Durante o Mês da Mulher, em março, o Insper destacou seis trabalhos de conclusão da Pós-Graduação em Urbanismo Social – Gestão Urbana, Políticas Públicas e Sociedade do Centro de Estudos das Cidades – Laboratório Arq.Futuro que propõem respostas ousadas e sensíveis para um desafio ainda urgente: como tornar as cidades mais justas, seguras e acolhedoras para as mulheres? Os TCCs, orientados pelos professores Camila Maleronka, Érica Peçanha, Laura Janka e Mauricio Bouskela, tratam de questões como mobilidade, saúde, cuidado e segurança nos territórios urbanos — sempre com recorte de gênero, sobretudo em contextos de vulnerabilidade social.
“Historicamente, o espaço urbano foi projetado por homens e para homens. Pensar a cidade a partir da perspectiva de gênero é não apenas uma questão de justiça, mas de qualidade de vida para todos — especialmente para quem sempre esteve às margens do planejamento urbano”, diz a professora Laura Janka.
Leia a seguir um resumo dos trabalhos.
Autora: Helena Gouvêa de Paula Hocayen
Orientador: Mauricio Bouskela
No TCC Passos Seguros: caminhabilidade e segurança para mulheres no centro do Rio de Janeiro, a advogada e mestra em políticas públicas Helena Hocayen partiu de uma experiência pessoal como estudante universitária na região central da capital fluminense para refletir sobre a insegurança que a população feminina enfrenta nos deslocamentos diários. Com base em uma pesquisa com 60 mulheres, o projeto propõe ações voltadas à caminhabilidade segura, principalmente no entorno de estações de transporte público.
Ele se estrutura em três eixos — infraestrutura, convivência e segurança — e inclui medidas como melhoria da iluminação pública, urbanismo tático, câmeras de monitoramento, postos de apoio e atividades culturais noturnas. A região da Central do Brasil e da Praça da República foi escolhida como área-piloto para aplicação do projeto.
“A Helena começou com uma observação pessoal e conseguiu construir uma proposta consistente, com base em dados, para fomentar políticas públicas. O mais importante é que ela evidenciou como o medo molda os caminhos das mulheres”, afirma o professor Mauricio Bouskela. “Ela traduziu um sentimento coletivo em ação concreta.”
Autora: Julia Rocha
Orientadora: Camila Maleronka
No trabalho Lugar de menina (também) é no parque, a urbanista Julia Rocha analisa o uso desigual do Parque Sete Campos, localizado na região da Cidade Ademar, na zona sul de São Paulo. O local, marcado pela presença quase exclusiva de homens em práticas esportivas, tem pouca participação feminina — resultado de uma combinação de falta de infraestrutura, percepção de insegurança e ausência de políticas voltadas à diversidade de usos.
Julia propõe um Programa de Gestão de Parques em Áreas Vulnerabilizadas, com base nos princípios do urbanismo social e feminista, que integra diferentes secretarias e fortalece a gestão participativa com a comunidade local.
“A Julia fez uma análise profunda da governança existente e mostrou que ela funciona em parques como o Ibirapuera, porém não em territórios onde falta quase tudo. O que ela propõe é reinventar a gestão do espaço público com foco em inclusão”, explica a professora Camila Maleronka. “Ela teve sensibilidade e coragem para perguntar: por que as mulheres não estão ali?”
Autora: Giuliana Feitosa
Orientadora: Camila Maleronka
Em Grupo de Mulheres Cidadania Feminina como espaço desencadeador de transformação, a arquiteta Giuliana Feitosa trabalhou com um coletivo de mulheres negras que atua há mais de duas décadas no Córrego do Euclides, periferia do Recife. O grupo promove ações de enfrentamento à violência doméstica, racismo e desigualdade social. O trabalho propõe fortalecer institucionalmente a organização, desenhando uma governança colaborativa e estratégias para sua inserção mais efetiva nas políticas públicas.
“A força dessas mulheres está no território. Elas já cuidam umas das outras, já fazem política pública na prática. O que o trabalho da Giuliana faz é estruturar isso, dar sustentabilidade e visibilidade a essa potência coletiva”, destaca Camila Maleronka.
Autora: Jackeline Miguel Custodio
Orientadora: Camila Maleronka
A arquiteta Jackeline Miguel Custodio transformou uma vivência pessoal dolorosa — a perda de um bebê por negligência médica — em um projeto de impacto territorial e simbólico. Em Territórios pelos saberes do Bem Viver, ela propõe a criação de uma unidade de saúde intercultural na comunidade tradicional do Sertão do Ubatumirim, em Ubatuba (SP), unindo práticas ancestrais (como as parteiras e doulas) ao sistema de saúde convencional.
A proposta promove segurança no parto, valorização dos saberes tradicionais e atendimento de qualidade, respeitando as especificidades culturais da comunidade.
“É um trabalho extremamente visceral. Jackeline conseguiu sair do pessoal, organizar os dados e propor uma política pública baseada em evidência e pertencimento. É um projeto que emociona e transforma”, pontua Camila Maleronka.
Autor: Renan Preto do Oliveira
Orientadoras: Érica Peçanha e Laura Janka
No TCC Capão Redondo: elas querem tempo e saúde!, o artista multimídia e educador Renan Preto do Oliveira volta seu olhar para as diaristas e empregadas domésticas negras da periferia de São Paulo. Mulheres que, além de realizarem um trabalho essencial, enfrentam longas jornadas em transportes precários, pouca estrutura urbana e pouco tempo para si mesmas.
O projeto sugere a devolutiva de horas em forma de dias de folga, a partir do tempo excessivo gasto nos deslocamentos, além da requalificação dos espaços públicos no Capão Redondo, com foco no bem-estar dessas mulheres e de suas famílias. A proposta se apoia em financiamentos por programas de geração de renda, incentivos fiscais e parcerias público-privadas.
“O trabalho visibiliza a realidade de quem cuida da cidade — no entanto, não é cuidada por ela. Ele propõe que os bairros ao redor das grandes conexões de transporte tenham serviços de proximidade, espaços seguros e oportunidades econômicas. Isso melhora a vida das mulheres e de toda a comunidade”, explica Laura Janka. “E é especialmente simbólico e potente que esse trabalho tenha sido feito por um homem. Isso mostra que o cuidado também pode ser um compromisso compartilhado.”
Autora: Jadiane Mendes de Morais
Orientadoras: Érica Peçanha e Laura Janka
O trabalho de conclusão de curso intitulado Baianas de acarajé: o patrimônio cultural do Brasil e o fortalecimento do território em Salvador (BA), de autoria de Jadiane Mendes de Morais, aborda a importância das baianas de acarajé como patrimônio cultural e agentes de preservação urbanística. O estudo destaca como essas mulheres, com seus tabuleiros, não apenas mantêm viva uma das mais antigas práticas de comida de rua do Brasil, mas também contribuem para a construção de um urbanismo social afrocentrado, resistindo ao racismo ambiental e fortalecendo o território por meio da valorização das práticas culturais e econômicas locais.
A pesquisa propõe intervenções urbanísticas que visam qualificar os espaços públicos nas imediações dos tabuleiros das baianas, como a expansão da Feira de São Joaquim e a implementação de tecnologias sustentáveis, incluindo a reciclagem do azeite de dendê. A hipótese central defende que a articulação entre a economia local, as intervenções urbanísticas e o desenvolvimento de aplicativos para reciclagem pode reforçar a identidade dos territórios vulnerabilizados, promovendo sustentabilidade urbana, maior convivência comunitária e a redução da violência. A autora, graduada em Serviço Social e mestranda em Política Social e Territórios, insere seu trabalho em uma perspectiva crítica e propositiva, que une cultura, tecnologia e justiça social.
Para Érica Peçanha, uma das orientadoras do TCC: “O trabalho de Jadiane é original por aliar cultura, sustentabilidade e intervenções urbanísticas tendo como agentes de transformação trabalhadoras que são centrais na história, na economia e na cultura da cidade”.
Esses seis trabalhos mostram que incluir a perspectiva de gênero no planejamento urbano não é apenas uma pauta acadêmica — é uma ação prática, urgente e transformadora. Mulheres têm vivências específicas na cidade: como mães, trabalhadoras, cuidadoras e cidadãs. Seus caminhos são mais longos, suas paradas são mais numerosas e suas vulnerabilidades, mais profundas.
A professora Érica Peçanha, responsável pela disciplina Trabalho de Conclusão de Curso, reforça: “O urbanismo social é uma estratégia que parte de princípios e metodologias que focalizam territórios vulnerabilizados, privilegiam a participação da população na identificação dos problemas e na formulação das ações, além de preconizar a integração de agendas e políticas. Nesse sentido, as propostas ancoradas no urbanismo social são uma oportunidade de lidar com questões relacionadas ao planejamento e à gestão das cidades de uma forma inclusiva e a partir da perspectiva de quem tem suas vidas historicamente marcadas pelas desigualdades sociais, como mulheres, negros e moradores de periferias e favelas. ”