Luciana Lima, professora do Insper, estuda formas como a pandemia afeta o sistema de motivações e prejudica o desempenho de jovens adultos nos estudos
A pandemia causada pelo novo coronavírus atingiu um momento crítico com o aumento de casos e novas restrições de locomoção. Esse retorno ao distanciamento social trouxe importantes questionamentos em relação à motivação para estudar e trabalhar e seus impactos no desempenho, principalmente entre jovens adultos.
Para Luciana Lima, professora do Insper, pós-graduada em neurociência, os jovens adultos enfrentam, nesse momento da pandemia, três desafios principais: a falta de motivação, a ausência de convívio social e dificuldades para gerenciar expectativas de retorno à normalidade. “De um dia para outro, esse jovem foi afastado de um ambiente estimulante para os estudos, no qual a motivação vinha com muita naturalidade na companhia dos colegas e troca com professores. Com o passar dos dias, expectativas de retorno foram sendo criadas e sequencialmente frustradas de acordo com as fases de isolamento propostas pelas autoridades”.
De acordo com Luciana, esses três desafios tornam-se peculiares pelas características neurais do jovem adulto. Confira a entrevista com Luciana e entenda como melhorar o desempenho dos seus estudos:
O que é e como funciona a motivação para a neurociência?
A motivação vem do movimento, ou seja, da necessidade de sair de uma condição atual para uma condição futura. No caso dos alunos, é o que faz com que ele acorde, se levante, entre na sala de aula remota e mantenha sua atenção sustentada ao longo da aula. Isso envolve, além de estar presente, se engajar e curtir a aula, fazer parte dela, dar suas contribuições, fazer as atividades, enfim, ‘se movimentar’.
Uma parte disso é puro mecanismo de rotina e espera-se já estar incorporado, como o acordar e se levantar. Já outra parte, especificamente, que é o “se engajar”, depende demais do seu sistema de recompensas interno.
Mas o que o sistema de recompensas interno tem a ver com motivação?
Esse sistema é absolutamente inconsciente e involuntário. O princípio básico dele envolve o papel da dopamina, um neurotransmissor diretamente envolvido com a produção da sensação de prazer ao se fazer algo, e que, portanto, nos leva a fazer e repetir algum tipo de comportamento. E isso é totalmente pessoal, para um aluno pode ser muito prazeroso participar de algumas aulas por conta de determinada temática e não de outras. Da mesma forma, há uma preferência que diz respeito aos professores e também aos métodos utilizados.
De uma forma simplificada, entende-se que o sistema de preferências e recompensas foi desenvolvido a partir de uma experiência muito positiva no passado, relacionada ao contato com determinadas características de conteúdo, estilo de aula ou método de aprendizagem. O interessante é que apenas antecipar a experiência de fazer algo que se goste já é suficiente para desencadear a liberação de dopamina no sistema, iniciando a vontade de fazer, que será, automaticamente, reforçada ao término de sua execução. É por isso que quanto mais fazemos coisas que gostamos, mais queremos continuar realizando.
Como a motivação se relaciona com as características neurais do jovem adulto?
A motivação, nos jovens adultos, está totalmente conectada com as suas experiências sociais, uma das coisas mais impactadas pela pandemia. É nessa fase de vida que o aluno consegue estabelecer relações comparativas entre as diversas realidades da sua vida, é o momento em que ele consegue criar identificações com diferentes grupos sociais, experimentando um ganho de liberdade e autonomia.
Nessa faixa etária, a experiência de prazer fica mais dependente de um estímulo diferenciado e forte para se fazer valer, por conta do desenvolvimento cerebral envolvendo a dopamina. Isso significa que, para algo ser legal, precisa ser realmente muito legal.
Isso tem relação com a crescente sensação de dificuldade para aprender?
É importante considerar que as áreas neurais pertinentes ao julgamento não estão plenamente desenvolvidas nessa faixa etária. Por isso, há uma capacidade limitada de compreensão de risco. Isso, associado à frustração gerada pela saudade dos momentos sociais na escola, acabam por interferir no processo de julgamento sobre o que, como e quanto está se aprendendo, conforme demonstrado por pesquisadores do Max Planck Institute for Metabolism Research in Cologne. O problema é ficar com a atenção direcionada a isso, deixando de aproveitar bons momentos e de se engajar no aprendizado.
Como diminuir essa sensação de frustração?
A sugestão é testar algumas alternativas e avaliar suas reações, lembrando que há a necessidade de uma repetição, uma constância na prática dessas sugestões para que se consiga algum resultado positivo.
Um estudo publicado na Social Cognitive and Affective Neuroscience demonstra que a ficção é uma chance de assumir novas identidades, de ver mundos por meio dos olhos dos outros e retornar dessas experiências de uma outra forma, com um outro humor, com uma sensação mais positiva. Ou seja, a dica aqui é imergir em histórias fictícias por meio de séries e livros que possam proporcionar experiências positivas.
Um outro estudo, da University of Geneva, concluiu que a emulação, processo de imaginar um movimento sem realmente realizá-lo, ativa a rede cerebral da mesma forma que os movimentos reais. Assim, a sugestão é que você use a sua imaginação para retornar às suas memórias preferidas dos bons momentos que vivenciou nos estudos, como forma de usufruir de uma sensação de bem-estar e gerenciar seu estado motivacional.
Outro aspecto importante é observar o viés confirmatório da sua frustração, o que, na prática, significa validar somente os aspectos negativos do momento vivido, com colegas que pensam como você. Um estudo publicado na Nature Communication sugere que uma forma de aumentar a cognição e as funções executivas (controle dos pensamentos, flexibilidade mental, memória operacional) dos jovens adultos é explorar os ganhos possíveis em cada situação, no caso, das aulas remotas e maior virtualidade.
Como uma estratégia de promoção de engajamento para a aula, é possível parar por um minuto e tentar se lembrar de algo legal que tenha acontecido na disciplina, ou que esteja relacionado com ela. Pesquisadores da Columbia University afirmam que o cérebro reproduz e prioriza eventos de alta recompensa para recuperação posterior, ou seja, se você se lembrou de algo da aula passada é porque isso foi significativo e positivo, podendo ser um gatilho para ativar o sistema de recompensa para a aula atual.