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Com o objetivo de celebrar e promover a diversidade racial, o Insper lançou, em 6 de novembro, o Black in Tech, iniciativa para promoção da empregabilidade e geração de renda para pessoas negras no Brasil. Para marcar o início do programa, o evento Black in Tech Experience reuniu profissionais negros de destaque do mercado para discutir como a tecnologia pode transformar realidades. Com mais de 300 participantes, o encontro proporcionou uma rica troca de experiências sobre os desafios e conquistas de profissionais negros no mercado de trabalho do setor.

 

“A troca de experiências profissionais e pessoais é fundamental para o Black in Tech”, destacou Raulison Resende na abertura do evento. Professor do Insper e um dos idealizadores do programa, do qual também é coordenador, Resende explicou que a iniciativa foi amadurecida ao longo de dois anos. “O objetivo é fortalecer a comunidade afrobrasileira por meio da tecnologia, especialmente nas áreas de computação, negócios e informática”, explicou. Apesar de representarem 56% da população brasileira, as pessoas negras ainda são minoria na liderança, sobretudo no setor de tecnologia — cenário que a iniciativa do Insper quer ajudar a mudar.

 

O programa estrutura-se em três frentes principais: encontros gratuitos entre profissionais e público no Insper, mentorias conduzidas por executivos experientes e formações acadêmicas com opções flexíveis de financiamento, incluindo bolsas de estudo. Resende ressaltou que a iniciativa se alinha a oito dos 18 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, entre eles Educação de Qualidade e Redução das Desigualdades.

 

O Black in Tech pretende estabelecer uma rede estratégica que conecta executivos negros e empresas engajadas em ações afirmativas. O programa atua em três esferas: no setor privado, por meio de parcerias empresariais; na sociedade civil, por meio do diálogo com organizações sociais; e na esfera pública, colaborando com governos na formulação de políticas de inclusão e equidade racial.

 

 

 

Trajetórias que se entrelaçam

 

Renunciar a pequenos prazeres para investir em educação, iniciar no mercado de trabalho precocemente e ser pioneiro na formação acadêmica familiar — muitos sendo também os primeiros letrados de suas famílias. Essas experiências emergiram como pontos de conexão entre muitos dos convidados do Black in Tech Experience, unidos também pelo desafio de conquistar espaços tradicionalmente não inclusivos. Alexandre Moysés, diretor de governança na B3, por exemplo, recordou o alerta de sua mãe no início de sua jornada profissional: “Você vai entrar agora no mercado de trabalho, mas precisa entender que este ambiente não foi construído pensando em pessoas como nós”.

 

Em sua trajetória por grandes organizações como Banco Real, General Motors e BMF Bovespa (atual B3), Moysés confrontou repetidamente a realidade antecipada por sua mãe. “É uma jornada solitária, marcada pela escassez de referências, onde você percebe que o sistema corporativo não foi estruturado para incluir pessoas negras em posições estratégicas.” Essa percepção o levou a transformar conquistas pessoais em avanços coletivos. “Precisamos ir além do desenvolvimento individual e construir um legado que fortaleça nossa comunidade, abrindo portas e, principalmente, desconstruindo estereótipos”, enfatizou.

 

O confronto com barreiras sociais despertou em Celso Kleber, CEO do Grupo Mooven e do Instituto Black, além de membro do conselho consultivo e sócio da Conta Black, a consciência de sua identidade racial. Filho de mãe branca e pai preto, ele cresceu ouvindo familiares o definirem como “branco escuro”. “Por volta dos 13 anos, comecei a compreender a lógica por trás da criação que minha avó nos deu — provavelmente, ela acreditava que nos protegeria se nos identificássemos como brancos”, revelou. “Depois que saí da escola e fui para o segundo grau técnico, comecei a entender por que não éramos convidados para festas e por que não éramos escolhidos para alguns temas, e sim para esporte e dança. Comecei a entender então que realmente eu não era branco.” 

 

Para Kleber, essa percepção trouxe também mais responsabilidade à medida que ele subia na carreira. “Fui entendendo um pouquinho mais, entendendo as minhas origens, dando mais letramento”, disse. “Como diz o poeta, ‘tem que fazer o dobro’. Aprendi que fazer apenas o esperado não era suficiente para abrir caminhos para pessoas com nossa cor de pele — era necessário entregar mais.”

 

 

Educação e tecnologia como vetores de mudança

 

Durante o Black in Tech Experience, educação e tecnologia emergiram como pilares fundamentais nas trajetórias dos participantes, que destacaram como qualificações e certificações foram decisivas para suas ascensões profissionais. “Minha trajetória foi construída com intenso investimento em educação, conciliando trabalho diurno e estudos noturnos até conquistar o acesso à universidade”, compartilhou Thiago Oliveira, diretor de Cloud & Platforms no Mercado Livre. “Comecei como chapeiro, fritando bife, e o que me trouxe até aqui foi o estudo.”

 

Oliveira enfatizou, porém, que o verdadeiro valor do estudo está em seu poder transformador. “Não adianta você estudar apenas buscando atingir as notas para passar, não é querer ser apenas o dobro, mas buscar de fato o conhecimento genuíno”, disse. “E o conhecimento genuíno não vem de forma superficial, ele vem de forma profunda e interna. A mudança tem que acontecer com você e não pode ser para as pessoas verem.”

 

O ambiente acadêmico, assim como o corporativo, também apresentava suas hostilidades. Solange Feliciano, executiva de tecnologia especializada em ESG e diversidade, membro do Conselho Municipal de Promoção de Igualdade Racial (Compir) e embaixadora da Coalização Licença Paternidade (CoPai), enfrentou um episódio marcante durante sua graduação em Marketing. Um professor declarou que ela “nunca chegaria a lugar algum”. “Naquele mesmo dia fui para a secretaria para trancar a faculdade — eu já era uma mãe, já era mais velha que as pessoas na turma, e ainda levei essa”, contou.

 

A conversa com a secretária transformou a adversidade em motivação: além de Marketing, Solange cursou simultaneamente Análise de Desenvolvimento de Sistemas. No fim, ela não só se formou nos dois cursos, como fez questão de que aquele mesmo professor lhe entregasse os dois diplomas..Em sua trajetória profissional, tornou-se uma voz ativa em diversidade e inclusão, dedicando-se a ampliar a presença de mulheres negras na tecnologia. “Comecei a entender que eu estava tendo um impacto dentro da sociedade”, disse. Foi isso que a motivou a buscar a Microsoft Brasil para um projeto de inclusão de mulheres negras na tecnologia, que já impactou 280 mulheres, 70% das quais estão empregadas no setor. “São mulheres pretas, periféricas, vulneráveis, que não sabiam o que era tecnologia, não sabiam inglês, e hoje todas têm certificação internacional.”

 

 

Além da meritocracia: por uma transformação sistêmica

 

No entanto, histórias como essas não devem ser usadas como uma forma de se individualizar as questões de racismo e inclusão no mercado, de acordo com Alcielle Santos, diretora de Educação do Instituto iungo e presidente da cooperativa de educadores Cipó Educação, também participante do Black in Tech Experience. “Essas histórias de resiliência não podem ser entendidas como histórias de meritocracia, ‘se esforça que consegue’”, disse. “Acredito que as pessoas não precisam passar pelo que a gente passou, elas não precisam com 10 anos vender caipirinha na praia [como foi seu próprio caso]”, afirmou. “Isso não é justo, e a construção de sociedade menos desigual passa também pela construção de menos sofrimento para nossas infâncias e adolescências.”

 

Alcielle encerrou enfatizando a importância de celebrar o legado histórico da população negra no Brasil, frequentemente negligenciado nas narrativas oficiais. “A nossa ancestralidade atravessou o oceano, os pretos chegaram ao solo brasileiro com saberes construídos ao longo de séculos em continente africano. Nós precisamos nos lembrar disso, do legado de conhecimentos em mineração, agricultura e como se organizar cooperativamente.”

 



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