No último dia 6 de abril, a cearense Celina Melo, de 25 anos, e a paulista Talissa Gonçalves, de 24, participaram de uma recepção no Museu de Manchester, da cidade inglesa localizada 330 quilômetros ao norte de Londres. Cercadas por reconstruções de fósseis de dinossauros, davam início à participação na Conference on Life Cycle Engineering, um congresso organizado pela Academia Internacional de Engenharia de Produção (CIRP) com o objetivo de reunir pesquisadores, acadêmicos e profissionais da indústria para compartilhar conhecimentos e avanços nas áreas de engenharia de ciclo de vida e sustentabilidade.
Elas eram as únicas a representar uma instituição de ensino brasileira — havia outros pesquisadores nascidos no Brasil, mas atuando em universidades e centros de pesquisa estrangeiros, europeus em especial. Também foram as únicas alunas de graduação selecionadas para apresentar um projeto — as demais iniciativas foram conduzidas por pessoas que já cursavam mestrado ou doutorado.
A programação se estendeu até o dia 9 de abril e foi encerrada dentro do estádio do tradicional clube de futebol Manchester United. Antes disso, na segunda-feira, dia 7, as duas apresentaram o artigo que submeteram à organização com base no projeto de conclusão de curso das Engenharias do Insper, o Capstone.
Realizado para a Braskem, o projeto foi desenvolvido junto com os alunos Gabriel Salvator Benatar e Lister Ogusuku Ribeiro, sob orientação do professor Alex Bottene, líder da trilha de design dos cursos de Engenharia Mecânica e Mecatrônica e coordenador do Programa Avançado em Transformação Digital da escola, e coorientação de Daniel Guzzo da Costa, ex-professor do Insper que atualmente desenvolve pesquisa na área pela Universidade Técnica da Dinamarca, onde cursou o pós-doutorado.
“O Capstone tem a missão de conectar problemas reais a desafios da graduação. Em geral, a demanda não vem completamente definida, existe uma etapa inicial que consiste em definir o escopo. É uma jornada e sempre nos surpreendemos com o resultado alcançado”, diz Bottene, que na época do início do projeto desenvolvia uma pesquisa junto à Braskem — a demanda para os estudantes de graduação surgiu a partir dessa interação.
O Capstone desenvolvido pelos estudantes tinha como meta a criação de uma ferramenta capaz de avaliar a circularidade de embalagens desenvolvidas. O trabalho foi dividido em duas etapas. A primeira consistiu em desenvolver um fluxograma para identificar as etapas e decisões necessárias, desde a definição da embalagem até a criação de gráfico de circularidade por custo das opções disponíveis.
Com o objetivo de testar e refinar a ferramenta, a segunda etapa foi focada na criação de cinco combinações de materiais para uma embalagem de um quilo de ração seca para cachorro, por meio de uma matriz contendo diferentes materiais e os requisitos que eles atendem.
“Este foi um projeto de Engenharia diferente, que não entregava um protótipo, mas sim uma ferramenta de análise de fluxo industrial. Parte da nossa missão consistiu em ensinar a empresa a utilizar a ferramenta que desenvolvemos”, afirma Talissa.
“Para desenvolver a ferramenta, precisamos trabalhar com uma série de variáveis, de acordo com cada requisito que cada embalagem precisa atender. O desafio foi maior do que eu imaginava. Ficou claro o quanto a reciclagem e a circularidade representam uma grande dificuldade para a indústria”, reforça Celina.
Tanto Talissa, nascida em Sorocaba (SP) e que se formou em abril deste ano, quando Celina, de Fortaleza (CE), cuja formatura está marcada para setembro, são bolsistas do Insper e moraram na Toca da Raposa, a residência universitária da instituição. Depois de participar de um workshop com integrantes do Insper durante o ensino médio, Talissa sabia onde queria cursar a graduação. “Decidi por Engenharia Mecatrônica e consegui bolsa integral. Sabia o que esperar da faculdade, mas o Insper continuou me surpreendendo”, diz.
Ela se envolveu com uma série de atividades acadêmicas, incluindo o papel de líder na Toca e ações de iniciação para outros estudantes. Fez quatro estágio de férias — no mais recente, foi efetivada: ela trabalha agora na Teachy, uma startup de inteligência artificial para professores. Também fez intercâmbio. “Passei seis meses na França, cursando disciplinas na área de business. Gosto muito de comunicação e marketing, e o perfil analítico desenvolvido na engenharia representa um grande diferencial”, diz.
Por sua vez, Celina é interessada por mecânica desde cedo. Iniciou mecânica industrial no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará e foi bolsista em um colégio particular, quando conheceu o Insper, que estava começando a oferecer o vestibular presencial em Fortaleza. Também conquistou bolsa, na graduação em Engenharia Mecânica, e se mudou para São Paulo. “Não tem como não se apaixonar pelo Insper. Sua proposta é diferenciada e toda a formação é baseada em projetos práticos. É uma faculdade de excelência, com um programa de bolsas incrível”, diz ela.
Naturalmente, Celina e Talissa interagiram na Toca da Raposa. Mas a amizade se estreitou durante o Capstone, e depois ao longo da viagem para a Inglaterra. “Eu nunca tinha viajado para o exterior. Minha irmã estava na França fazendo intercâmbio, nos encontramos em Londres. Foi uma experiência muito rica. Encontrar pessoas da comunidade acadêmica, que estudam temas semelhantes e buscam interagir e compartilhar conhecimento, me apresentou um mundo novo, o da pesquisa”, diz Celina.
O artigo foi desenvolvido depois da apresentação bem-sucedida do Capstone, relata o professor Bottene. “Eu percebi, em parceria com o professor Daniel, que seria interessante os alunos apresentarem o projeto para uma banca difícil, atuante nessa área. E foram os avaliadores que identificaram que neste trabalho havia potencial para elaborar um artigo. As duas alunas seguiram adiante com a ideia”, diz ele.
“O caso de sucesso da Celina e da Talissa deixa claro que, quando o grupo se dedica, é motivado e proativo, um Capstone pode alcançar resultados que vão muito além de um projeto de conclusão de curso”, prossegue o orientador. “Pode render um produto, uma patente, uma startup, uma pesquisa de mestrado, ou mesmo a participação em congressos acadêmicos.”
As duas estudantes nunca haviam produzido um artigo. Agora, consideram a possibilidade se seguir atuando em pesquisa, em paralelo com a carreira profissional — Celina fez estágio no banco BTG, na fabricante de bebidas Ambev e na empresa de tecnologia Oracle, e atualmente trabalha na startup de aluguel de motos Mottu. “Tenho pensado mais em atuar com pesquisa”, diz Celina. “Pretendo fazer um mestrado no exterior, e entre as opções que estou avaliando está a Universidade de Manchester”, afirma Talissa.