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Realizado no dia 31 de maio no Insper, o evento Harvard Brazil Alumni Summit’25 – IA and Beyond reuniu ex-alunos da Universidade Harvard para um dia de discussões sobre o impacto e os rumos da inteligência artificial. Em um evento fechado e exclusivo, lideranças de diferentes setores compartilharam suas visões sobre como transformar o avanço tecnológico em ganhos concretos para a sociedade.

 

Em entrevistas concedidas após o evento, três dos painelistas detalharam suas ideias com mais profundidade. Priscyla Laham, CEO da Microsoft, falou sobre inovação responsável e inclusão; Lucas Vargas, CEO da fintech Nomad, destacou os ganhos de eficiência e acesso no setor financeiro; e Claudio Lottenberg, presidente do Conselho do Hospital Israelita Albert Einstein, explicou como a IA pode ajudar a tornar o sistema de saúde mais sustentável — sem substituir o fator humano. A seguir, os principais insights de cada um.

 

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Priscyla Laham, CEO da MicrosoftPriscyla Laham, CEO da Microsoft

 

 

IA além do hype: tecnologia, ética e inclusão no centro da nova revolução digital

 

Presidente da Microsoft Brasil, Priscyla Laham defende a adoção responsável da inteligência artificial, com foco em personalização em escala, capacitação ampla e governança ética

 

 

A presidente da Microsoft Brasil, Priscyla Laham, fala de inteligência artificial (IA) com uma naturalidade que mistura entusiasmo, senso de urgência e cautela. Para ela, a tecnologia já deixou de ser promessa distante para se tornar alavanca concreta de produtividade, inclusão e competitividade. “A IA está permitindo o que era inviável poucos anos atrás — criar experiências personalizadas em grande escala e libertar pessoas de tarefas repetitivas”, afirma. No setor financeiro, um de seus principais campos de testes, bancos correm para implantar agentes autônomos capazes de entender a linguagem natural dos correntistas e recomendar produtos sob medida. O resultado é um “gerente de bolso” que conhece trajetória e objetivos de cada cliente, disponível 24 horas por dia.

 

Mas Priscyla insiste em olhar além dos bancos. Varejo, manufatura e educação estão na mesma trilha de transformação, cada qual em ritmo próprio. No comércio eletrônico, algoritmos generativos já conversam com consumidores, descrevem itens e resolvem reclamações. Na indústria, sensores conectados a modelos preditivos reduzem paradas de máquina e ajustam linhas de produção em tempo real. “Quando a inteligência está embutida desde o chão de fábrica até o back-office, o ganho de eficiência vira vantagem competitiva”, diz. Ao mesmo tempo, ferramentas como o Copilot espalham IA no dia a dia corporativo — da elaboração de relatórios à análise de contratos — e libertam funcionários para tarefas criativas.

 

Se a adoção cresce, os riscos também ganham evidência. Viés algorítmico, privacidade de dados e transparência ocupam o topo da agenda. A executiva relata que a Microsoft mantém um Escritório de IA Responsável dedicado a revisar todos os produtos antes do lançamento, além de apoiar clientes na criação de comitês internos de governança. “Inovação sem responsabilidade é insustentável; não basta entregar resultado, é preciso comprovar que o sistema é justo, seguro e inclusivo”, afirma. A política se estende à cadeia de parceiros: contratos preveem auditorias em modelos e exigem relatórios de impacto ético.

 

Outro ponto essencial, na visão de Priscyla, é democratizar o acesso. A Microsoft lançou a plataforma gratuita ConectAI, com trilhas que vão do letramento digital a cursos de cibersegurança, nuvem e IA generativa. A meta de capacitar 5 milhões de brasileiros em três anos já foi 80% cumprida em menos de doze meses. “Tecnologia só transforma de verdade quando chega a todos, especialmente aos que tradicionalmente ficaram de fora”, afirma Priscyla. O foco em diversidade, segundo ela, não é marketing: modelos treinados por equipes plurais têm menos chance de reproduzir preconceitos.

 

Em meio ao otimismo, Priscyla reconhece dilemas concretos. O primeiro é capacitação: o Brasil precisa formar desenvolvedores, especialistas em dados e, ao mesmo tempo, preparar profissionais de qualquer área para colaborar com algoritmos. O segundo desafio é infraestrutura. A Microsoft investirá R$ 14,7 bilhões no Brasil, ao longo de três anos, em novos data centers e serviços em nuvem, montante que, espera, estimulará startups locais a criar soluções assentadas em IA. “O brasileiro é early adopter; quando fornecemos base tecnológica, surgem empresas que nem imaginávamos.”

 

Há, ainda, a preocupação com o consumo energético dos centros de dados. A empresa assumiu o compromisso de ser carbono-negativa até 2030 e de neutralizar todo o histórico de emissões até 2050, apostando em chips mais eficientes, compra de energia limpa e projetos de compensação florestal. “Desafios ambientais exigem a mesma criatividade que aplicamos ao código”, diz.

 

E o mercado de trabalho? Priscyla cita estudos do Fórum Econômico Mundial que projetam saldo líquido positivo de empregos, graças à expansão de funções ligadas a segurança, governança de dados e orquestração de agentes autônomos. “Ninguém será substituído pela IA, mas pode ser substituído por alguém que saiba utilizá-la”, resume. Por isso, exorta empresas a oferecer treinamentos contínuos e indivíduos a praticar: “Usar IA é como musculação; os benefícios só aparecem com exercício diário”.

 

Questionada sobre o futuro, ela evita previsões grandiosas e prefere uma metáfora pragmática: a IA será tão onipresente quanto a eletricidade, invisível e indispensável. “Em poucos anos, vamos parar de falar de IA como novidade; ela simplesmente fará parte do tecido produtivo e social. O que definirá países e empresas vencedores será a velocidade de adoção responsável e a habilidade de combinar inteligência humana e digital.”

 

Lucas Vargas, CEO da NomadLucas Vargas, CEO da Nomad

 

 

A inteligência artificial está mudando seu jeito de lidar com o dinheiro

 

Para Lucas Vargas, CEO da fintech Nomad, a IA já transforma o setor financeiro e deve ampliar o acesso de mais brasileiros a serviços globais com menos burocracia, mais segurança e decisões personalizadas

 

 

A inteligência artificial (IA) está começando a transformar, de forma silenciosa e acelerada, a maneira como lidamos com o dinheiro. De aprovações mais rápidas de operações até sugestões de investimentos feitas sob medida para cada pessoa, os impactos já são visíveis — e prometem crescer muito mais. Quem afirma isso é Lucas Vargas, CEO da Nomad, fintech brasileira que oferece conta bancária nos Estados Unidos para brasileiros, além de cartão internacional e opções de investimento no exterior.

 

Segundo Vargas, a IA está provocando mudanças importantes em três grandes áreas do setor financeiro. A primeira é a eficiência: com a ajuda de algoritmos inteligentes, operações que antes levavam dias, como a análise para liberar um empréstimo ou realizar uma transferência internacional, hoje podem ser feitas em minutos ou segundos. “A IA já está encurtando prazos, derrubando custos e aumentando a precisão das decisões”, explica.

 

A segunda transformação é a personalização dos serviços. Ao entender melhor o comportamento de cada cliente, a inteligência artificial permite que bancos e fintechs ofereçam soluções sob medida. Um exemplo são os chamados robo-advisors — sistemas automatizados que sugerem onde investir o dinheiro com base no perfil e nas preferências de cada pessoa. “Antes, era preciso procurar um gerente para entender onde aplicar seu dinheiro. Agora, o próprio aplicativo pode orientar de forma personalizada”, diz Vargas.

 

A terceira frente é a segurança. Com a IA, tornou-se possível identificar movimentos suspeitos com mais rapidez, como tentativas de fraude em cartões ou contas. A tecnologia também ajuda a evitar golpes e a cumprir exigências dos órgãos reguladores — inclusive em operações que envolvem mais de um país, como é o caso da Nomad. “Fraudes, lavagem de dinheiro e riscos em transações são monitorados com uma precisão que nenhuma equipe humana conseguiria sozinha”, afirma o executivo.

 

Mas, para que tudo isso funcione bem, é preciso investir pesado na organização das informações. A IA precisa aprender a partir de dados corretos e bem estruturados. Por isso, desde sua criação, a Nomad apostou em ter uma base sólida de tecnologia. “Mesmo quem usa ferramentas prontas, de outras empresas, precisa saber como integrá-las ao seu sistema e adaptar às suas necessidades”, explica Vargas.

 

Ele também destaca que as fintechs — empresas de tecnologia focadas em finanças — têm vantagens em relação aos bancos tradicionais. São mais ágeis para lançar novidades e experimentar soluções novas. Por outro lado, os bancos têm bases de dados enormes, muito dinheiro para investir e já estão adaptados a várias regras do setor. “No fim, não são rivais. Muitas vezes fintechs e bancos trabalham juntos. É um ecossistema onde cada um aprende e colabora com o outro”, resume.

 

Um dos pontos mais promissores da IA, segundo Vargas, é sua capacidade de ampliar o acesso a serviços financeiros para mais pessoas. Isso pode acontecer, por exemplo, quando a tecnologia ajuda a avaliar se alguém pode receber um cartão ou um empréstimo mesmo sem ter o “nome limpo na praça” ou um histórico bancário tradicional. “A IA permite olhar outros sinais do comportamento da pessoa — como seus hábitos de consumo ou pagamentos no dia a dia — para criar soluções que antes eram inacessíveis”, explica.

 

Outro ganho está na educação financeira. Com a ajuda de assistentes virtuais e mensagens personalizadas dentro dos próprios aplicativos, é possível ensinar ao cliente o que significa um determinado investimento, como proteger seu dinheiro da desvalorização ou quando é melhor fazer uma operação em dólar. “Não faz sentido jogar um monte de termos difíceis para o usuário pesquisar depois. A orientação precisa estar integrada à experiência”, afirma.

 

Mesmo reconhecendo os avanços, Vargas não ignora os desafios. A IA ainda enfrenta dificuldades para explicar algumas decisões — como a negativa de crédito — e pode reproduzir preconceitos existentes nos dados. Além disso, a regulação do setor muitas vezes não acompanha a velocidade da tecnologia. “É por isso que precisamos de inteligência artificial responsável, com modelos que possam ser auditados, que não sejam uma ‘caixa-preta’. Transparência é essencial para manter a confiança dos clientes e da sociedade”, afirma.

 

Apesar dos riscos e limitações, Vargas acredita que a IA não veio para substituir o sistema financeiro atual, mas para ampliar seu alcance e melhorar sua eficiência. “Quem souber combinar tecnologia, dados bem-organizados e responsabilidade vai gerar muito valor para todo o ecossistema”, conclui.

 

Claudio Lottenberg, presidente do Conselho do Hospital Israelita Albert EinsteinClaudio Lottenberg, presidente do Conselho do Hospital Israelita Albert Einstein

 

 

IA na saúde: tecnologia para prevenir doenças, otimizar recursos e ampliar o cuidado

Para Claudio Lottenberg, presidente do Conselho do Hospital Israelita Albert Einstein, algoritmos já transformam o diagnóstico, a personalização de tratamentos e a sustentabilidade do sistema — mas não substituem o cuidado humano

 

 

A inteligência artificial avança sobre todos os setores, mas na medicina ela provoca um tipo especial de deslumbramento — e, logo em seguida, de ceticismo. “Às vezes achamos que a tecnologia é a resposta para todos os males; depois concluímos que não serve para nada, até encontrarmos um ponto de equilíbrio”, observa o médico oftalmologista Claudio Lottenberg, presidente do conselho do Hospital Israelita Albert Einstein. Nesse ponto de equilíbrio, que ele acredita já estar próximo, despontam mudanças concretas em várias frentes.

 

A primeira grande transformação ocorre nas especialidades baseadas em imagem, abastecidas por bancos de dados gigantescos. “Radiologia, dermatologia, cardiologia e oftalmologia, que é a minha área, criam algoritmos capazes de detectar câncer de pulmão, retinopatia diabética ou fraturas com acurácia superior à humana”, diz. A comparação é simples: “É impossível imaginar que um médico mantenha a mesma precisão às oito da manhã e no fim do plantão”. Ao filtrar exames normais, a IA permite que o especialista concentre energia nos casos mais complexos, reduzindo erros e tempos de espera.

 

Outra revolução visível é a medicina personalizada. Ao cruzar dados genéticos, históricos clínicos e estilo de vida, algoritmos montam tratamentos “sob medida”, aumentando eficácia e reduzindo eventos adversos. “Nunca analisamos tantos parâmetros simultaneamente; agora a terapia deixa de ser padronizada e passa a ser dirigida ao indivíduo”, afirma.

 

Nos bastidores, hospitais inteiros já se reconfiguram com modelos preditivos que antecipam surtos, calculam a ocupação de leitos e ajustam a agenda cirúrgica. “Isso era impensável há alguns anos”, ressalta Lottenberg. Na outra ponta, wearables coletam sinais sutis — frequência cardíaca, variações de temperatura, volume urinário — e permitem intervenções antes que uma doença se agrave. “Você consegue criar cenários de prevenção baseados em evidências documentadas”, explica. A consequência é a queda de internações evitáveis e da sinistralidade dos planos de saúde.

 

A IA também encurta o caminho até novos medicamentos, simulando interações moleculares que antes exigiam anos de ensaios, e reforça a vigilância epidemiológica: alterações simultâneas em exames simples, como hemogramas, podem disparar alertas precoces de surtos. Na formação médica, simuladores alimentados por algoritmos vão viabilizar ensaios para cirurgias complexas, reduzindo a dependência de treinamento em pacientes vivos.

 

Lottenberg enxerga, entretanto, quatro obstáculos a superar. O primeiro é tecnológico: garantir que os sistemas sejam robustos, confiáveis e livres de vieses. O segundo é corporativista. “Alguns colegas veem a IA como risco para sua atividade profissional”, reconhece. O terceiro envolve limites éticos: o uso de dados deve servir ao bem coletivo, não a vantagens individuais ou práticas discriminatórias. Por fim, há a necessidade de investimento, embora ele reforce que a conta fecha: “No fim, a IA representa economia”.

 

Mesmo diante desses desafios, o médico não teme uma substituição em massa de profissionais. “A medicina é uma atividade com forte componente humano, e nenhuma máquina é capaz de superar isso”, afirma. O algoritmo serve de apoio, não é um oráculo. Dessa interação — médico, paciente e máquina — nasce, segundo ele, um sistema de saúde mais sustentável: “A IA economiza o tempo do médico, traz eficiência operacional, combate fraudes e otimiza recursos”.

 

Essa mesma eficiência pode mitigar desigualdades. Triagens inteligentes evitam consultas desnecessárias e liberam vagas para quem realmente precisa. “Vamos direcionar esforços para aquilo que é importante”, resume Lottenberg. O resultado, caso o país acerte na governança e na formação de profissionais, é um acesso mais amplo, preventivo e financeiramente viável.

 

Entre o hype e a descrença, portanto, a inteligência artificial encontra na saúde um terreno fértil — desde que mantenha, sempre, o “ponto de equilíbrio” que preserva a ciência, o cuidado e o olhar humano sobre cada paciente.



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