Graduado em uma das primeiras turmas de Administração do Insper, Alexandre Kelemen lembra que, já na época da faculdade, ele notava algumas coisas diferentes sobre si mesmo: a dificuldade de manter contato visual com os outros, um raciocínio lógico e matemático muito afiado e a capacidade de se manter focado em um tema ou atividade por longas horas, sem interrupções. A metodologia do Insper, voltada para a participação intensa dos alunos em sala, era também um desafio. “Eu participava porque tinha que fazer, mas no final isso acabou me ajudando muito a não ficar tão fechado”, diz.
Tanto que, depois da faculdade, onde se formou em 2009, Alexandre não só teve uma carreira bem-sucedida na área de RI (relações com investidores) e na abertura de IPOs, como também decidiu empreender. Ao perceber a pressão dos investidores para que as empresas tivessem uma estratégia de ESG, ele acabou encampando essa área na empresa onde trabalhava, até resolver dedicar inteiramente sua carreira à sustentabilidade. Desde julho de 2022, ele é sócio e cofundador da Mangue, empresa de tecnologia focada em sustentabilidade e ESG. “Nós focamos em simplificar a jornada de descarbonização e a estratégia ESG dos nossos clientes”, diz.
A escolha veio não só pelo interesse pelo tema, mas também por uma vocação antiga. “Eu venho de uma família de empreendedores e gosto muito de construir, de ver algo se desenvolver”, diz. “Hoje sou pai e para mim não tem coisa mais mágica que ver o desenvolvimento do meu filho — todo dia tem uma coisa nova.”
Foi por causa do seu filho, aliás, que Alexandre acabou se descobrindo, já mais velho, como uma pessoa neurodivergente. “Foi quase uma coincidência. Desde cedo procuramos apoio para nosso filho e descobrimos que ele tinha TEA”, diz, referindo-se ao transtorno do espectro autista. Ao ouvir dos médicos que aquela era uma condição hereditária, ele lembra que começou a investigar a sua própria árvore genealógica. “Na curiosidade, fui perguntar para a neuropediatra quais eram os sinais de que uma pessoa está no transtorno.” Como resposta, médica listou uma série de sinais que, para ele, eram coisas corriqueiras. “Eu pensei: ‘Mas sempre faço isso, para mim é normal’”.
Depois disso, Alexandre decidiu ir atrás de um especialista e viu que também estava no espectro. “Nessa hora, algumas coisas pelas quais passei começaram a fazer muito sentido, e outras comecei aceitar mais”, diz. Mas, para ele, nem o diagnóstico, nem as características são algo que o prendem em uma caixa. “Tudo isso são traços de individualidade, que fazem uma pessoa ser quem ela é — assim como uma pessoa é canhota, ou tem cabelo liso, são aspectos que todos temos.”
Por outro lado, o mundo não encara da mesma forma todas essas características. “Quando você é canhoto, você precisa se adaptar a um mundo que não foi feito para você — e é assim quando você é neurodivergente”, diz Alexandre. “No final, todas as metodologias [de ensino] e as expectativas são criadas em volta de construtos do que é normal, daquilo que é neurotípico.”
E é essa expectativa por trás daquilo que seria o “normal” que dificulta, muitas vezes, a vida de quem não corresponde exatamente ao que é esperado. “Se o mundo fosse adaptado para todas as pessoas, ninguém seria deficiente”, diz Alexandre. “No meu caso, a adaptação que precisa ser feita é pequena, mas, infelizmente, isso não é para todos.”
Para Alexandre, o fato de que condições como o TEA estejam ganhando mais a atenção acaba resultando, às vezes, em um certo preconceito em relação àqueles que buscam um diagnóstico. “Um médico já me disse que agora todo mundo estava querendo achar que era autista, e não é isso. As pessoas estão descobrindo sua individualidade”, diz. Além disso, fatores como a evolução da medicina e a maior acessibilidade de informações estariam por trás do maior número de pessoas se identificando como neurodivergentes ou com condições como déficit de atenção, dislexia e autismo. Mas nada disso, em si, é novo. “Não é moda, é algo que sempre esteve aí”, diz Alexandre.
Ele acredita que a neurodivergência é muito mais comum do que se imagina. “Na verdade, o número de pessoas com TEA é subestimado, porque muitas só são diagnosticadas porque têm um grau alto”, diz. Ele mesmo se considera um exemplo de pessoa que conseguiu, ao longo da vida, “mascarar” a maior parte dos sinais de autismo, algo que torna a condição difícil de ser percebida por pessoas não treinadas.
Ao mesmo tempo, estereótipos de como são pessoas autistas ou com TDAH, por exemplo, só reforçam o estigma em torno dessas condições. “Muita gente me diz que eu não pareço, porque há todo um estereótipo de Hollywood”, diz. “Mas é por isso que a gente fala que é um espectro, não existe algo que é comum para todos que carregam esse transtorno.”
Já para quem recebe o diagnóstico, a sensação pode ser muitas vezes de alívio. “Deixou de ser tabu, e é muito bom você saber, porque você percebe que aquilo é algo seu”, diz. “A aceitação é um processo muito legal, não só para você se desenvolver como ser humano, mas para conseguir adaptar situações que foram criadas em torno daquilo que é o esperado.”
Mas, se é cada vez menos tabu para as pessoas se identificarem como neurodivergentes, o mesmo ainda estaria longe de acontecer nas empresas: Alexandre questiona ainda a contradição entre a busca das empresas por mais diversidade e, ao mesmo tempo, a dificuldade em lidar com aquilo que foge do esperado. “Por que o divergente é negativo e a diversidade é positiva?”, questiona. “Já imaginou alguém dizer em uma entrevista de emprego que tem autismo, ou que é disléxica ou tem TDAH?”.
A reação, afirma Alexandre, não costuma ser das melhores. “O RH não pensaria nas coisas positivas”, diz. “Uma pessoa com TDAH, por exemplo, tem uma capacidade criativa e de fazer diversas conexões, mas as pessoas pensam que é só alguém que não consegue prestar atenção ou não consegue parar quieto.” Além disso, assim como o autismo, essas também são condições que estão em um espectro. Ou seja, cada um é único, ainda que o diagnóstico seja o mesmo.
Sentir a necessidade de esconder ou disfarçar determinadas características também faz com que as pessoas não possam, de fato, exercer todo o seu potencial, seja na escola, seja na universidade ou na vida profissional. Para Alexandre, ter essa abertura nos espaços e tornar natural o fato de se constatar determinado diagnóstico como mais um traço de personalidade de cada um ajudariam a criar mais senso de pertencimento e inclusão. Além disso, ter a abertura para falar disso tornaria mais fácil conseguir as adaptações necessárias para que cada um consiga ter o melhor desempenho possível. “Posso, por exemplo, precisar pausar ou mudar o horário de trabalho, mas o importante é produzir”, diz.