível implementar tal modelo.”
O evento contou ainda com um painel formado pelas participações de Arnd Bätzner, consultor especializado em mobilidade pelo Instituto Federal de Tecnologia da Suíça, e Sofia Salek de Braun, diretora de segurança do tráfego no PTV Group. Os dois interagiram com Keiichi Harasaki, da Tata Consulting, que argumentou que o uso dos automóveis elétricos vai transformar o ambiente urbano. “Com a gestão de dados, o carro elétrico vai oferecer sugestões, vai facilitar o esforço de gestão de logística. Teremos gente gerando energia, poderemos vender energia e comprar de quem quisermos. Será uma mudança de paradigma”, disse Harasaki.
Os outros dois mediadores do painel, Paulo Moura e Sérgio Avelleda, coordenadores, respectivamente, dos núcleos Cidades Inteligentes e Mobilidade do Laboratório, apontaram que a eletrificação faz parte de um contexto mais amplo. “Muitas vezes, o carro parece uma bola de ferro presa aos nossos pés. Com a transformação da mobilidade, poderemos contar com diferentes veículos, para diversos usos”, analisou Moura. “Hoje o carro é o único bem que compramos para ficar parado 90% do tempo”, acrescentou Avelleda.
Lisboa é um caso de sucesso da implementação de novos modelos, como micro-ônibus para 8 ou 16 assentos que reduzem o tempo de espera dos passageiros, assim como 22% do total de quilômetros percorridos, observou De Braun. “Percebemos que, ao implementar veículos de menor porte, só precisávamos de 10% da frota pública disponível em Lisboa para atender a toda a demanda. Assim, teremos espaços livres para realocar, criando áreas de convivência e lazer.” Testes semelhantes, realizados em outras cidades europeias, como Oslo e Dublin, apontam para resultados parecidos.
Por fim, Bätzner descreveu modelos de integração de diferentes alternativas, que reduzem o papel dos automóveis particulares. “A mobilidade individual era o sonho dos anos 1960. Porém se tornou o pesadelo dos anos 2000”, afirmou. “Precisamos colocar a sociedade em primeiro lugar. A tecnologia precisa servir às pessoas. Ela pode fazer basicamente tudo o que queremos, mas precisamos fazer as perguntas certas.”
• The Future of Mobility (Arnd Bätzner)
• The 15 Minutes Cities (Carlos Moreno)
• Equality in the Economic Development of Cities (Edward Glaeser)