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O que esperar de 2022 na economia? É melhor manter os pés no chão, diz o professor Otto Nogami

O economista vê o próximo ano com poucas perspectivas de retomada e recomenda apenas “tocar o dia a dia na mesma toada”, à espera de tempos melhores

 

Otto Nogami, professor do Insper
Otto Nogami, professor do Insper

 

Nos últimos três anos, o governo não fez a lição de casa e o Brasil andou para trás, distanciando-se de outros países emergentes, como a Índia, e se isolando do mundo. É essa a análise de Otto Nogami, economista pela Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo e professor em programas de pós-graduação lato sensu e educação executiva do Insper, além de sócio da Nogami Economia, Estratégias e Treinamento. O professor vê com pessimismo as perspectivas para 2022, por se tratar de um ano eleitoral, em que o governo estará mais preocupado com as urnas do que em resolver os problemas estruturais do país. Confira na entrevista a seguir:

 

No mais recente Boletim Focus, divulgado pelo Banco Central, a previsão é que o PIB do Brasil cresça apenas 0,5% em 2022. Já dá para dizer que será um ano praticamente perdido?

Não há nenhum fator que indique uma condição melhor para a nossa economia. Levando-se em conta, principalmente, que 2022 é um ano eleitoral, toda a atenção do governo estará voltada exatamente à eleição, e não às condições estruturais da nossa economia. Isso faz com que as perspectivas para o ano que vem não sejam realmente promissoras. Corremos um risco muito grande de ter, inclusive, uma retração na atividade econômica. E por quê? Pela inação do governo nos últimos três anos. O governo não fez a lição de casa e vai deixar toda uma condição estrutural deteriorada, pior do que estava há três anos. Então, realmente, acredito que o ano que vem será mais um ano perdido.

 

Que lição de casa o governo deixou de fazer e está fazendo mais falta para o Brasil?

Além da reforma previdenciária, que foi feita aos trancos e barrancos e ficou muito distante daquilo que serial a ideal, pois manteve os privilégios de determinados setores, o governo havia prometido fazer as reformas tributária e administrativa. E o que fez? No que diz respeito à reforma tributária, uma mera mexida em alíquotas, aqui e ali, mas não uma reforma total e completa, como seria desejável. Em termos da reforma administrativa, continua um caos, tanto no Executivo como no Legislativo e no Judiciário. O governo acabou se distanciando do propósito inicial de tornar a nossa economia mais competitiva. Estamos andando para trás e nos distanciando cada vez mais de outros países emergentes, como a Índia, que tem crescido na casa dos 4% a 4,5% ao ano, enquanto nós não conseguimos há muito tempo apresentar uma expansão anual superior a 2%.

 

O FMI prevê que, no ano que vem, o Brasil deverá ser o país com a menor taxa de crescimento no grupo das 20 economias mais desenvolvidas do mundo, o G-20. Isso evidencia que estamos fazendo escolhas equivocadas em comparação com outros países?

Estamos fazendo tudo errado, com alianças erradas e discursos não adequados. Por exemplo, na reunião do G-20 deste ano, o Brasil teve a grande oportunidade de articular com os nossos tradicionais parceiros, como os Estados Unidos, a França e a Alemanha, mas não fez nada disso. Depois da reunião do G-20, aliás, o governo foi para o Oriente Médio tentar obter recursos dos fundos soberanos, mas voltou de mãos abanando. Há interesse dos investidores pelo Brasil? Sem dúvida, mas, antes de tudo, eles analisam as condições de risco. E o Brasil hoje apresenta um grau de risco extremamente alto. Basta observar o que está acontecendo com a taxa de câmbio, que está muito desvalorizada. Isso ocorre porque há muito mais saídas de divisas do que entradas. O investidor estrangeiro, principalmente o capital financeiro, fica preocupado ao observar o cenário atual. Ele vai buscar economias mais estáveis, mais seguras, onde possa ter pelo menos um horizonte. Aqui não temos nem isso.

 

A tendência é que os investidores estrangeiros aguardem o desfecho eleitoral antes de tomar qualquer decisão sobre negócios?

Em ano eleitoral, ninguém faz investimentos. O capital estrangeiro vai esperar saber quem vai se eleger, para só então começar o processo de planejamento de novos investimentos, da ampliação da capacidade produtiva e da agregação de tecnologia. Quando o investidor estrangeiro decide ir para um país, suas grandes preocupações são três. Em primeiro lugar, a qualidade da mão de obra, ou seja, a educação. Em segundo lugar, a saúde do trabalhador, porque o índice de absenteísmo no Brasil é um absurdo — você nem imagina o número de atestados médicos que são apresentados nas empresas. E, em terceiro lugar, a mobilidade, já que a grande maioria dos trabalhadores mora na periferia e precisa tomar duas ou três conduções para chegar ao local de trabalho. Que qualidade de vida esse trabalhador pode ter? E essa falta de qualidade de vida repercute na produtividade do trabalhador. Portanto, há um conjunto de elementos que não propicia um ambiente adequado para trabalhar ou produzir no Brasil. Esse é o grande problema do país hoje.

 

Os dois candidatos a presidente que estão à frente nas pesquisas eleitorais defendem o aumento dos gastos públicos. Isso é ruim para o país?

Isso é péssimo. O governo, primeiro, tem que zelar pelo bem-estar social. O que isso significa? São exatamente essas três condicionantes que citei anteriormente: educação, saúde e mobilidade. Se o governo efetivamente gastasse nesses setores, não haveria motivos para críticas. O problema é que há vazamentos gigantescos de verba pública. Se você pegar as transferências previdenciárias, o pagamento a aposentados e pensionistas, e somar a folha de pessoal, isso dá 70% da arrecadação. Com isso, o que sobra para investimentos? Antes de falar em teto dos gastos, é preciso adequar as contas e enxugar a máquina pública, começando pelo próprio Executivo. Por exemplo, só a manutenção do Palácio da Alvorada custa cerca de 700 mil reais por mês.  E o Palácio do Planalto, então? É quase uma cidade, tem até hospital. A estrutura do Palácio do Planalto é muito maior que a da Casa Branca — só que a Casa Branca representa um governo que lida com um PIB de mais de 21 trilhões de dólares, enquanto o nosso não chega a 1,5 trilhão de dólares. Quer dizer, são coisas totalmente desproporcionais.

 

Como o senhor vê o cenário externo no ano que vem? Que tipo de impacto poderá ter no Brasil?

Não podemos esquecer que o setor externo está em processo de ajuste, principalmente em função da pandemia. Hoje mesmo saiu no noticiário que a Grã-Bretanha, a Dinamarca e a França vão impor restrições à circulação das pessoas. Tudo isso mexe não só com o modo de produzir, mas também com o movimento da economia como um todo. E acaba gerando uma apreensão muito grande. No continente europeu, o índice de desemprego já era alto e acabou se agravando com a pandemia. Então, as principais economias estão buscando maneiras de se ajustar à nova realidade. O mundo vive um momento novo, inédito. Até conseguir equilibrar tudo isso certamente levará alguns anos. Serão anos e anos sem perspectiva de prosperidade. Nesse contexto, há necessidade, indiscutivelmente, de o governo brasileiro estar alinhado com as grandes economias para poder participar do processo de ajuste e, principalmente, do processo de retomada do crescimento. Afinal, essas reuniões, principalmente no âmbito do G-20, visam fundamentalmente definir ações conjuntas e parcerias. É assim que se consegue prosperar. Mas o Brasil, infelizmente, acabou se isolando dos outros países.

 

Nesse cenário complicado, o senhor consegue enxergar alguma coisa de positivo que dê um alento?

(Fez uma pausa e suspirou). É difícil. A única coisa que salva o Brasil é a resiliência do brasileiro. Somos teimosos demais e, mesmo com todos os problemas, sempre seguimos adiante. “Vamos em frente que atrás vem gente” — é mais ou menos esse o discurso. Agora, quando algumas empresas clientes me perguntam sobre as perspectivas para 2022, eu digo que não há motivo algum para otimismo, principalmente em função das eleições, conforme já comentei. Nesse sentido, o que recomendo é tocar o dia a dia na mesma toada, sem dar grandes passos. E torcer para que em 2023 ou 2024 tenhamos um cenário diferente e melhor.

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