Realizar busca
test

Quem ganha com a crise dos contêineres? A Amazon é uma das beneficiadas

A logística da gigante de comércio eletrônico vira uma arma importante para atrair empresas à sua plataforma de negócios

A logística da gigante de comércio eletrônico vira uma arma importante para atrair empresas à sua plataforma de negócios

 

David Cohen

 

Embora tenha virado uma espécie de clichê em discursos políticos e no mundo dos negócios, não é verdade que a palavra chinesa para crise seja composta por dois caracteres, um representando “perigo” e outro “oportunidade”. Ainda assim, a crise no transporte marítimo mundial — cuja origem pode ser traçada na pandemia iniciada na China — está sendo tratada como um grande perigo para algumas empresas e como uma baita oportunidade para outras.

Este segundo grupo começa pelas grandes transportadoras de mercadorias por mar. Segundo a consultoria especializada Drewry, elas estão cheias de dinheiro. Os lucros em 2021 devem chegar a US$ 200 bilhões, e em 2022 podem ficar em US$ 150 bilhões. É algo extraordinário, especialmente se comparado aos US$ 110 bilhões de lucro acumulado… nos 20 anos anteriores.

Não há dúvida de que a falta de caixas incrementou o fluxo de caixa das transportadoras, mas o salto nos lucros não se deve somente à elevação do preço dos fretes. Ele é resultado principalmente da consolidação no setor, que hoje conta com sete grandes empresas distribuídas em três alianças regionais, em comparação com as cerca de 30 empresas que respondiam pela maioria do comércio global há 30 anos.

Em parte, esse dinheiro recorde vai remunerar os acionistas das transportadoras. Mas ainda vai sobrar muito. Empresas como a dinamarquesa Maersk (a maior delas, responsável por um quinto do transporte marítimo global), a francesa CMA-CGM e a chinesa Cosco estão tratando de adquirir firmas de fulfillment (o processo que vai desde o recebimento do pedido de um cliente até sua entrega) e transporte aéreo. Esse movimento deve colocá-las na seara de gigantes de logística como a DHL e a FedEx, que abrangem o transporte por terra, mar e ar.

Entre as empresas de varejo, ou mesmo as indústrias, o novo cenário favorece as grandes. Em primeiro lugar, por uma questão de preço. Se você tem uma fábrica pequena ou média e exporta um contêiner por semana, não tem poder de barganha. Seus produtos não só vão ficar mais caros, como também você corre o risco de sofrer atrasos. Agora, se você tem uma empresa grande, a coisa muda de figura. E, se você tem a Amazon…

 

Avião da Amazon

Oportunidade amazônica

Neste caso, a oportunidade não é apenas grande — é enorme. Para começar, a Amazon tem feito seus próprios contêineres (ou, mais precisamente, mandado fazer na China). Não quer dizer que ela tenha autonomia para os transportes marítimos; os contêineres que está comprando são de 53 pés, uma medida que não se encaixa na padronização dos navios cargueiros. Eles servem basicamente para aumentar a capacidade de entrega da Amazon por terra, em seu principal mercado, o americano.

Além da logística por terra, a Amazon está investindo no transporte aéreo. Tem comprado aviões por meio de leasing e abriu, em agosto, um hub aéreo de US$ 1,5 bilhão no norte de Kentucky, perto da cidade de Cincinnati (Ohio). Está também construindo mais de 400 centros de distribuição de mercadorias nos Estados Unidos. E emprega uma enorme frota de vans de operadores independentes (mas que atendem apenas à Amazon). Ou seja, investe pesado em aprimorar sua estrutura para entregar mercadorias em qualquer ponto do país em dois dias ou menos.

O que falta nesse quadro? O transporte marítimo, uma peça fundamental, já que a maior parte das mercadorias vem da China. Mas aí a situação se complica. Um cargueiro típico é capaz de carregar cerca de 6.500 contêineres cheios e custa por volta de US$ 100 milhões. Para que o investimento faça sentido, ele precisa ser usado em plena capacidade. A Amazon não tem escala para isso — pelo menos não por enquanto.

O que ela tem feito, então? Comprado espaço nos navios alheios, como aponta Ben Thompson, um analista baseado em Taiwan, em artigo de sua newsletter de negócios Stratechery. Em 2016, a Amazon criou um serviço de despachante logístico. Ela reserva espaço fixo nos navios, em contratos de vários anos, por uma quantia fixa — e depois revende esse espaço a quem precisar.

Ou seja, quando veio a crise dos contêineres e o caos no tráfego internacional de mercadorias por mar, com a consequente disparada de preços, a Amazon tinha espaço garantido, de sobra, a custo de antigamente. Mais uma fonte de lucro extraordinária para a quarta maior empresa do mundo, certo? Mais ou menos.

Em vez de embolsar esse dinheiro fácil, a Amazon preferiu agradar a seus parceiros. Tem oferecido, a preço de custo, espaço nos cargueiros para as empresas que fazem parte de sua plataforma de comércio digital. Em vez de embolsar mais dinheiro, está aparentemente conseguindo algo mais valioso: vencer as resistências de lojistas que resistiam a fazer parte de sua plataforma. Pressionados pela chegada das festas de fim de ano, vários deles toparam confiar suas cargas à Amazon. “Ela tinha espaço nos navios e eu não podia dizer não”, afirmou David Knofler, dono de uma empresa de artigos de iluminação, à revista Bloomberg Business Week. “Se Kim Jong Un (o ditador norte-coreano) tivesse um contêiner, eu aceitaria também. Não posso ser idealista.”

O transporte assegurado em tempos de gargalos nas rotas não é a única vantagem oferecida pela Amazon. Ela basicamente simplifica o processo inteiro. Desde 2006, permite que os vendedores que aderirem à plataforma — em boa parte das vezes seus próprios concorrentes — tenham os produtos listados no site, empacotados, armazenados e transportados para o comprador. Dependendo da taxa, podem ainda guardar seus estoques nos centros de distribuição da companhia e aparecer com mais destaque no site. Sem falar no pagamento, processado pela Amazon.

O lado não tão bom de todas essas vantagens é que, para o consumidor, tudo se passa como se o produto fosse da Amazon. Não é à toa que as autoridades antitruste e defensores de um mercado com maior concorrência fiquem de olho no funcionamento da plataforma. Ao aderir às facilidades da gigante, a empresa não só perde sua identidade, como também deixa à mostra alguns segredos do negócio (quem são seus fornecedores, o tamanho de seus estoques, quanto tempo demora para entregar um produto…).

A alternativa, para os pequenos empresários, é contratar serviços de outras plataformas de negócios, como a Shopify. Nesse caso, as empresas usufruem de facilidades de escala mantendo o controle sobre suas marcas, a experiência que oferecem aos consumidores e as peculiaridades de seus negócios. Em suma, há um cenário em que os pequenos empresários, dispersos, conseguem se organizar eficientemente para concorrer com os grandes, integrados. Mas a crise dos contêineres tornou essa aposta mais difícil.

Como afirma Thompson, da Stratechery, “quanto mais a informação (no caso da publicidade) e os bens (no caso da cadeia de suprimentos) puderem se mover livremente, maior a chance de os pequenos competidores enfrentarem os gigantes integrados. O mundo, porém, tanto o digital quanto o físico, está se movendo na direção oposta.”

Este website usa Cookies

Saiba como o Insper trata os seus dados pessoais em nosso Aviso de Privacidade, disponível no Portal da Privacidade.

Aviso de Privacidade

Definições Cookies

Uso de Cookies

Saiba como o Insper trata os seus dados pessoais em nosso Aviso de Privacidade, disponível no Portal da Privacidade.

Aviso de Privacidade